A Lua agora no meu quintal. E um poema

Em noite de lua cheia
(Alcinéa Cavalcante)

Vamos namorar na praça, meu bem,
aproveitando este luar
que se derrama sobre a cidade.
Abraçados contaremos histórias
do espaço sideral
e embarcaremos numa nave brilhante
que nos espera no centro da praça.

Trocaremos juras de amor entre as estrelas
E lá do alto veremos a Terra
como um imenso bolo
confeitado com anelina azul-ternura.

Vamos namorar na praça, meu bem,
e embarcar na nave brilhante
que pousará na Lua
onde com um lápis mágico faremos um desenho.

Já pensou, meu bem, na surpresa dos astronautas
quando virem na lua
um coração com nossos nomes dentro?(Fotos: Alcinéa Cavalcante)

Um poema de Wilson Carvalho

Um amor leve
Wilson Carvalho

De ti só peço um amor leve
livre como uma pluma ao vento
que voa pelo prazer de voar
sem importar onde vai parar.
Sem dores nem obrigações.
Sim, quero que o teu amor me leve.
Mas que livre me deixe.
Mesmo quando entrelaçado
nos teus braços
e sonhos.

(Extraído do livro “Amor à vida”, lançado durante as comemorações dos 70 anos da Academia Amapaense de Letras)

Um belo poema de Luiz Jorge Ferreira

De pleno acordo.
Qualquer dia desses esqueço meu coração!
Luiz Jorge Ferreira*

Qualquer dia desses esqueço meu coração
…em uma gaveta da cômoda.
Em dobras redobradas de
uma fronha.
Em uma frase , tipo ‘ as paralelas dos pneus
n’agua das chuvas são duas retas em que foges’…
Belchior me disse um dia em que chutei as bolas de cima do palco em que ele fazia um Show em Belém… fugir é procurar voltar…
E a água da chuva, repleta de rugas, estranhamente estranha com um perfume de Dama da Noite, sem beliscão ou açoite, fingia fugir de mim também.

De pleno acordo… silencio os acordes que são uníssonos com as batidas do meu coração que fingem ultrapassar as barreiras das recordações, e as salgam sem ter medo de altura e aviões…
Eu sou não mais um rapaz Americano Latino, nem ladino, nem concursado com a ajuda de importantes parentes, distribuídos aleatoriamente pelos corredores do poder, ou no plano Planalto, ou nas dobras verticais ao Equador, paralelas também pátio do Colégio Amapaense, onde aprendi Parábolas, Reticências e Triângulos Obtusos e Esferas Quadriculadas , sob um Sol Latino Americano.
Sou uma ave anômala sob estranhas penas que apenas tu tens penas do que sinto um pouco pouco de ser um louco olhando de viés.
…para as tóxicas toiças de papel, onde talvez tenha amarrado meu coração que toda a semana se arranha, se esfrega, se espreme, se esmaga por essa caminhada chamada vida.
E eu fujo de tudo fingindo ter chegado.
E ao meu lado atordoado entre flores e pecados…
Meu coração repuxando o passado a todo custo.
Dança a imberbe consigo mesmo.
Parece estranho…’mas se um dia eu chegar muito louco’…
De pleno acordo… acordo os acordes, e para ‘não ser infeliz sozinho ‘
Qualquer dia desses esqueço meu coração, trabalhador…vagabundo!
Em uma gaveta ruída pelo tempo, fora nem dentro, abandonado ao relento…
Qualquer dia desses dias, de pleno desacordo com o acordo, meu coração esqueço, e adormeço em vão,como quem se presta a se esquecer de novo.
Em pleno acordo de não ser infeliz sozinho.

*Luiz Jorge Ferreira é poeta, cronista, contista, escritor e médico. Tem vários livros publicados e faz parte  da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames). Nasceu no Pará, mas viveu a infância e juventude em Macapá. Há muitos anos reside em São Paulo.

Sobre o poeta Ivo Torres

Quando, terça-feira, a filha do poeta me avisou “o papai faleceu”. Fiquei um bom tempo sem saber o que fazer. Passado o choque dei aos amigos a triste notícia. Queria escrever alguma coisa, mas travei diante da tela do computador. Ficava lembrando nossas tão boas, alegres e afetuosas conversas semanais por telefone. Era tão bom relembrar o tempo que ele morou em Macapá e ele me contava coisas dessa época e me falava de sua vida no Rio de Janeiro e conversávamos sobre o desejo que nós  tínhamos de nos reencontrar depois de tanto tempo.Quando criança, eu e meus irmãos o chamávamos de tio. Ele era padrinho do meu irmão Zoth, que ele chamava de Alcyzinho.
Estou falando do poeta Ivo Torres que faleceu aos 92 anos esta semana no Rio de Janeiro. Dos cinco primeiros poetas modernistas do Amapá, Ivo era o único que ainda estava por este plano.
No dia da sua morte não escrevi nada, mas fiquei imaginando Ivo chegando no céu, sendo recebido com festa pelos irmãos-poetas, seu compadre Alcy Araújo (meu pai), Aluízio Cunha, Álvaro da Cunha e Arthur Nery Marinho.

– Demorou, hein, poeta?
– Demorei não. Vocês é que vieram muito cedo.

E todos riram.
Sentaram em nuvenzinhas brilhantes e começaram a conversar e declamar poesias. São Pedro sentou no batente da porta celeste para apreciar e os anjos ficaram em volta deles ouvindo e aplaudindo.

“Sinto minha alma contente de me ter,
satisfeita por me viver
amada por meu amor.
Não me freio, estou entregue ao adiante.
Manhã magra de maio
sou teu adeus” (Ivo Torres)

“Do Gênesis, a alma preliminar
Depois vieram outras, outras, muitas outras
almas sobressalentes.
Umas alegres outras tristes.
E ficaram no meu corpo
até o fim da formação.
Então abandonaram a argila do poeta atual
e se dispersaram nos diferentes universos” (Alcy Araújo)

“Será sempre na mesma transparência 
que o dia de hoje
substituirá o de amanhã” (Aluízio Cunha)

“A água agora é cristalina.
Parece até com lágrima divina
se a divindade é pura como a água” (Arthur Nery Marinho)

“Não é por ti,  irmão,
que os sinos dobram.
Eles dobram (…) pelos que ficaram sós,
desfalcados de ti” (Álvaro da Cunha)

Ivo Torres nasceu em 20 de março de 1931 no Rio de Janeiro. Na década de 1950, veio para o Amapá para exercer o cargo de assessor técnico do governador. E junto com Alcy Araújo, Álvaro da Cunha e outros intelectuais e poetas fez um grande movimento cultural. Com eles fundou a revista Rumo, em 1957, considerada uma publicação de alta qualidade, identificada por críticos literários e renomados jornalistas como um veículo de comunicação dos mais importantes do país.Foi fundador e presidente do Clube de Arte Rumo e também da Editora Rumo, que lançou importantes obras como Autogeografia, de Alcy Araújo, e Quem Explorou Quem no Contrato do Manganês, de Álvaro da Cunha.
Ivo foi redator-chefe do extinto Jornal do Amapá, presidente da Associação Amapaense de Imprensa e da Sociedade Artística de Macapá. Mantinha uma coluna literária no Jornal do Amapá, fazia uma crônica diária para a Rádio Difusora de Macapá e na mesma emissora apresentava um programa cultural semanalmente.

Quando vice-presidente da CEA, Ivo morou nesta casa – que hoje só existe na lembrança

Ao deixar o Amapá voltou para o Rio de Janeiro onde continuou desenvolvendo sua atividade cultural; editou diversas antologias, foi curador de importantes exposições, assessorou a secretaria de cultura do Rio e nunca se desligou do Amapá. “Nunca esqueci o Amapá. O Amapá vive em mim”, disse-me ele há poucos dias quando, inclusive, conversávamos sobre a possibilidade de ele vir em junho a Macapá para a comemoração dos 70 anos da Academia Amapaense de Letras.

Ivo estava com 92 anos, mas lúcido, muito bem, produzindo, lançando livros, encontrando os amigos para um bate papo molhado e cultural praticamente todas as tardes num famoso bar do Jardim Botânico que frequentava há mais de 20 anos. Por isso, sua morte pegou todos de surpresa.
Ivo é autor de mais de vinte livros, entre os quais destaco Trono do Amor, O administrado do amor, Cascafruto, A cor/dando, Cromo Somos, Encadernação do Pasmo e Aicai.

Em 2020 a Prefeitura de Macapá publicou pelo projeto literário “Letras de Ápacam” seu livro Love and Love, uma reunião de cem poemas de amor escolhidos pelo próprio poeta.
Ivo faleceu na madrugada de terça-feira em seu apartamento. Infarto fulminante. Deixa dois filhos Ivo Filho e Júlia Torres.  O  velório  será nesta sexta-feira, 26, a partir das 14h30 na capela 8 do Cemitério da Penitência (R. Monsenhor Manoel Gomes 307, Caju), e o sepultamento às 17h10.

Ah, eu disse que Ivo morreu. Mas não. Ele não morreu. Poetas não morrem. Ficam encantados. Viram estrelas e lá do alto ficam soprando poesias e ternuras para nós.

Obrigada, tio Ivo, por todo carinho e afeição. Obrigada por sua poesia e por tudo que você fez pela literatura neste país e principalmente pela literatura amapaense.

Poema do Louco
Ivo Torres

Caminha o louco.
O céu do louco tem cor
permanente.

A alma do louco acoita
canções, que muitos cantam,
sem conhecer.

O louco não gosta de flores.
Aliás, nunca viu flores
genuínas.
Nem mulheres.
Nem meninos.
Nem nunca foi menino.

Não tem casa.
Não tem leito.
Não tem relógio.
Só tem a rua.

A rua branca
e sincera do seu mundo.

Neste momento, o louco chora,
porque lhe disseram que há
loucos que se curam.

(Os trechos de poesia e o Poema do Louco extraí da Antologia Modernos Poetas do Amapá)

O Fim do Mundo

O Fim do Mundo

Quando disseram
que o mundo ia acabar
Tia Lila pegou seu terço
e pôs-se a rezar.

O dono da venda
dividiu toda a mercadoria
com seus funcionários
e distribuiu o dinheiro do caixa
para os mendigos.

A recatada dona Clotilde
jogou-se aos pés do marido
e implorando perdão
confessou que o tinha traído com o compadre.

Seu Joaquim, um santo homem,
ajoelhou-se no meio da rua
ergueu as mãos para o céu
e pediu perdão a Deus
pelos assassinatos que cometeu
como matador de aluguel.

No dia seguinte
o dono da venda pedia esmolas,
a recatada Clotilde, expulsa de casa,
foi morar num velho puteiro,
Seu Joaquim foi preso.

Só Tia Lila continuou do mesmo jeito.
De terço na mão continuou rezando
e entre uma oração e outra murmurava:
– É mesmo o fim do mundo
– Dona Clotilde, hein, quem diria?
– Seu Joaquim com aquela cara de santo, hein!
É o fim do mundo! É o fim do mundo!

(Alcinéa Cavalcante)

Um poema de Isnard Lima para Alcy Araújo

AL.
Isnard Lima

Tu, poeta,
deverias ser o jardineiro
que falta na praça
que amo como garoto
e odeio
como homem.

Plantarias rosas rubras
muito suaves e muito belas
para as moças
que ficam à tarde
na moldura
das janelas.

E nós teríamos
rosas vermelhas
para oferecer
à namorada ausente.

Aquela que ficou
na estrada
acenando amor.
(Do livro Rosas para a Madrugada, 1967 – Macapá-AP)

Bilhetinho

Bilhetinho

Meu caro:
recebi tuas bem traçadas linhas.

Tua caligrafia é muito linda.
Porém, confesso, o que mais me encantou
foi o selo colado
no envelope “par avion”.

Arranquei-o com cuidado.
Ele agora faz parte da minha coleção.

Tua missiva eu guardei
naquela caixinha cor-de-rosa.

Prometo  responder
assim que tiver um tempinho.
(Alcinéa Cavalcante)

Procura

Procura

Eu estava lá quando o sol
jogou sorrisos dourados no rio-mar.

Eu ainda estava lá
quando uma estrela riscou o céu
e um pescador apanhou uma estrela do mar.

Por testemunha tenho um bem-te-vi
que bem me viu
quando as andorinhas bailavam no ar.

Quis fundir ouro com prata,
estrela cadente com estrela do mar
e cantar um canto novo
para sair bailando contigo.
Mas
tu não estavas lá.
(Alcinéa Cavalcante)

Visita indesejada

Visita indesejada

Tem uma saudade batendo na minha porta.
Não vou abrir.
Conheço bem essa figura.
Entra
se aboleta no sofá
e não quer mais ir embora.
Abusada
invade a cozinha
adentra o quarto
deita na cama.
Não vou abrir a porta, não.
Não estou pra esse tipo de visita.
Gosto daquela saudade
que chega de mansinho
trazendo lembranças perfumadas,
um verso e um riso
toma uma cafezinho
e vai embora.
(Alcinéa Cavalcante)