Conselho de Cultura

Governador Pedro Paulo Dias empossa hoje, às 11 horas no Palácio do Setentrião, os novos membros titulares do Conselho Estadual de Cultura. Entre eles os poetas Ricardo Pontes e Osvaldo Simões (foto).
Os dois serão os representantes da Literatura no Conselho. Eles fazem parte da diretoria do Clube dos Poetas e do Grupo Uni-verso.

Chá das cinco

NUNCA
Alinne Petrina

Eu sinto o gosto da boca
Que eu nunca beijei
Eu sinto o calor do abraço
Que eu nunca dei
Eu sinto o cheiro do perfume
Que eu nunca cheirei
Eu sinto saudades do encontro
Que eu nunca marquei
Eu vejo o sorriso
Que eu nunca apreciei
Mas eu vejo os olhos atentos
Que sempre me olharam
As mãos que nunca me tocaram
E as palavras que secavam
As minhas lágrimas
Que ainda caem por nunca te ter
Sim, amar é sofrer
Como eu posso ser feliz
Se eu não posso ter você?
É “possível” que o tempo
Acalme esse sentimento
Que brada em meu coração
E ainda que o tempo
Leve as lembranças do teu olhar…
Eu nunca…
Nunca, mesmo
Deixarei de te amar…

Chá das cinco

O TEMPO
Alinne Petrina

Que ao passar, o tempo leve com ele
A mágoa da dor sentida,
As reclamações, os problemas da vida
O rancor, a ignorância,
E a falta de tolerância

Que passe, mas
Que deixe em nosso coração
Um viver cheio de satisfação
E a esperança em esperar
Que a melhor hora da vida há de chegar

Que o tempo passe sim, mas que
Deixe saudade
Da tão sonhada liberdade,
Da doce doçura,
Do amor de outrora
Cheio de ternura!

Chá das cinco

Rosa sangrando
Alcy Araújo

A rosa sangrava
como um poeta.
Uma rosa atropelada
por passos apressados
de operários na calçada.
A rosa sangrava
defronte do anúncio luminoso
amenizado pela luz da manhã
que nascia do mar.
Era uma rosa rubra
sangrando
sem jardim
sem mão mulher
sem os cabelos de Izaura.
Nunca mais esqueci
aquela rosa sangrando
como um poeta bêbado
despetalado na calçada.
(Do livro “Jardim Clonal”

Chá das cinco

GATOS EM AZUL
Isnard Lima

Há uma decoração estranha
no bar em que bebo:
Onze gatos
Mostrando o pulo azul
De um
Ágil Gato Azul
Tu pulas
Inexistente
Diferente
Azul
Fazes pensar
Que no meu bar
Há um estranho
Mais do que estranho
Que um estranho
Dentro do bar

Poeta, escritor, advogado e boêmio, Isnard Brandão Lima Filho, meu compadre, nasceu em Manaus em 1º de novembro de 1941 e veio para Macapá em 1949. Publicou dois livros: Rosas para a Madrugada (poemas, 1968) e Malabar Azul (crônicas, 1995). Morreu em 11 de julho de 2002 deixando inacabado um livro de memórias e pronta para a publicação a coletânea poética Seiva da Energia Radiante.

Chá das cinco

ANÚNCIO
Álvaro da Cunha

Eu estou sonhando com um regaço de virgem,
onde eu ponha a cabeça
e adormeça
quando este mundo se despedaçar.
Será que este quebranto no meu corpo
não é cansaço,
mas um pretexto para repousar?

– A vida é triste, o mundo é triste,
o amor é triste.
Quem me censura o ato de sonhar?

(Ainda posso encontrar o meu desejo
sem arredar um pé deste lugar)

E vou escrever anúncios no jornal:

“Poeta, em Macapá,
está precisando de um regaço de virgem
onde ponha a cabeça
e adormeça
quando este mundo se despedaçar”.
(Extraído da Antologia Modernos Poetas do Amapá – Macapá-AP, 1960)

Uma crônica de Ademir

Amigos, amigos; eleições à parte…
Ademir Pedrosa

O sujeito resolveu fazer uma caçada.
– Vai caçar o quê? – perguntou o amigo.
– Onça – respondeu o sujeito.
– Acho perigoso. Onça é bicho arisco, muito traiçoeiro…
– Mas vou prevenido, bem armado – ponderou o sujeito.
– Ainda assim é arriscado. Vai que a arma falhe na hora h?
– Bom, nesse caso eu uso a outra arma…
– E se a outra também negar fogo?
– Eu corro, ora essa…
– E se a onça correr atrás de ti?
– Eu subo numa árvore.
– E se a onça subir também na árvore?
– Eu… Espera! Escuta aqui, tu és meu amigo ou amigo da onça?…

Assim nasceu o amigo-da-onça, que está sempre do lado oposto para criar dificuldades. A revista O Cruzeiro, leitor – que é bem mais antiga do que é da sua conta –, trazia sempre em sua última página uma historinha dessa figura lendária, que retrata a relação capciosa entre amigos.

A expressão “do tempo do ronca”, é a mesma que “do tempo do Onça”, com maiúscula que era a alcunha de um antigo governado do Rio de Janeiro (1725), chamado Luís Vahia Monteiro, sujeito temperamental e conflitante, deram-lhe o cognome por motivos óbvios, e que hoje significa velhos tempos, tempos idos.

A jornalista Alcinéa, aqui e ali está sempre desafiando o leitor para identificar coisas do passado. Uma vitrola, um rádio a válvula, um pingüim de geladeira, ou uma foto em preto e branco dos primórdios de sua infância. Uma atividade lúdica de Juracy Park, bem mais arredada do que nos tempos da brilhantina.

E agora ela traz à baila a figura do amigo-da-onça, do mesmo período em que a jornalista desfilava como baliza na Avenida FAB, na Semana da Pátria. Baliza também tem cheiro de naftalina, é ou não é? Pois é, antiguidade é posto, e a Alcinéa está autorizada a relembrar de coisas do tempo do Onça.

O Professor Munhoz, disse-me certa vez que de quando em quando recorre à memória da Alcinéa para lembrar-se de coisas que lhe escapam da lembrança exígua. Coisas que a cortina do passado lhe arrefeceram da memória.

Outro dia o Prof. Munhoz quis lembrar-se do nome de batismo do saudoso 91. A Alcinéa entregou de bate-pronto: Expedito da Cunha Ferro. Mas assim também é fácil, disseram-me que ela fora colega do 91 no GM – Ginásio de Macapá.

Prof. Munhoz costumava fantasiar-se de Pierrô para brincar, nas antigas batalhas de confetes, o carnaval. Havia uma marchinha de carnaval que o Pierrô gostava de cantar – Bafo da Onça –, mas esquecera a letra. Ligou para Alcinéa. Sua âncora de memória não só lhe deu a letra na íntegra como cantarolou um trecho da marchinha: “Nessa onda que vou/Olha onda Iaiá/É o Bafo da Onça/Que acabou de chegar”.

Do outro lado da linha, o antigo carnavalesco não pôde conter a saudade, e premeu os olhos de emoção. Havia muito que não sentia algo semelhante. A Alcinéa conseguiu arrancar do velho Pierrô uma lágrima de ternura…

Qual era mesmo o assunto? Ah, o amigo-da-onça… Personagem caricata, com ar enigmático e taciturno sempre à espreita, disposto aprontar alguma. Curioso é que todos têm um amigo-da-onça; e ninguém se considera como tal, quando a verdade eventualmente pode ser recíproca. Quem garante que “você” não é suspeito de ser o amigo-da-onça?

A Alcinéa, por exemplo, nutre simpatia velada pelo PSB. E aqui e ali faz declarações de fogo-amigo, uma saia-justa capaz de ruborizar os mais autênticos socialistas. A união do PSB e PT é vista por ela com desconfiança. E acha que em política eleitoral até jabuti sobe em açaizeiro. É bem capaz.

O PSB reatar a união com o PT eu acho perfeitamente plausível. Ambos têm seus DNA parecidos, é sangue bom. Agora, o que me parece verdadeiramente bizarro é José Sarney e Lucas Barreto darem apoio a Dilma Rousself; e, paradoxalmente, a Dalvinha do PT andar de chamego com os Herodes da vida.

A candidata do Lula à presidência não é tida como subversiva? Há panfletagem por aí que diz que ela é ex-assaltante de Banco, seqüestradora, terrorista e outras cositas mas. Naquele período da ditadura militar, Dilma conspirava contra o regime discricionário – aplausos! Lucas e Sarney de mãos dadas com uma subversiva? Eu já vi até enterro de anão…

A ficha do SNI sobre Dilma só fez crescer em mim a simpatia que sinto por ela. Meu candidato era o Ciro Gomes do PSB, e como sou fidedigno ao partido, sigo sua diretriz, e agora Dilma Rousself é minha candidata desde pequenininho, especialmente porque eu adoro votar em subversivos.

Pois é, o amigo-da-onça… Amigos assim é que nem cu, todo o mundo tem um. Cada um defende encarniçadamente o seu. Se o problema é de hermenêutica, convém não titubear: cada um cuida do seu. Sed Lex, dura Lex…

O amigo-da-onça caiu de moda. Diante da canalhice reinante, ficou démodé. Teríamos que fundar uma associação, tipo: Associação dos Amigos do Amigo-da-onça, cuja sigla é AAA (não confundir com os alcoólicos anônimos), que nem KKK, AMCAP, UECSA, associações afins, de mui amigo.
E para coroar a trairagem, um soneto de Augusto dos Anjos,
Versos Íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo.
Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Homenagem ao Poeta

A Confraria Tucuju vai homenagear, no sarau de sexta-feira,30, o poeta Arthur Nery Marinho (1923-2003).
Uma homenagem justíssima a este poeta, músico, jornalista e desportista que nasceu em Chaves (PA) mas aos 23 anos de idade veio para o Amapá e nunca mais saiu daqui. Cantou, tocou e escreveu as coisas desta terra como se fosse a sua terra natal.
Compadre de meus pais, Arthur Nery Marinho frequentava muito nossa casa. Lembro-me que quando eu era criança eu ficava boaquiaberta ouvido-o declamar suas poesias para minha vó Elvira Araújo.
Nossa casa tinha uma grande varanda, onde minha vó, paralítica, passava a maior parte do dia em sua cadeira de rodas rezando, cerzindo, lendo, fazendo crochê… o poeta chegava, cumprimentava-a e começava a declamar (outro que costuma fazer isso era o Cordeiro Gomes, mas em outro post eu conto). Eu corria para ouvi-lo e a poesia que eu mais gostava era Auto-Retrato, que está publicada no livro Sermão de Mágoas. Ele dava tanta vida ao poema que eu, na inocência da infância, jurava que ele tinha o corpo todo marcado de cicatrizes.
Uma das imagens que ficaram gravadas na minha retina é o poeta levantando a barra da calça ao dizer o verso “E por toda parte a perna cortada.” Eu arregalava os olhos na tentaviva de ver os golpes em sua perna e morria de pena dele. “Isso deve doer muito”, eu pensava.
Só na adolescência fui entender o Auto-Retrato do poeta.

Cresci, fiquei adulta,  meus pais se separaram, morreram e meu contato com o poeta foi rareando. Mas nas poucas vezes que nos encontramos após a morte de meu pai sentia o enorme carinho que ele tinha por mim e isso me fazia muito feliz.

Poucas vezes estive na casa dele. Era uma casinha tão aconchegante, na rua mais tranquila do bairro Jacaré-acanga, bem na frente de uma pracinha. Pensava com meus botões: todo poeta deveria morar num lugar assim, onde há paz, verde, crianças jogando bola, gente enamorada e canto de passarinhos. Uma das vezes que estive lá foi para convidá-lo a sair na escola de samba Unidos do Buritizal, em 1992, cujo enredo era “Alcy Araújo – o poeta do cais”. Fazia pouco tempo que Arthur tinha passado por uma delicada cirurgia na cabeça. Mas mesmo assim ele topou. Enfrentou o desafio de ir para a avenida, sambar em homenagem ao compadre, na comissão de frente da escola que estreava no carnaval. E estreou em alto estilo: foi a vice-campeã.

Outras vezes encontrei com ele embaixo da mangueira da Sead. Ele costumava dar uma paradinha ali quando ia falar com os secretários de Estado em busca de apoio para a publicação do livro “Sermão de Mágoa”. E foi ali, embaixo daquela mangueira, numa manhã de sol bochechudo e céu azulzinho de 1993, que ele me deu a boa notícia: finalmente Sermão de Mágoa ia ser publicado. Já estava no prelo. Vibrei. E foi também embaixo da mangueira que ele me deu um exemplar do livro tão logo saiu da gráfica, antes do lançamento.

O poeta Arthur Nery Marinho faz parte da primeira geração dos modernos poetas do Amapá.
Nascido em Chaves (PA), em 27 de setembro de 1923, veio para o Amapá em 1946. Ao lado de Alcy Araújo Cavalcante, Álvaro da Cunha, Aluízio Cunha e Ivo Torres, Arthur desenvolveu importantes projetos culturais.
Está na Antologia Modernos Poetas do Amapá, na enciclopédia Brasil e Brasileiros de Hoje, na Grande Enciclopédia da Amazônia e na Coletânea Amapaense de Poesia e Crônica.
Foi vice-presidente da Sociedade Artística de Macapá, diretor do Jornal Amapá, presidente da Federação Amapaense de Desportos (hoje FAF) e sócio-fundador da Sociedade Esportiva e Recreativa São José e do Grêmio Literário e Cívico Ruy Barbosa.
Em 1993 publicou o livro de poesias “Sermão de Mágoa”. Morreu em 24 de março de 2003 e alguns meses após sua morte a Associação Amapaense de Escritores fez o lançamento do livro de poemas e trovas “Cantigas do Meu Retiro”.

O Sarau será no Sesc Centro (Av. Padre Júlio Maria Lombaerd, esquina com a rua General Rondon), a partir das 20h. Além da homenagem ao poeta haverá show da banda Afrobrasil, exposição dos artistas plásticos Wagner Ribeiro e Miguel Arcanjo, comercialização de artesanato, obras literárias, CDs e DVDs de artistas regionais.

Um poema de Arthur

Paisagem amazônica

Para escrever
meu revoltado verso,
jamais dei a volta ao mundo,
meu Senhor!

Vim pelas margens dos igarapés,
onde o sorriso
é doentio e triste
e a ignorância há séculos persiste
e é pálida
e mirrada a própria flor.

Mais poemas de Arthur Nery Marinho aqui, aqui, aqui e aqui.