Memória – Sapiranga no Marabaixo

Marabaixo na Favela e a Festa dos Inocentes*
Milton Sapiranga Barbosa

Durante o ciclo  do Marabaixo, que no meu tempo de criança era realizado na casa da  dona Gertrudes, um  dia  era reservado para a garotada se divertir  denominado de  festa dos inocentes, realizada no segundo domingo de maio, Dia das Mães. Naquela  época, de muito respeito,  criança não se metia na dança  dos adultos, como hoje é tão comum. A meninada podia ficar piruando, mas bem sentadinha nos bancos que  circundavam  o salão da casa da Tia Gertrudes com tio Caba Branca, seu esposo.

A Festa dos Inocentes tinha  três  acontecimentos  ansiosamente esperados e festejados  pelos garotos e garotas do  bairro: o  primeiro, era quando os batuqueiros aceleravam  os toques nas caixas, sinal   para se jogar capoeira, sem técnica nenhuma, é claro, mas era tanta pernada e rabo de arraia, que era bonito de  se ver.  Quando um moleque ia ao chão, era vaiado  e o  que aplicara o golpe, era muito festejado, principalmente pelos pais. Os campeões  na virada  das caixas, até por  herança genética, eram: Venturoso ( filho do seu Vadoca  com dona Natalina)  e o Raimundo Calango Sêco ( filho do sr. Zeca Costa  com  Dona Mundica), é mole. O segundo e melhor  momento da festa era o almoço, servido  sempre que  o relógio marcava 12 horas. Ninguém ficava sem comer. Era tanta comida, que sobrava, e a dona Gertrudes  dava para as mães levarem para suas casas. A terceira parte, a mais engraçada,  ocorria durante uma representação teatral, feita por  um menino e uma menina escolhidos dias antes da festa do Marabaixo começar. Numa dessas apresentações, o Arideu, filho da dona Margarida fez uma encenação com a Isabel, filha caçula de dona Gertrudes; o Arideu, todo pomposo chegava  e dizia para Isabel, sua pretendida na peça: “ bela minhá menina, o que tu me achas?”  e a Isabel, para gargalhada geral dos presentes respondia: “Olha a cara dele, até parece uma bolacha”. Meu amigo e vizinho Arideu sofreu muito nas mãos dos moleques da Favela, mas daquele dia em diante, quando chegava outro ano e o Ciclo do Marabaixo iria começar, ele  passava longe da casa da Tia Gertrudes, temendo ser outra vez  escolhido como ator principal da peça.
O Marabaixo e  a Festa dos Inocentes são   boas  lembranças da minha infância feliz vivida no meu querido bairro da Favela.

*Texto publicado originalmente neste blog em 16 de abril de 2010

Crônica do Sapiranga

Dia primeirio de junho, eu não respeito senhor!
Milton Sapiranga Barbosa

Neste primeiro de junho, como de costume, mesmo estando de férias, acordei as 6 da manhã.
Após agradecer a Deus pelo ótimo sono e por ver nascer mais um novo dia, assisti, no canal 96 da Via Embratel, as peripécias da dupla Tom e Jerry. A eterna briga do gato com o rato.
Durante o primeiro intervalo do desenho animado, percebi que Macapá estava silenciosa, muito silenciosa. Não se ouvia pipocar de fogos e nem a salva de tiros disparados pelos canhões da Fortaleza de São José de Macapá, acordando a cidade e homenageando o primeiro governador do Território Federal do Amapá, Janary Gentil Nunes, cujo aniversário é comemorado no primeiro dia do mês da quadra junina no Brasil.
Aí bateu uma tremenda saudade da Macapá de antigamente. Lembro que naquele tempo, o primeiro de junho, era repleto de comemorações, que iniciavam ao romper da aurora e varavam noite a dentro. Tinha churrasco, torneios de futebol, natação, festa na piscina territorial e em diversas sedes de clubes locais. Tinha marabaixo na casa da dona Gertrudes e do Mestre Julião Ramos. Todos prestando homenagem ao Governador do Amapá, inclusive imortalizado por Mestre Ladislau na cantoria que dizia: “Pra onde tu vás rapaz, por este caminho sozinho.? Vou fazer minha morada, lá prós campos do Laguinho” / Dia primeiro de junho, eu não respeito senhor, eu saio gritando vivas, ao nosso Governador” e por aí vai.
Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, gostou e gravou os versos de “Ladrão” de Ladislau.
Ao sentir que se aproxima a quadra junina, lembrei também das noitadas de festejos de Santo Antonio (13), São João (24), São Pedro (29) e São Marçal (se dizia São Marçá) no dia 30, encerrando as festividades da quadra junina.
Me vi outra vez, junto com meus amigos de infância, entre eles, Moacir, Pilão, Arideu, Dodoca, Zé Rodinha, Deodato, Mucura, Boquinha e tantos outros, percorrendo ruas e avenidas da Favela, em desabalada carreira para poder ter impulso e pular as fogueiras que eram acesas em frente de cada residência do bairro. Os adultos, sempre que percebiam que íamos pular, nos avisavam que era perigoso, que alguém podia se ferir. E eles tinham razão. Mas sabe como é moleque, não tem noção do perigo. Muitas vezes alguém errava o pulo, batia numa haste de lenha e ia ao chão, arranhando joelhos, mãos, cotovelos e alguns até ficavam com a cara esfolada. Era bonito de se ver o bairro iluminado por fogueiras armadas nos mais diversos tamanhos e com todo tipo de madeira disponível.
A minha querida mãezinha, preferia fazer a fogueira em frente de casa com galhos de muricizeiro, pois depois que a sirene da Usina de Força e Luz apitava avisando que eram 21 horas, ela apagava e no outro dia aproveitava o carvão para colocar no ferro de engomar (passar roupa) e os pedaços que não tinham sidos queimado totalmente, ela usava para cozinhar o feijão do dia a dia (até hoje não sei porque, o feijão cozido no fogão a lenha tem um sabor diferente, do cozido no fogão a gás. Será pelo cheiro da fumaça que entranha no caldo?. Ah, essa modernidade).
As vésperas e nos dias que os santos Antonio, João e Pedro são homenageados, nós saíamos pulando fogueiras até as existentes em bairros adjacentes (como Trem e Bairro Alto) por exemplo, mas no dia 30, nós nos aquietávamos. É que São Marçal é homenageado com fogueiras feitas de paneiros, muitos paneiros, que provocam altíssimas labaredas e aí sim, pular era por demais perigoso e só então acatávamos os conselhos dos mais velhos.
Puxa, como era bom naquele tempo. Ir de casa em casa e se deliciar com cuiadas e cuiadas de mingau de vários sabores, mas o preferido, não tenho dúvidas, era o de milho branco. Comer canjica, milho assado, milho cozido, tacacá, aluá e outras iguarias da época, era uma delícia só.
Naquele tempo o vizinho fazia questão da presença das comadres e compadres, muitos só de fogueira, naquela de: “Santo Antonio disse, São João confirmou, que o Milton há de ser meu afilhado, que Jesus Cristo mandou”. E não é, que mesmo sem ser abençoado por um padre, valia, se respeitava e tomava-se benção, sempre que se encontrava um padrinho ou madrinha de fogueira?.
As mulheres passavam fogueira e se travam de “ Meu Botão”, “ Minha Rosa”, “ Minha Flôr”, “Minha Boneca”, e depois só se tratavam por esses nomes, por toda a vida, sempre que se encontravam.
E as apresentações dos Bois Bumbás, com seus caçadores , índios, pagés, catirinas, etc, etc?. Tinham também exibições de cordões, sendo que o mais famoso deles foi o cordão do Uirapuru, na minha opinião, mas na verdade, todos eram bacanas de se assistir .
Meus olhos estão nublados por lágrimas saudosas que teimam em rolar face abaixo, não me deixando mais continuar minha viagem pela romântica, festiva, segura e bela Macapá de antigamente. Saudade, muita saudade dos bons tempos vividos, principalmente, na minha querida Favela.

(Essa crônica foi publicada pela primeira aqui no blog no dia 1 de junho de 2011)

Seu Rocha, Bamba e o jutaizeiro

Seu Rocha, Bamba e o jutaizeiro
Milton Sapiranga Barbosa

A quadra onde hoje  estão situados  os prédios do Conservatório Aamapaense de Música, da Receita Federal, da Justiça do Trabalho e da operadora de telefonia Oi, era área pertencente a Panair do Brasil, que depois  passou a ser  Viação Aérea   Cruzeiro do Sul. A parte da frente se estendia até  as imediações  onde hoje está o prédio da Camâra de Vereadores  e  os fundos iam  até o muro da escola Princesa Isabel.

O terreno da Panair, além das torres, depósitos  e  oficinas,  era cheio de  árvores  frutíferas, umas plantadas pelo seu Rocha, que morava com a família numa residência da companhia, outras eram nativas, como mameira, tucumanzeiro, mucajazeiro e um imenso jutaizeiro, que quando estava carregado de frutos,  era a árvore mais procurada pelos moleques. Era sair da aula ou  da pelada,  íamos   apanhar jutaí,  subindo na árvore, jogando pau ou  usando  uma baladeira. Seu Rocha, que não gostava  que entrássemos no terreno,  costumava usar uma espingarda com cartuchos carregados de sal para espantar a molecada, mas nunca feriu ninguém. Era ele aparecer de espingarda em punho que a turma se mandava. Num belo dia (toda história tem sempre tem um belo dia),  estávamos lá apanhando jutaí e o Bamba, um  moleque corajoso e ágil para subir  em árvores, foi  até as grimpas do jutaizeiro, pois lá estavam os maiores e mais maduros frutos. Tava lá o Bamba enchendo o macacão escolar de jutaí, quando de repente surgiu  o velho Rocha que, astutamente, havia se escondido antes da chegada da turma. Os que estavam  embaixo, atirando pau  ou balando jutaí, conseguiram fugir, mas o Bamba, pobre Bamba,  ficou lá em cima, sem poder descer, pois um   homem  armado,  de cara amarrada,  dava  plantão embaixo da árvore.

Os que fugiram ficaram de longe observando a cena: seu Rocha apontou a espingarda  no rumo  do  invasor e disse: “muleque, agora tu  vais  morrer!” Pra que? O Bamba  desatou a chorar e no auge  do desespero, disse, chorando de dar dó: “pelo amor de Deus, seu Rocha, deixe ao menos eu ir em casa tomar bênção da mamãe, depois eu volto para o senhor me matar”.

A molecada do lado de fora da cerca ria as gargalhadas. Seu Rocha, também não aguentou, deu um  largo sorriso  e mandou o Bamba descer, antes prometendo não fazer nada com ele. O Bamba desceu. Seu Rocha, ainda sorrindo mandou-o  embora, não sem antes dar-lhe  um leve pescoção. O Bamba, depois  do susto, sumiu ladeira abaixo e só parou quando chegou em casa.

Apanhar jutaí, para o nego Bamba nunca  mais.  Panair, seu Rocha, o Bamba  e o jutaizeiro, são boas lembranças da minha infância feliz, vivida no meu querido bairro da Favela.

Crônica do Sapiranga

HOJE É TÃO   DIFERENTE!
Milton Sapiranga Barbosa

O  que é  que está  acontecendo com  as  crianças de hoje?
Que mundo  é  esse  que  vivemos  hoje onde  as  crianças não podem mais  ser  crianças?

Me  fiz  estas perguntas na manhã  ontem,  dia  25/12/12, e não encontrei resposta que pudesse explicar com  exatidão o que  esta  havendo com elas. Aliás que já  vinha notando, há tempos, que  as  crianças de hoje  não brincam  como  as  crianças dos  anos 40,50, 60 e 70. 
No  dia 25 de dezembro, no meu tempo de moleque, assim  que  acordava, olhava logo para  debaixo da rede para  ver o que Papai Noel  tinha deixado em  cima  do tamanco, da bota  escolar ou no sapato durabel. Fosse  uma  bola  de sernambi ou um  pião de lata  aquele que tinha uma haste   em forma de  espiral, que se pressionava para baixo  e em seguida solta e ele  saia rodando e  só parava quando a haste voltava a sua posição inicial) Lembram? Podia também ser um carrinho de madeira  ou de plástico, um tamborzinho.
Fosse qual  fosse o brinquedo deixado pelo bom velinho, a  alegria  era imensa e nem  bem raiava o  dia, eu e meus amigos, Duca, Arideu, Torquato, Clávio, Joaquim, Percival, Monte, Zé Homero, Dedé, Pilão  e outros tantos. Era  bonito  ver  a meninada correndo  para mostrar  o  brinquedo para  o amigo  de  travessura do bairro da Favela. 
As  meninas   saiam com suas  bonecas,  dos  mais  variados tamanhos  e modelos  e, juntas   com suas  colegas,  inventavam mil e uma  brincadeiras.
O menino  que  ganhava uma  bola, ficava todo “pavulagem”, pois  mesmo  que  não fosse  craque , tinham  vaga  garantida  na  pelada e ainda se dava ao luxo  de escolher os melhores peladeiros  para seu   time. Afinal  era  o  dono da  bola, ou ele jogava ou  então não dava a bola.
Hoje não, hoje é  tão  diferente! As  crianças ficam trancadas dentro  de  seus  quartos,  com ar condicionado,  jogando  vídeo games ou  conectados , acessando as redes sociais  que  abundam  na  internet, longe  uma das  outras.
Que  chato!
Po rque  as  crianças de hoje  não podem ou  não  querem  brincar   como crianças?  Por que    não brincam mais de peteca, de pião, de pira, de ioiô, não jogam bola (não digo na  rua ou avenida, pois  tem muito carro trafegando  por  elas) , mas como  tem praça espalhada  pela  cidade, onde eles poderiam jogar tranquilamente? Brincar  ao   ar livre  em vez  de jogar vídeo game dentro de um quarto, é muito mais sadio.
Meninada  de hoje, não  fique  dentro de casa  quando   estiver chovendo, é  tão gostoso brincar  na chuva, tanto que  até hoje, um  amigo  meu, o Amadeu, que já  tem até netos e já passou  dos 50 anos, é  só  chover  que  ele  vai    para  o  meio da rua  tomar banho, lembrando do    tempo   que  morava  próximo  a  estação central da Caesa.  Quanto  mais grossa  melhor, diz  o Amadeu, com absoluta razão.
Esse  relato  foi  motivado, por  que na  terça  feira 25,  parado na  esquina  na  rua  Leopoldo Machado com Avenida Timbiras, olhei  para um  lado e para outro  e  não vi  um  menino  puxando um carrinho  amarrado com barbante, na  rua, jogando um pião, chutando uma bola. Não  vi uma  menina, toda prosa  com  sua  boneca  no   colo. O que vi,  foi  um  menino   brincando  com  os  patins  que ganharam de Papai Noel, mas esse  é um brinquedo perigoso, que  até  hoje  me arrependo de ter  atendido uma cartinha da minha  filha Elinne, que pediu para o papai  um  par de patins. Ganhou  e no  segundo dia que  treinava  se  equilibrar  sobre as  rodinhas, caiu e  quebrou  um braço. Não me perdoei até hoje. Depois  do acidente, presente de Natal só de fosse boneca Barbi, mas a pedido  dela.
Quero   deixar  aqui um  pedido. Pai, apesar das  modernidades   de hoje, internet, sala de bate papo, vídeo game,twitter, etc, etc, lembre-se das   brincadeiras  de   seu  tempo ou as  que  seu pai   lhe  contava que  fazia quando criança. Libere   seu  filho   para viver   como   criança. Garanto,  e muitos  vão  assinar embaixo,  que ele   será  muito  mais  sadio   e  feliz.
Bom ano  novo  a  todos, sempre.  

Crônica do Sapiranga

BLUE BLADE
Milton Sapiranga Barbosa

Um amigo  de longa data, num bate papo  informal,  sugeriu que eu fizesse crônicas sobre  temas  variados.  Disse-lhe de imediato que  não iria atender seu  pedido, pois sempre que me deparo com  alguma coisa, fato ou objeto, que  lembre de minha  infância feliz, vivida no querido bairro da Favela, as lembranças afloram.

Quando me lembro  da Macapá  de antigamente, quando se podia dormir com as janelas abertas, escorar  a porta com um “mucho”, e andava-se  a qualquer hora, do  dia ou da noite, sem perigo de ser atacado por algum  desocupado. Quando  a maioria da população era compadre  e comadre, e mais importante, se  respeitavam, não  tem  jeito, o  coração aperta e a viagem no  túnel  do tempo da memória é  inevitável.
Se não vejamos. Outro  dia, estava eu num  papo molhado com  amigos, quando de repente me aparece um  cidadão, com uma caixa de gilete nas  mãos, querendo trocar a dita cuja  por uma “bujudinha”, Caninha da Roça (água que passarinho não bebe).


Pronto, foi o bastante, viajei no tempo e entrei no templo da  saudade, como  vocês  lerão a seguir .
Na  época  de ouro  do rádio brasileiro, antes  de inventarem a televisão, internet e outras  geringonças eletrônicas, o rádio à  válvulas era o veículo que  o  povo brasileiro se servia para ouvir músicas  e se informar do que acontecia no Brasil  e no Mundo através dos noticiários.
Quem não se lembra do Repórter Esso (Rádio Nacional), na vibrante  voz  de Heron Domingues, que informava as mais importantes noticias do Brasil e do Mundo, como por exemplo: O Fim da  Segunda Guerra Mundial, a morte de  Getúlio Vargas, a  conquista do Brasil na Suécia, etc, etc… ?

Ao ver  aquele pacotinho de Gillette Blue  Blade, com a foto do seu inventor e seu impecável bigode, lembrei de alguns   famosos  gingles,  do  tempo  que publicidades  no  rádio eram  chamadas de “ reclames”. Quem  nasceu  na  década de 40, 50  e/ou 60, certamente  ainda  deve  se  lembrar de um  destes; Grapette, quem  bebe Grapette, repete; Pílulas de Vida  do Dr. Ross, fazem bem  ao  fígado de  todos  nós. Pequeninas, mas resolvem; e do Xarope São João: – Alô, quem  fala? r- É a tosse. – Aqui quem fala  é o Xarope São João! FUGIU Hein? – ~É  sempre  assim, falou São João, a tosse vai  embora na hora. E outro: do Leite em pó MOCOCA que  dizia; A vaquinha Mococa está  mugindo, muuuu. A vaquinha Mococa está dizendo: Beba leite  em pó Mococa.  do Talco  Ross: Passa , passa o  Talco Ross, quero ver passar. Passa, passa o Talco Ross  para refrescar: Tinha também: Pasta Dental Golgate, remove  todas  as cáries: Use Mitical que  acaba  com  as  coceiras- Melhoral, Melhoral, é melhor e não faz mal.  e do Flip Guaraná, ouvia-se um  barulho  de vidro se estilhaçando (presumidamente em copo caindo no chão), porque o locutor  dizia: Quebrou? Flip da outro!.Alguns  desses produtos anunciados na  época de ouro do rádio, deixaram de ser  fabricados, outros ainda  estão por  aí.  Lembrei  ainda  do sabonete Eucalol, que  trazia   figurinhas para colecionar.  Do Sabonete Lifeboy, Biscoitos  Aymoré,  Sabão em pó Rinso, Café  Moinho de Ouro, Sabonete Lever – o sabonete das  estrelas de Hollywood,-Alka Seltzer e outros e outros, que deixo para  que vocês também viajarem  no tempo.
Na  época de ouro do Rádio, as emissoras  mais  ouvidas  por  aqui, sintonizadas  em  rádios das marcas Phillips, Mullard, Transglobe e mais pra  frente o Motorádio,  eram: Prc-5, Rádio Clube do Pará: Mayrink Veiga, Tupy  e Rádio Globo.
Também  se ouvia muito A Voz da América e a Rádio Nacional. Na Mayrink  eu gostava de  ouvir  os  programas  humorísticos  como do  Edifício Balança, Balança, mais não cai   e a Turma da Maré Mansa,  que tinha o quadro O primo rico (Paulo Gracindo) e o primo pobre(Brandão Filho), não perdia um. Já  na  Tupy  e na Globo  eram   as  jornadas  esportivas, ainda mais  quando jogava  o  meio  querido  Fluminense.
E  foi  lembrando as  jornadas esportivas  que lembrei do principal  patrocinador do  futebol ;  a Gillette  Azul, que  era assim  decantada pelos  narradores  Waldir Amaral,  Jorge  Cury e outros menos  votados: O  tempo  passa  e a barba cresça e  aí  entrava  o  gingle que  dizia assim: ALEGRIA, ALEGRIA, FAÇA A BARBA TODO DIA  COM GILLETTE  AZUL:  ALEGRIA, ALEGRIA, FAÇA A BARBA TODO DIA COM GILLETTE MONO TEC (era um  aparelho  para  barbear (parecendo um T, em  que se  rodava em baixo  e abria  duas  abas em cima, onde era  colocada  a   Gillette).

Pois  é  meus amigos,  quando  vi o  pacotinho da Gillete  Blue Blade –  com   as  três  lâminas  de aço inoxidável , ainda  intactas, fui   envolvido por uma  áurea de saudade e não pude satisfazer  o  pedido  do  dileto  amigo. Afinal  de contas,  como disse  a   conceituada  jornalista paulista  Regiane  Ritter:  SÓ TEM  SAUDADE, QUEM  FOI   FELIZ. E  eu   fui feliz na minha  infância, na querida  Favela.

Crônica do Sapiranga

A bala da paz
Milton Sapiranga Barbosa

Eu, Milton Sapiranga Barbosa , neste ano de 2012 vou  completar   67 anos, Ela, neste mesmo ano  já chegou  aos 100 . Eu nasci para o bem. Ela para o mau. Suas irmãs, gêmeas, cumpriram a missão  para a qual foram criadas, infelizmente.

Elas feriram, mutilaram, mataram, pois  sempre estavam participando de conflitos, de guerras, de todo tipo de desordem da qual elas pudessem lesionar alguém.
Ela não. Apesar de sua estigma, nunca fez  uma vitima. Não  quis  ser  rotulada como um  artefato mortal. Se manteve no anonimato, em  silêncio, na sua, como se diz por aí.
Suas irmãs, não. Explodiram, desapareceram, mas  antes  mataram muita gente.

Por outro lado, ela, mesmo após  passado  cem  anos,  continua  intacta,  virgem.  Está fininha, brilhante, linda, mesmo  sem ter feito lipo   e sem ter  visitado  o  Ivo Pitanguy.

Sua tristeza  é saber  que  suas irmãs não  seguiram seu  exemplo, só queriam viver em guerras, destruindo vidas, deixando milhares  de famílias  chorando a morte de um ou mais ente querido, destruindo bens e mais bens, atingindo pessoas inocentes. Ela, certamente, chorou muito devido as ações  maldosas  de  suas irmãs. Ela, pura, sempre que os  soldados  iam   ao  paiol  municiar suas  armas, costumava dar um  jeito de escapulir dos dedos dos soldados, ficar  quieta, lá no fundo da caixa, rezando para não ser descoberta. E  assim  foi  se salvando de ir  para a frente de batalha, ferir, mutilar, matar pessoas  que ela nem  conhecia.

Por isso,   antes  de  partir  desta  para melhor,  vou  deixá-la   para  meus  herdeiros,  na  esperança  de que  daqui a  mais 100 ou 200  anos,  ela  possa  servir de  exemplo para quem   vive  sempre  guerreando, tirando vidas  de  pessoas  inocentes.
Que aprendam  que  viver  em paz  é uma benção  de Deus e se vive  muito mais e feliz. Ela  está  ainda entre nós  e vai  ficar ainda por muito tempo. Pois    sempre  foi  do bem.  Ela jamais  vai querer  explodir, ferir seu  guardião ou  gente  em volta dele.
Eis  ela  aí, A BALA  de um  fuzil  fabricada  em  1912, uma  BALA  da PAZ, pois nunca  foi  e nem  será  detonada.


P.S. Este pequeno  relato  foi  feito para  homenagear  as  pessoas  que completaram um  século de vida sem nunca terem feito mal  a  ninguém. Em  especial  ao  senhor Zacarias Teixeira Leite, que  sempre  foi um  exemplo para  seus  filhos e demais familiares, aos  seus amigos    e também para os  garotos  do  bairro da Favela, que sempre seguiram seus  conselhos, ensinamentos,  e o  respeitavam  como um pai, tanto   que  todos trilharam o caminho  do bem e seu ZACA  teve grande parcela  em nossas vidas.

Crônica do Sapiranga

CHOREI,  E MUITO !
Milton Sapiranga Barbosa

Depois que os  desfiles cívicos, pátrios  e carnavalescos foram transferidos  da Av. FAB para à  avenida Ivaldo Veras(Sambódromo), nunca mais  me  interessei em  ir  assistir  desfiles no  local acima  mencionado,  até que  neste  ano de  2011, não  pude  deixar de ir, por  dois motivos  que  julguei importantíssimos,  como  vocês  poderão  comprovar a  seguir.

Minha   filha  caçula, Elinne, quando  fui  visitá-la  no  sábado, 03/09,  me  fez um  convite muito  especial, pedindo  que  fosse assistir o desfile  do Pedro Caíque, seu  filho(  aquele moleque da crônica O filho da lavadeira e o neto indagador ). Lembram? De  imediato  prometi  que não ia  faltar. Primeiro, porque  naquele dia em  que ele  desfilaria, eu  estaria  de berço, completando 66 anos  de  vida,  e segundo, por que, sem dúvida,  veria  naquele  moleque, da terceira geração da Dona Alzira, um  pouco  de mim, já que  ele  carrega nas veias um de meu sangue. Não,  eu poderia  deixar  de  ver meu Neto desfilar  pela  primeira  vez  na  vida  e logo no dia  de meu  aniversário.

Na  quarta  feira, 07/09, às  06  da manhã  já  estava acordado. Depois  de rezar  e agradecer à Deus por  me  dar, até  então,  o  dobro  de   sua  idade,   tomei um reconfortante banho, vesti  uma  roupa  nos  trinques, bebi o café matinal , saindo  em seguida  pedalando  minha  bike   rumo  ao  sambódromo.
Como   o trajeto da casa  onde moro  até ao local do  desfile dista uns  mil  e quinhentos  metros aproximadamente, ou mais,  fui  relembrando, feliz,  como  pinto no lixo, dos  meus  tempos  de jardim de infância  até à  quinta  série, iniciado no  anexo  da Escola  Normal  e concluído  no Grupo Escolar Barão do Rio Branco.
Lembrei das  professoras  que  me  deram ensinamentos  e  alguns  cascudos, também. Como  foram diversas, não  cito nomes para não cometer injustiça.
Lembrei  com saudade da  “Turma  da Graxa”, pois  por  dois  anos, por  ser baixo  e magrinho, sempre ficava no  pelotão da “bagunça”,   já  que   na graxa não havia preocupação  com  o passo  certo. Bem  que tentávamos,  dando  aquele “pulinho”  para  acertar o  passo(assim pensávamos), com o  do  colega  que marchava ao lado  direito ou  na frente, mas as  vezes eles  também estavam marchando errado, e a coisa  ia  do jeito que  dava até o final  do desfile da escola.Mas o orgulho de  passar  em frente ao Palanque  Oficial era indescritível.
Recordei  da Turma do Bastão , da  Escola  Industrial,   comandada  pelo  saudoso professor, árbitro, atleta e  escoteiro, Expedito da  Cunha Ferro(91), que   com uma  varinha na mão direita, exigia muita  atenção  e disciplina  dos  “bonecos  de anil” por  ele  selecionados .
Quando a Turma do Bastão parava  em  frente  ao  palanque  e  começava a fazer  evoluções, com uma  precisão incrível, era  um  espetáculo  e os  aplausos  e  fogos  eram  ensurdecedores.

De  repente, ainda envolto nessas  gostosas  lembranças de  meu  tempo de primário, cheguei  na Ivaldo Veras, acho  que uns  10  minutos  antes de começar  o  desfile de  7  de setembro. As  dependências  do  sambódromo já  estavam lotadas. E  agora? Como  iria ver meu  neto passar garboso pela  avenida. Felizmente, liberado por  uma  policial  militar, consegui lugar  em uma  das  cabines  que  abrigam os  jurados nos   desfiles carnavalescos. Lá, daquele  lugar privilegiado, fiquei  atendo, assistindo  o passar dos membros da Polícia Militar, um pelotão da Legião Estrangeira, e  os  alunos das diversas  escolas  de Macapá  e  dos  meus  olhos   começaram a  cair  gotas e mais  gotas  de lágrimas .
Como  tinha  gente  ao  redor, de vez  enquanto  eu ia  até  a escada enxugar lágrimas  saudosas  que  teimavam em cair devido a forte emoção que  tocava meu  coração, por  lembrar da minha  infância  feliz.
De  repente,   lá  vem o  pelotão da Polícia Ambiental e dentro  de um carro  patrulha,  envergando  o  uniforme da  companhia, no posto  de  Tenente, era  meu  netinho Pedro Caíque  Barbosa Baía.
Outra  vez  voltei no  tempo. Ao  vê-lo,  comodamente sentado naquela   viatura, foi  então  que  chorei pra valer,  ao lembrar,  do  dia  em que  cheguei  atrasado para receber o  material que  o governador Janary Nunes mandava  distribuir para os alunos da época (macacão   e botas). Quando  chegou a minha vez, o macacão  estava na medida  certa, mas as botas estavam  dois números acima  do que   eu  calçava, 38 em vez  de  36. Mas  quem disse  que  recusei? Eu não  ficaria sem  desfilar  de forma alguma.
No  dia  7, bem cedo, coloquei uns  pedaços  de  papéis nos  bicos  das botas,  calcei duas meias  de  jogador  do  meu  cunhado justo (grande  zagueiro  do Amapá Clube) e mais  a meia da  escola e  fui  todo  contente  para  a avenida  FAB.
Minha  escola Barão do Rio Branco, foi a  quarta  a desfilar, pegando já um  forte  sol  pela  frente. Quando passamos  em frente  ao palanque, ao  olhar  pra  direita, avistei  minha  mãe Alzira e minha irmã Mariazinha batendo  palmas e ostentando largos  sorrisos  em  seus  rostos.
Elas, eu tinha  certeza,  estavam aplaudindo orgulhosas   aquele  moleque  magrela, que  mesmo  com enorme  sacrifício  de  marchar   com  aquelas  enormes botas  e  com pesos  extras, passava  garboso  diante  do  público e  das  autoridades, como se  tudo  estivesse  normal.

Terminado o  desfile, fui liberado para  ir  tomar  banho na  praia  da  Fortaleza de São José, que naquele  tempo  era  bem limpinha  e tinha muita  areia. Tirei  as botas  longe  dos  colegas, tomei  banho  e  depois trouxe as botas  nas mãos, pois  se eles vissem o tanto  de papel e pano que havia  utilizado no calçado para poder  desfilar, era  gozação  por  toda a  vida. É, chorei de verdade, ainda mais que  depois  que  meu  neto  desfilou, correu  ao meu  encontro,  me  deu  um   forte  abraço  de parabéns  pelo  meu  aniversário,  depois    que lhe  prestei  continência. Afinal  estava  diante  de um Tenente Mirim da Polícia Ambiental. CHOREI,  SIM !  E VOCE, NÃO  CHORAVA?

Crônica do Sapiranga

Dia primeirio de junho, eu não respeito senhor!
Milton Sapiranga Barbosa

Neste  primeiro  de junho, como  de costume, mesmo  estando de férias,  acordei as   6 da manhã.
Após  agradecer  a Deus pelo  ótimo  sono e   por  ver nascer  mais um novo dia,  assisti, no  canal   96  da Via Embratel,  as peripécias da  dupla Tom  e Jerry. A  eterna briga do gato com o rato.
Durante o primeiro  intervalo  do  desenho animado, percebi  que Macapá  estava silenciosa, muito silenciosa.  Não se  ouvia pipocar  de fogos   e  nem  a  salva  de tiros  disparados pelos  canhões da Fortaleza de São José de Macapá,  acordando a cidade   e  homenageando  o  primeiro governador  do  Território Federal  do Amapá, Janary Gentil  Nunes, cujo   aniversário é comemorado no primeiro  dia do  mês  da quadra  junina no Brasil.
Aí   bateu  uma tremenda  saudade da Macapá  de antigamente. Lembro  que  naquele  tempo, o  primeiro de junho, era  repleto de comemorações, que iniciavam ao   romper da aurora  e  varavam noite  a dentro.  Tinha churrasco, torneios  de futebol, natação, festa na piscina territorial  e  em diversas sedes  de  clubes  locais. Tinha marabaixo  na casa  da dona Gertrudes  e  do Mestre Julião Ramos. Todos  prestando   homenagem ao  Governador  do Amapá, inclusive imortalizado por Mestre Ladislau na cantoria que dizia: “Pra onde  tu  vás rapaz, por  este caminho  sozinho.? Vou  fazer minha  morada, lá prós campos do Laguinho” / Dia primeiro de junho, eu não respeito senhor, eu  saio gritando vivas, ao nosso  Governador”  e por  aí vai.
Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, gostou  e gravou  os versos   de “Ladrão” de Ladislau.
Ao  sentir   que   se  aproxima a quadra junina, lembrei  também  das  noitadas  de festejos   de  Santo Antonio (13), São João (24),  São  Pedro (29)   e  São Marçal (se  dizia São Marçá) no  dia  30, encerrando  as  festividades  da quadra junina.
Me vi   outra  vez, junto   com  meus  amigos  de infância, entre eles, Moacir, Pilão, Arideu, Dodoca, Zé Rodinha, Deodato, Mucura, Boquinha e  tantos outros, percorrendo  ruas  e  avenidas  da  Favela,  em  desabalada  carreira  para  poder  ter impulso  e pular as   fogueiras   que  eram  acesas   em  frente  de cada  residência  do  bairro.  Os   adultos, sempre  que  percebiam que  íamos  pular, nos  avisavam  que  era perigoso, que  alguém podia  se ferir. E   eles  tinham razão. Mas  sabe  como  é  moleque, não  tem noção  do perigo. Muitas vezes  alguém   errava  o pulo, batia  numa haste  de lenha  e ia  ao  chão, arranhando joelhos, mãos, cotovelos  e alguns  até   ficavam  com  a cara  esfolada. Era  bonito  de se ver o  bairro iluminado  por   fogueiras  armadas nos  mais  diversos tamanhos  e com  todo tipo  de madeira  disponível.
A minha  querida  mãezinha, preferia  fazer  a  fogueira em  frente de casa  com   galhos de muricizeiro, pois  depois  que  a sirene da Usina de Força e Luz apitava avisando que eram  21  horas,  ela  apagava   e  no  outro  dia  aproveitava  o carvão para  colocar no  ferro de engomar (passar  roupa)   e  os  pedaços que  não  tinham  sidos queimado  totalmente,  ela  usava  para  cozinhar   o feijão do  dia  a  dia (até   hoje não sei  porque, o  feijão  cozido no  fogão  a lenha  tem um sabor  diferente, do cozido no  fogão a gás. Será  pelo  cheiro da fumaça que  entranha no caldo?. Ah, essa modernidade).
As  vésperas  e nos  dias   que   os  santos Antonio,  João e Pedro são  homenageados, nós saíamos pulando  fogueiras  até   as   existentes  em bairros  adjacentes (como  Trem e Bairro Alto) por exemplo, mas     no  dia  30,  nós  nos  aquietávamos. É  que   São Marçal  é  homenageado  com  fogueiras  feitas  de  paneiros, muitos paneiros, que  provocam altíssimas  labaredas  e aí sim, pular  era  por  demais  perigoso  e  só  então  acatávamos os  conselhos  dos  mais  velhos.
Puxa, como  era bom naquele  tempo. Ir de casa  em casa   e  se  deliciar  com cuiadas e  cuiadas de mingau  de vários sabores, mas  o  preferido, não tenho dúvidas,  era  o  de milho branco. Comer canjica, milho  assado,   milho cozido, tacacá, aluá  e  outras  iguarias  da época, era uma delícia só.
Naquele  tempo  o  vizinho   fazia  questão da presença das  comadres  e  compadres, muitos  só  de  fogueira, naquela   de: “Santo Antonio disse, São  João  confirmou, que   o Milton há de ser meu  afilhado, que  Jesus  Cristo mandou”. E não é, que mesmo sem ser abençoado por um  padre,  valia, se  respeitava  e tomava-se benção, sempre  que se encontrava  um padrinho ou madrinha de fogueira?.
As mulheres  passavam fogueira  e  se travam  de “ Meu Botão”, “ Minha Rosa”,  “ Minha Flôr”, “Minha Boneca”,  e  depois  só  se  tratavam por  esses  nomes, por  toda a vida, sempre  que  se  encontravam.
E  as     apresentações   dos  Bois Bumbás,  com  seus  caçadores , índios, pagés, catirinas, etc, etc?.  Tinham  também  exibições  de  cordões, sendo  que  o mais famoso  deles   foi  o  cordão do Uirapuru, na  minha opinião, mas na verdade, todos  eram bacanas de se  assistir .
Meus  olhos  estão  nublados por  lágrimas  saudosas  que  teimam  em rolar  face abaixo, não  me  deixando  mais continuar minha  viagem     pela   romântica, festiva,  segura  e bela  Macapá  de antigamente.  Saudade, muita saudade  dos  bons  tempos vividos, principalmente, na minha  querida  Favela.

Crônica do Sapiranga

S.O.S – A Lagoa  dos Índios está morrendo!
Milton Sapiranga Barbosa

Creio que  todos estão lembrados da crônica Raiva e Tristeza, na qual eu lamentava o descaso dos chamados órgãos  competentes, criados para   proteger  o Meio Ambiente, Flora e Fauna,  falando especificamente sobre a Lagoa dos Índios, que no meu entender, se bem cuidada  e protegida, seria um  dos mais bonitos cartões  postais de Macapá.  Enfatizando que a mesma  estava completamente abandonada, cheia  de lixos diversos,  na sua outrora  límpidas águas. Até óleo despejaram  no local, matando  diversas  espécies de peixes, entre eles, traíra, piranha, pratinhas e  uéuas.
E foi ao passar outra vez naquele logradouro, que  me veio a mente  as pessoas, adultas e moleques, como eu, a época, que  deixaram sua marca, pela perícia na pesca ou por outra particularidade  qualquer.  Entre eles  o  “Jacaré”, que  era quem ordenava a hora e  o término  do banho.  Quem desobedecesse sofria as conseqüências. Certa vez, um desavisado, que não  conhecia  a Lei Jacaré, foi chegando na ponte, tirou  camisa  e tibum. Pra que? O Jacaré passou mão na sua zagaia, que  estava sempre ao  seu lado e atirou no  rumo do “atrevido”. O bico do ferro central  da zagaia entrou no bumbum dele, que  saiu as pressas de dentro d`água   em desabalada carreira, não sem antes  ter aquela arma retirar de suas nádegas pelo próprio Jacaré, que simplesmente disse: “Ainda não  é hora do banho”. O moleque, apavorado  com  o olhar feroz  do seu  algoz,  esqueceu  até a camisa em cima do corrimão da ponte.
O Jacaré era  tão bravo, que sucuri, de meia boca,   enrolava na  perna  dele  e ele saía tranquilamente de dentro do lago, como se ela fosse uma sanguessuga,  que tivesse presa  a sua  perna.
Lembrei também  do Joanico,  filho da dona Otávia, que morava na esquina da Leopoldo com a Cora de Carvalho (por onde será que ele anda?  Soube que ele estava morando  às margens do Rio Matapí e que mordido por uma cobra  teve uma das pernas amputadas). Ele, Joanico,  que também era bom na zagaia,  um dia  arpoou uma bota na Lagoa só para  mostrar que ela tinha o órgão vaginal igual ao de uma mulher. Tinha  até  cabelos. A molecada  toda foi olhar. Ele explicou  que se um humano quisesse fazer as vezes do boto, morreria,  se não tivesse alguém que  o tirasse de cima dela. (Será? Não sei!)
Na Lagoa, que tem ligação com  o Rio Amazonas através do Igarapé da Fortaleza,  se podia pescar Pirapitinga, Tucunaré, Cuiú, Apaiarí, Surubim.etc, etc. Lembrei  do Célio Paiva (um grande zagueiro do Juventus, filho do seu Barbosa da Sapataria), que  chegava  por lá   só  a tarde, por volta das   17 horas . Sentava  à sombra de  um esteio  e só começava a pescar  17h45, pois  era  quando um imenso cardume de jacundás aparecia no local. Ele fazia a festa, grandes cambadas, pois o jacundá é um dos peixes mais fácies de fisgar, pois o mesmo engole  a isca  com uma voracidade  incrível. Ele não errava um.
Tinha  também  o  Sabará (outro  craque que jogou no Juventus, São José e Paissandu), que  preferia  pescar  dentro da lagoa, ao que  ele  apelidou   de pescaria “ cabecinha no fundo. É que ele ficava dentro do lago com água pelo pescoço, daí o nome que ele empregava para  sua maneira de pescar.
Lembrei  do velho e bom preto “Seu Gonzaga”, pescando em sua canoa  no meio do aningal,  pitando um  “porronca” cigarro feito com fumo de rolo -tabaco puro-  e, sempre que eu e o Deodato, o Dudu, perguntávamos se  estava batendo    bem “pratinha” (peixe da família do pacu)  naquele ponto ele dizia: “meu filho tá, mas é na miúda, na miúda, na miúda”. Como nós já havíamos descoberto seu truque, sabíamos que  ele  estava pegando só pratinha graúda, que chamávamos de “pires”, devido  seu tamanho  se parecer  com o parceiro da xícara, e íamos para perto dele  e também passávamos a puxar  só pratinha graúda.  Ele ficava carrancudo, mas nós nem aí, fazíamos a festa.
Ali fiz grandes amizades que perduram até hoje. Como homenagem  listo  alguns : o Dmoá,

Os irmãos Ruy, Antônio e Walter Maia e o Geraldo Galo (camisa preta)

Clóvis, Wálter Damasceno, os irmãos Miranda Maia (Wálter, Ruy, Antonio, Paulo, Pires),  os Irmãos Lemos (Romeu, Ceará, Picolé),  os  irmãos Queiroz do Couto (Dudu, Bilica, Chico e Jorge), Bené Valadares,  Catara, Lucide, Luciberto, Chope, Chico Almeida e seu irmão  Jorge , Galo, Carrapeta, João Dutra, Manduca, Alcides etc.etc…  Apesar das boas recordações, constatei, que apesar de ter mostrado  em rede mundial minha revolta, raiva e tristeza,  nada, nadica mesmo de nada, foi feito para tentar salvar a Lagoa  dos Índios,  que  a  cada  dia que  passa, vai morrendo  aos poucos, infelizmente.

Cadê Ibama, Sema, Semam, Polícia Ambiental?  Não  deixem a Lagoa morrer. Por favor,   ajam  enquanto é tempo. Salvem a Lagoa dos Índios, pelo amor  de Deus!

P.S.  Quero convocar os amigos listados acima, para formarmos um mutirão e  marcarmos um dia  na semana, para  realizarmos  uma limpeza no local, para ver  se as  autoridades (in) competentes  criam  vergonha  e passam  a dar uma melhor  atenção  a Lagoa dos Índios.