Meio-dia

Meio-dia
(Alcinéa Cavalcante)

Para onde vai
esse menino de andar tristonho
com uma camisa verde desbotada amarrada na cabeça?
Ele não caminha em direção ao sol.
Caminha sob o sol.
O sol queima.
O asfalto queima.
As lágrimas queimam.
Para proteger a cabeça tem uma camisa verde desbotada.
Para proteger os pés um par de tênis surrado.
Mas quem – ou o que – pode protegê-lo da tristeza que aflige seu coração
e se derrama em lágrimas queimando sua face?

Marte? Nem pensar!

Marte? Nem pensar!

Não , meu bem.
Desta vez não vou contigo.
Marte não me seduz.
A água de lá não tem o cheiro do mururé.

Em Marte, meu bem,
não tem flores,
logo não tem beija-flor.

Não tem mangueiras,
logo não tem aquela algazarra de periquitos
que inebria o poeta Fernando Canto.

Não tem praças, música, livros,
papel e caneta.
Não tem poesia nem poetas.

Li no jornal que os habitantes de lá
tem voz metálica
corpo engraçado
e cara esquisita.
São todos verdes, todos idênticos, todos estranhos.

Você quer ficar verde de susto, meu bem?
Eu não.

(Alcinéa Cavalcante)

Um domingo assim

DOMINGO
(Alcinéa Cavalcante)

Eu preciso de uma manhã
dourada de domingo
para sair por aí
assoviando numa bicicleta azul.

Eu preciso de uma tarde de domingo
enfeitada com arco-íris
para atar uma rede na varanda
e embalar meus sonhos
lendo Quintana
e ouvindo Caetano.

Eu preciso de uma noite clara de domingo
para sentar na calçada
desenhar o mapa das estrelas
e jogar conversa fora com os vizinhos.

E depois dormir
feito criança
sem compromisso
para o dia seguinte.

Batendo palmas sob o travesseiro – Luiz Jorge Ferreira

Batendo palmas sob o travesseiro
Luiz Jorge Ferreira
…Apesar da distância entre nós
…as estrelas que se refletem nos cacos de espelhos …
Nos acenam com os olhos vermelhos, devem ter chorado mais que nós.
…devem ter lido nossas cartas, ouvido nossas falas, desenhado nossos sonhos, e sumido nossas vidas entre os dias de Ontem.
O menino que corre apagando suas próprias pegadas com desenhos de crianças…
Para mim que tenho lembranças vagas dessa estrada…parece ser o mesmo que brincava com o tempo quando Caetano cantou …
Parece ser o mesmo que eu desejei ser quando dentro o útero em que mamãe por nove meses me acolheu…nú…mudo…
ausente de tudo…mas ébrio de amor.
Semanas e meses cem vezes…
dancei abraçado ao angelical cordão umbilical.
Um dia avesso a partidas resolvi sair a esmo levando vida afora
…desesperadamente… vestigios do que fui…pensamentos e pelos e fios castanhos de cabelos,e que hoje tudo tanto se embranqueceu…
Descobri o chorar, e haja lágrimas…
Vou carregar essa água toda com as mãos em sede…e vou molhar as margens secas, dessa súplica que esgaça a solidão, que moribunda espalha boas novas como quem fala das auroras que viveu, ate que viesse a noite, essa que aprisionei e carrego comigo…enquanto sobre as lembranças que colecionei dentro da xicara em que tomo o café todas as manhãs…chove…chove.
Chove em mim…de fora…
Chove de mim… para fora de mim.
Tanta água, que se assemelha a sede.

Véspera – Alcy Araújo

VÉSPERA
Alcy Araújo

É tempo de esperanças…

Do céu descem os cânticos dos anjos e da terra sobem as canções dos pastores. Os campos vestem a alva pureza dos lírios.

O céu é mais azul e uma imensa luz chega no coração dos homens de boa vontade.

No vento soprando, na canção dos que vem do mar, na luz da tarde, no silêncio das florestas, no sorriso das crianças, no cansaço dos peregrinos, em toda parte há um anúncio de paz.

De longe vem a mensagem de amor que desliza no ar iluminado, que escorre no fio das águas das fontes, que está no murmúrio dos regatos, que desce nos prateados raios da estrela dos pastores.

Nas lágrimas das mães, no pranto dos órfãos, na poeira dos caminhos, em tudo está a harmonia celestial.

Ajoelhemos nossas almas no altar da humildade, porque este momento é um momento de Amor. Cristo vai nascer. É véspera de Natal.

(Do livro “Tempo de Esperança”, do poeta e jornalista Alcy Araújo, meu pai)

Perguntas a Papai Noel

Perguntas a Papai Noel
Arthur Nery Marinho

Quando em criança o sapato
que tinha pus à janela
lhe esperando. Noutro dia
nem sapato e nem chinela.

Quando em rapaz lhe pedi
para me dar meu amor.
Aqui estou sozinho e triste
fazendo versos de dor.

Que lhe fiz, que não me olha?
que lhe fiz, que não me escuta?
Responda, Papai Noel!
Papai Noel filho da puta!

(Do livro “Sermão de Mágoas”, 1993 – Jornalista, poeta e músico, Arthur Nery Marinho nasceu em 27/09/1923 em Chaves-PA. Veio para o Amapá em 1946 e aqui faleceu em 24/03/2003)

Convite – Belo poema de Luiz Jorge

Convite
Luiz Jorge Ferreira
Hospede-se em mim,
venha uma tarde destas atoa,
traga um sorriso aberto a boca,
e pronuncie palavras quaisquer.
Decore um trecho de Canções do Chico, em que o amor não merece castigo,
e se assente onde achar que deve,
fique até que se despenque a tarde,
pode ficar muito mais depois desta tarde que a gente junto imaginou.
e se você me perguntar…me vou?
eu lhe direi…se fique
Pois retornar é infinitamente mais difícil.

Belíssima crônica natalina de Alcy Araújo

ESTRELA NO CÉU
Alcy Araújo Cavalcante (1924-1989)

Olho para o Oriente e vejo, além da minha compreensão, uma estrela no céu. Não é a minha estrela da guarda. É uma estrela diferente, no brilho e na cor. Querem me convencer que é um cometa. Não acredito. Descubro que tem vida e transporta uma mensagem de fé, de esperança e de concórdia.

Posso ouvir sua voz no silêncio da noite e sinto seu perfume e a sua música. Apesar de ser assim não fico assombrado. Não tenho nenhum medo dos meus medos cotidianos. Sinto que a estrela fala comigo e diz: “Segue a minha luz”  e estendo os braços em direção à cidade de Belém.

Alguma coisa muito bela vai acontecer na cidade, porque a estrela tem música e o céu está perfumado nestas noites claras em que os anjos passam apressados no azul. E o azul é mais azul e a luz é mais luz. Deve ser tempo de nascer esperança.

Também é muito estranha a passagem daquela caravana de Reis Magos. Eles são de tribos diferentes. Um tem a pele cor de ébano. O outro tem a pele curtida pelo sol do deserto. E há um terceiro, de cabelos dourados e pela branca como a neve das estepes. Não sei onde os seus caminhos se encontraram. Mas eles vão juntos e olham para a estrela. Sinto que estão fascinados. Isto diz que vai acontecer uma coisa muito importante no mundo. E eu não tenho nenhum medo.

Deve ser uma coisa muito linda, tanto que meu coração sente uma imensa alegria. Acho que vai nascer um menino na cidade de Belém. Mesmo porque as flores estão sorrindo e quando as flores sorriem é porque vai nascer uma criança.

Este negócio de anjos passando também é muito significativo.

Meu coração se apercebe que uma grande luz se aproxima do mundo e que a escuridão enorme dos nossos pecados pode ser dissipada.

Há mais uma coisa. Olho para Roma e vejo que os deuses fitam-se com admiração e assombro e sei que está chegando uma nova era. Esses reis passando, essa estrela diferente, essa música vinda dos céus, esses anjos … tudo é muito concludente.

Na certa vai nascer uma criança na cidade de Belém da Judéia e haverá paz aos homens de boa vontade.

Um poema de Jadson Porto

FAROL
Jadson Porto

Farol, farol…
Antes de orientar
Suporta, resiste
Imóvel, insiste.

Lá vem as ondas
Em movimentos intensos
Ora impetuosos, densos
Imóvel, persiste.

Chegam também os ventos
Impetuosos combatentes
Invisíveis e persistentes
Imóvel, resiste.

Anoitece!
É hora de orientar
Com ondas e ventos a enfrentar
Imóvel, aviste.