Crônica do Sapiranga

PARABÉNS MANA!
Milton Sapiranga Barbosa

Hoje, 25 de Agosto, dia  do soldado do Exército Brasileiro, é um dia muito especial para a família Barbosa/Brito, pois, no ano de 1930, que a Dona Alzira A. Barbosa, então com 15 anos de idade, colocava no mundo MARIA CÉLIA BARBOSA, que 20  mais tarde, depois de casar com o jovem vigiense RAIMUNDO BRITO, passaria a assinar seu nome como Maria Célia Barbosa Brito.

Mariazinha, como era tratada em família e por suas muitas amigas, era a bondade em pessoa, prestativa e uma de mulher de fibra, sempre ajudando nossa mãe, lavando e passando roupas, fazendo doces e salgados, lavando cuias e mais cuias nas quais mamãe vendia mingau e tacacá, nas noites de festas do Salão do Pecó, e ainda encontrava tempo para ensinar as primeiras letras ao seu irmão caçula, esse que vos escreve, danado que só quando moleque.

Dá união com Raimundo Brito( que foi jogador do Luzeiro da Vigia, São José, Amapá Clube e Seleção amapaense) nasceram   8 filhos, 5 homens e 3 mulheres, sendo que   duas meninas( Cleide e Socorrinho) não atingiram dois anos de vida e um homem( Ti Nem) morreu aos 6 anos de idade. Os cinco restantes, Carlos Brito, Carmem Lúcia, Cláudio ,  Clovis e Cleoney, ainda estão por aqui dando continuidade a formação da árvore genealógica dos Barbosa/Brito..

Minha irmã, mesmo tendo perdido o marido e um filho vítimas  de acidentes automobilísticos, nunca se  deixou abater. Desde que seu marido foi acidentado ela não o abandonou um instante, mesmo estando grávida de 7 meses  de seu oitavo filho, acompanhou-o até Belém e, com muita coragem, os últimos momentos de vida do esposo, único homem que amou em vida e pós morte, pois sendo viúva e ainda jovem e bonita, não se interessou em encontrar um  substituto, mesmo que fortuito, para padrasto de seus  filhos. Viu ele morrer, praticamente em seus braços. Com a ajuda de mamãe criou  5 filhos  com a maior dignidade e honradez, dando-lhes maravilhosos  ensinamentos de vida para que fossem pessoas de bem. Os ensinamentos foram seguidos à risca, eles nunca praticaram qualquer tipo de ação que pudesse manchar a memória de seus pais. Foi dona Mariazinha, minha querida, saudosa e inesquecível irmã, que colaborou e muito com  mamãe na minha formação, inclusive nas muitas surras que fizeram meu lombo arder.  Mais enquanto viver, lembrarei com o maior orgulho  de  tudo que aprendi com ela.

Hoje, 25  de agosto, se viva fosse, a mana Mariazinha  estaria completando 80 anos de vida e eu, mesmo  com os olhos derramando lágrimas saudosas, não poderia deixar de prestar-lhe, pós morte, esta homenagem de reconhecimento e agradecimento por tudo que ela representou e ainda representa em minha vida, já que de vez enquanto  me vejo seguindo suas lições e cantarolando as músicas que ela cantava para me fazer dormir.

Receba meus parabéns, Mana, aí ao lado do bom Deus, pois, tenho certeza, você mereceu estar aí. E dá um beijo na Mamãe.

Crônica do Sapiranga

ORA, PALMADAS!
Milton Sapiranga Barbosa

Estou invocado  com  a  polêmica criada em torno da aprovação da Lei que proíbe os pais de corrigirem , uma atitude errada dos filhos,  com  umas boas palmadas.  Psicólogos, pediatras, pedagogos e outros que acham  que entendem tudo de educação infantil, são unânimes em afirmar que com palmadas, a criança vai ficar traumatizada, revoltada, crescer  com tendência a se tornar um adolescente e mais tarde um adulto violento , podendo, inclusive, se bandear para o lado da bandidagem.  Ao escutar  esses comentários, fico pensando com meus botões: “quem dera que no meu tempo de criança fosse castigado com palmadas”, seria uma maravilha.  E é  do meu tempo de criança que conto a seguir duas historinhas “doloriíííídas”.

Primeiro  caso:
Uma bela manhã de sábado, dona Alzira, minha mãe, mandou-me ir no comércio do seu Serafim, que ficava  nos fundos da Igreja dos Irmãos, bem pertinho de casa, comprar  açúcar. Tão logo entrei  na   baiúca, avistei, do lado de fora do balcão, uma nota novinha de 50 cruzeiros. Ninguém a vista, vupt,  guardei  o achado no cós do calção. Fiz a compra, deixei em casa e imediatamente fui  na Banca do Chico Leite, precursora  da  Livraria Zola, e  comprei um monte de gibis  dos meus heróis preferidos( Capitão Marvel, Roy Rogers, Rocky Lane, Tarzan, Cavaleiro Negro, Flexa Ligeira,  Sobrinhos do Capitão, Zé Carioca  e outros mais). Na época se revezavam no atendimento, seu Chico Leite, João Leite,  Lelé, Percival e o Dom Pedro. No domingo, já abraçado com os gibis e pronto para  ir assistir  um filme do Cantinflas no Cine Macapá, a sábia dona Alzira, como toda mãe, perguntou onde  eu tinha conseguido dinheiro para comprar todas aquelas revistas. Contei-lhe  o ocorrido no sábado quando fui fazer compra. Pra que? Ela pegou uma vassoura de açaí   e passou a  acariciar, com lambadas fortíssimas, todo o corpo magricela deste que vos escreve. Enquanto  batia ela    dizia: “Meu filho, o que está dentro de casa não está perdido”, e toma bordoadas e mais bordoadas no couro do Sapiranga. Ela estava coberta de razão . Aprendi  com dureza a lição e repassei aquele ensinamento “que dentro da casa não está perdido”  pros meus guris e até hoje não tenha queixas deles.

Segundo caso:
Certa tarde, depois  de um bom jogo de bola no campinho do aeroporto,  cuja  pista  era onde hoje  existe a rua Hamilton Silva,  cheguei em casa (morávamos na av. Almirante Barroso, em  uma casa velha de assoalho de  paxiúba,  paredes  de palhas, com portas  e janelas de miriti), e reparei que estava “pinhada “ de vizinhos, dentro e fora.  Então perguntei  assustado e surpreso  para dona Leocádia:  O que  foi que aconteceu? Ela respondeu: “ foi um sapo que mordeu tua mãe  quando ela tirava roupa do quarador (o quarador ficava onde hoje é a rua Jovino Dinoá). Não  contei  parada, pequei  um pedaço  de pau  e  fui atrás do sapo maldito que mordera minha querida mãe ( eu não sabia que os mais velhos diziam que era sapo para o veneno da cobra não fazer efeito). Acho que se dissesse que era cobra, o veneno era fatal. Felizmente não foi.

Tava eu lá levantando mato a procura do batráquio, quando senti a costa arder. Era minha irmã, Mariazinha, que  quando soube o que eu tinha ido fazer,  pegou uma corda, dobrou em  duas  voltas   e tome  surra. Ela veio batendo até chegar em casa, quase metade do quarteirão entre Leopoldo e Jovino, onde hoje mora o Sr. Miguel Galvão. Depois ela chorando, colocava  pano embebido em vinagre  para aliviar a dor  e sumir com as  partes roxas em minhas costas. Além  desses dois casos, sofri  muitas outras surras brabíssimas, tanto  que mamãe, 8 anos  antes de falecer, toda vez que ia  em casa e tomava a benção ela dizia “ meu filho, perdoa tua mãe pelas surras que ela te deu”, ao que eu respondia, a senhora não tem nada que pedir perdão, se não fosses  aquelas surras, talvez eu não fosse  hoje, uma pessoa de bem.

Não cresci traumatizado, nem revoltado  e  nem, como  dizia minha “velha”, não “cambei” para o lado da bandidagem . Agora  vem  esses doutos, pra não dizer “babacas”, querendo proibir  umas  “palmadinhas mixurucas” no bumbum da molecada.  Pergunta para finalizar;  Quem, nascido nas décadas de 40, 50 e 60, não levou uma boa surra dos pais ou irmão  mais velho.?  Com certeza, até ele, o Lula,  lá em Garanhuns  deve ter levado umas  boas lambadas do velho Alcides, seu pai, com umbigo de boi, mas  está aí, com pouco estudo, é certo,  como presidente de uma grande nação, o Brasil.

Mamãe e minha irmã Mariazinha já foram para outro plano, mas continuam vivas  em minhas lembranças e amadas em meu coração.

Sapiranga na Copa

Gente do blog assiste jogos do Brasil vestindo camiseta super estilosa e exclusiva feita artesanalmente pela artista plástica Tica Lemos, do ateliê Coisa da Tica.
Olha só a camiseta que o nosso cronista Milton Sapiranga Barbosa vai vestir daqui a pouco para torcer pelo Brasil.

Tica Lemos caprichou grafando no espaço mais anil o nome do nosso queridíssimo Sapiranga. Ele merece, né?

Crônica do Sapiranga

Homenagem ao Seu Manoel da “Duas Estrelas”
Milton Sapiranga Barbosa

Seu Manoel

Hoje, primeiro de junho de 2010, seria um dia de muita festa no bairro da favela, em especial, em uma casa situada na esquina da avenida Mendonça Furtado com a rua Hamilton Silva. Por certo, uma mesa farta estaria posta para receber familiares, vizinhos e amigos da família Pádua/Pinheiro.

Gente humilde, gente rica  do mundo empresarial e até autoridades de alto coturno seria recebida com toda fidalguia, educação e um sincero sorriso de agradecimento do Sr. Manoel Tavares Pinheiro, dono da Casa Duas Estrelas,  que se vivo  fosse, hoje estaria completando 86 anos, pois que nasceu em 1 de junho de 1924 . Seu Manoel Pinheiro, como era tratado por seus fregueses, amigos e vizinhos do bairro da favela, muito contribuiu com o Amapá, principalmente no âmbito comercial. Ele, juntamente com Moisés Zagury(Casa Leão do Norte), Otaciano Bento Pereira(Armazém São Paulo), Luis Pires da Costa, Isaac Menahem Alcolumbre( Casa Fé em Deus), Abrahaão Peres (Casa Peres), Stephan e Abdallah Houat(Armazém Beiruth N`América), Francisco Serrano(Farmácia Serrano) e seu pai, Sr Celestino Pinheiro(Casa Estrêla), foram idealizadores e fundadores da Associação Comercial do Amapá, do Clube de Diretores Logistas, do Serviço de Proteção ao Crèdito e da Junta Comercial do Amapá( que, se não me engano hoje é a ACIA), entidades,  que até hoje estão servindo a sociedade  amapaense, em especial,  a classe empresarial e aos comerciários. Neste primeiro de junho não poderia deixar de prestar minha homenagem ao seu Manoel Pinheiro, personagem importante  e querida da minha infância feliz vivida no bairro da Favela. Lembro que quanto estávamos em sua casa, na esquina da Presidente Vargas com Leopoldo Machado ou no depósito da Casa Duas Estrelas, limpando latas de óleo ou garrafas de vinho, que ele comprava  em grande quantidade,  ele aparecia para fiscalizar o serviço encomendado ou  tirar sarro com algum moleque, mas o mais importante, ia lá para nos dar bons conselhos e ensinamentos de vida, que agregado a educação recebida de minha mãe dona Alzira, da mana Mariazinha, da dona Margarida, Dona Marieta Amorim e suas filhas Tereza e Sônia, muito contribuíram para a formação de meu caráter, disso não tenho a menor dúvida e,  serei grato a ele e aos outros enquanto viver.

Essa crônica-homenagem póstuma, foi escrita no dia primeiro de abril,  quando lembrei de uma pegadinha  que seu Manoel Pinheiro me aprontou no dia da mentira. Aconteceu assim:

Primeiro ele, sorrindo, me deus dois bombons e pediu que levasse um bilhete para o Nabil, na Casa Amim Richene, que ficava na outra esquina da Mendonça Furtado. Achei aquilo estranho mas não desconfiei que se tratasse de alguma brincadeira, e fui em frente, afinal o “mandado” já havia sido pago com guloseimas de todo moleque adora.  Atravessei a rua e  entreguei o escrito ao destinatário. O Nabil, depois de ler, riu, e escreveu mais algumas palavras no papel e mandou que levasse ao Lúcio, dono do Bar Canta Galo, que ficava três quadras dalí, na esquina da avenida Pe. Júlio. Aí sim, já fiquei desconfiado pelo sorriso maroto do filho do velho Amim, e quando cheguei no canto da avenida Cora de Carvalho, sem que seu Manoel e o Nabil pudessem me ver, resolvi ler o que continha naquele misterioso papel que ia passando de mão em mão e que provocava sorrisos. Lá estava escrito pelo seu Manoel: NABIL DÁ UMA DONZELA PRA ELE E MANDA IR LÁ NO LÚCIO . Já o Nabil por sua vez escreveu: LÚCIO, DÁ UM PÃO DOCE PRO MILTON E MANDA ELE IR LEVAR PRO  MANOEL RAIMUNDO, no BAR POPULAR. Este  estabelecimento comercial ficava no canto da rua Odilardo Silva com a avenida Mendonça Furtado, já bem mais distante do ponto onde se iniciara a pegadinha de primeiro de abril, muito bem bolada pelo seu Manoel Pinheiro, e que, se eu não tivesse sido curioso e desconfiado, iria andar muito, pois acho que seu Manoel Raimundo iria mandar-me  levar  o bilhete no comércio do seu Menezes(Cacú), que por certo, dando continuidade a pegadinha de primeiro de abril,  me enviaria para algum outro amigo comerciante, estabelecido bem  mais distante.

Mesmo p… da vida após ler o bilhete, não rasguei o papel e levei pro seu Lúcio, dando continuidade a brincadeira, pois não ia perder a chance de ganhar um pão doce.  O seu Lúcio leu o bilhete, escreveu seu recado, me deu o pão e mandou eu ir em frente. Peguei novamente aquele papel e em seguida mostrei pra ele um dedo em riste ( o maior de todos, o do famoso “cotoco”), dizendo, “vão continuar fazendo de besta o c….”!   Passo seguinte, retornei a Casa Duas Estrelas e pedi ao seu Manoel uma garrafa de flip guaraná. De posse da mesma, tomei o guaraná com a donzela e o pão doce, depois disse ao seu Manoel que o flip ficava o por conta de ter me feito de bobo  naquele dia, o dia da mentira. E seu Manoel  ria, mas ria pra valer da peça que me pregara,. Felizmente, como ele era tinha bom coração,  nem colocou o valor do flip guaraná na conta para mamãe pagar,( pois seria surra na certa, pois ela não havia autorizado pedir fiado)  Acho que ele achou justo a paga pelos momentos de diversão que eu havia lhe proporcionado e aos seus e meus dois grandes amigos. Aproveito para abraçar, neste 1º de junho,  os seus filhos, Fátima, Gil, Gilberto, Ana, Cita, finalizando com um  MUITO OBRIGADO SEU MANOEL, POR TUDO.

Obs: alguns dados  foram extraídos do livro Personagens Ilustres do Amapá, de autoria do jornalista Coaracy Sobreira Barbosa, editado em agosto de 1997, seis meses após o falecimento  do    seu  MANOEL TAVARES PINHEIRO.

Sapiranga no Marabaixo

Marabaixo na Favela e a Festa dos Inocentes
Milton Sapiranga Barbosa

Durante o ciclo  do Marabaixo, que no meu tempo de criança era realizado na casa da  dona Gertrudes, um  dia  era reservado para a garotada se divertir  denominado de  festa dos inocentes, realizada no segundo domingo de maio, Dia das Mães. Naquela  época, de muito respeito,  criança não se metia na dança  dos adultos, como hoje é tão comum. A meninada podia ficar piruando, mas bem sentadinha nos bancos que  circundavam  o salão da casa da Tia Gertrudes com tio Caba Branca, seu esposo.

A Festa dos Inocentes tinha  três  acontecimentos  ansiosamente esperados e festejados  pelos garotos e garotas do  bairro: o  primeiro, era quando os batuqueiros aceleravam  os toques nas caixas, sinal   para se jogar capoeira, sem técnica nenhuma, é claro, mas era tanta pernada e rabo de arraia, que era bonito de  se ver.  Quando um moleque ia ao chão, era vaiado  e o  que aplicara o golpe, era muito festejado, principalmente pelos pais. Os campeões  na virada  das caixas, até por  herança genética, eram: Venturoso ( filho do seu Vadoca  com dona Natalina)  e o Raimundo Calango Sêco ( filho do sr. Zeca Costa  com  Dona Mundica), é mole. O segundo e melhor  momento da festa era o almoço, servido  sempre que  o relógio marcava 12 horas. Ninguém ficava sem comer. Era tanta comida, que sobrava, e a dona Gertrudes  dava para as mães levarem para suas casas. A terceira parte, a mais engraçada,  ocorria durante uma representação teatral, feita por  um menino e uma menina escolhidos dias antes da festa do Marabaixo começar. Numa dessas apresentações, o Arideu, filho da dona Margarida fez uma encenação com a Isabel, filha caçula de dona Gertrudes; o Arideu, todo pomposo chegava  e dizia para Isabel, sua pretendida na peça: “ bela minhá menina, o que tu me achas?”  e a Isabel, para gargalhada geral dos presentes respondia: “Olha a cara dele, até parece uma bolacha”. Meu amigo e vizinho Arideu sofreu muito nas mãos dos moleques da Favela, mas daquele dia em diante, quando chegava outro ano e o Ciclo do Marabaixo iria começar, ele  passava longe da casa da Tia Gertrudes, temendo ser outra vez  escolhido como ator principal da peça.
O Marabaixo e  a Festa dos Inocentes são   boas  lembranças da minha infância feliz vivida no meu querido bairro da Favela.

Crônica do Sapiranga

MEU BARBEIRO PREFERIDO
Milton Sapiranga Barbosa

Sempre que ouço alguém dizer que “a primeira vez nunca se esquece”, concordo em gênero, número e grau.
Essa certeza que a primeira vez é inesquecível,  ficou mais forte quando, ao chegar em casa, após cumprir a segunda jornada de trabalho do dia, encontrei o menino Vitor Gabriel, de  quatro anos, filho da Fernanda  e bisneto da dona Sabá e do saudoso amigo/irmão Delmivaldo Lacerda( Donga Lacerda ou Carudo para os mais chegados). Ele, o Vitor Gabriel, estava de cabelos cortados no estilo rapaz moderno e foi então que lembrei do meu primeiro barbeiro, o Sr. Jorge Modesto, que tinha seu salão com paredes de barro, alí no formigueiro, próximo da casa da mãe do Azevedo Costa, na av. General Gurjão.

Depois de ver aquele garotinho com os cabelos bem aparados, lembrei que na minha infância, até os 15 anos, o corte da molecada era no estilo Cascão, personagem de histórias infantis criado por Maurício de Souza. aquele que o Ronaldo Fenômeno usou na final da  Copa do Mundo de 2002,  um tufo de cabelos na parte frontal do cocoruto. Depois dos 15 anos o moleque já podia usar o corte estilo militar  e, só após completar 18 anos,  era que podia cortar aparadinho, junto as orelhas.  Daí pra frente foi uma enxurrada de lembranças, vi passar um filme com os barbeiros que conheci; Cardoso, Lacinho, Zezinho e seu irmão Tetê, Olinto, Maruim, Casaquinha, Holanda, Crispim e Alexandre. Todos eles, por mais de uma vez, derrubaram minha cabeleira pixaim, contudo, o meu barbeiro preferido foi, sem dúvida,  o Manoel do Carmo Xavier do Rosário, o Manoel Cametá, como era mais conhecido.

Ele chegou em Macapá, oriundo da terra dos Romualdos em 1952. Trabalhou por alguns anos na  ICOMI  como carpinteiro  e ao sair, usou parte da indenização para  alugar uma sala nas dependências do  bar do Alemão (Urca bar) e montar sua primeira barbearia, que era seu grande sonho, já que em Cametá já exercera a profissão de barbeiro com grande sucesso entre seus conterrâneos.

Seu Manoel Cametá, como todo jovem da época,  mostrava seus dotes de dançarino no salão do Pecó, no salão Rouxinol e nas sedes do Latitude Zero e do Trem e também nos dançarás da vida noturna macapaense, Merengue, Sobradinho, Lago dos Sonhos, etc…!  Por ser pé de valsa e bom de papo, conquistou a jovem Zaíra, tida como um das moças mais bonitas do bairro do Trem e  que mais tarde viria ser sua esposa cumprindo a risca a frase dita em cerimônia de casamento; “até que a morte os separe”.

Manoel Cametá trabalhou no salão do Carioca, na barbearia do Hotel Macapá, até que, já no bairro da Favela, onde fixou residência, inaugurou o  SALÃO NATAL, que tornou-se um dos mais famosos e procurados de Macapá.  Seu Manoel atraia o público masculino ( depois até feminino) por sua categoria como barbeiro,  por ser bom de conversa e contador de causos e piadas como poucos. Também era um gozador de primeira linha e o seu conterrâneo Bené, era quem mais sofria, por conta de ter pronunciado Nirce, quando o nome de sua esposa era Nilce. Ele se gabava que era bom jogador de dama, mas não conseguia vencer do seu Bezerra e do vigiense Lacinho. Ganhava sempre do Sapiranga, que não jogava nada.  Manoel do Carmo Xavier do Rosário, meu amigo, meu vizinho e meu barbeiro preferido, morreu no dia 18 de abril de 2009, após já ter sofrido dois derrames. O  filho Carlitos, a pedido do pai, continua mantendo abertas as portas do SALÃO NATAL, que seu Manoel Cametá tanto amou, fez muitos amigos e admiradores de  sua arte com a navalha e a tesoura.

Crônica do Sapiranga

Seu Chicó – um pioneiro
Milton Sapiranga Barbosa

Francisco Augusto dos Santos, chegou em Macapá em 1949, vindo de Abaetetuba, atraído pelas oportunidades de trabalho que o então governo do Território Federal do Amapá oferecia.
Seu Francisco, que depois ficou conhecido  por Seu Chicó, não perdeu tempo e começou a trabalhar incansavelmente como carpinteiro civil e naval, profissões  em que tinha larga experiência  por já haver trabalhado  em sua terra natal.
Por ser  profissional competente, serviço não  lhe  faltava   e  ele  foi  amealhando uns trocados  até poder se estabelecer por conta própria, se tornando um pequeno  empresário.
Seu Chicó, homem de muita fé em Deus, foi pioneiro  nos serviços de  frete, regatão, serraria  e fabricação de gelo  no  Amapá.  Apesar de seus  empreendimentos  renderem um bom dinheiro, aquele abaetetubense, de  sorriso largo e franco,  não esquecia  sua grande paixão, que  era trabalhar com o beneficiamento  de açaí.    Seu Chicó, cabloco de visão futurista, tão logo chegou por estas bandas  reparou que as pessoas beneficiavam o açaí  com métodos rústicos, com as mãos  ou socando com uma garrafa  e pensou: “ tenho  que encontrar  um jeito de extrair  o vinho do açaí com mais rapidez”. Após observar  que a roda  de carro rodava  presa  a um eixo, ele, como bom carpinteiro que era, fabricou uma roda  e  em volta  dela  colocou uma correia  presa  a um  motor  de baixa potência. Em seguida preparou uma haste com palheta anexa, colocou dentro de um pequeno tambor com  um ralo em baixo para escoar somente o vinho e com uma janelinha na frente para retirar  os caroços. Estava criada a primeira máquina  de beneficiamento de  açaí pelo processo eletro-mecânico do Amapá.
Seu Chico  batizou  de VITAMINOSA seu primeiro ponto de beneficiamento de açaí mecanizado. O sucesso  foi tão grande , que  ele se viu obrigado a chamar boa parte de seus familiares  que moravam em Belém, Abaetetuba, Igarapé Mirim e Vigia, criando  então uma  rede de Vitaminosas., nome  com que ficaram  conhecidos os locais  onde  se batia o açaí nosso de cada dia.
Quem, nascido nas décadas  de 50/60  não tomou do açaí do seu Chicó, que  atire a primeira pedra, mas me erre, por favor. Seu  Chicó,  foi  casado com  dona Sinhá  por  abençoados 56 anos, teve 10 filhos, muitos deles vivendo em Macapá  e seguindo os passos do pai no ramo empresarial,  um é dono da Papelaria Rio Jordão  e outro  da  Casa Flávia’s,  apenas para citar como exemplo (isto é, sem jabá). Seu Chicó  faleceu no dia 16 de  setembro de  2002,  em Fortaleza/Ceará,   para onde se mudara  a fim de cumprir missão evangélica, após prestar  inúmeros benefícios  a esta terra  que tão bem o acolheu, gerando emprego e renda para dezenas  de famílias  amapaenses.
Para quem não sabe, um projeto de lei de autoria do vereador Leury Farias, aprovado por seus pares por unanimidade  e sancionada pelo então prefeito João Henrique, deu o nome  de FRANCISCO AUGUSTO DOS SANTOS ‘ SEU CHICÓ”,  a bela praça beira  rio do bairro Santa Inês. Homenagem  mais   que  merecida  a este  grande pioneiro, paraense de nascimento, amapaense de coração.
Pena  que  alguns   vândalos, verdadeiros animais,   estão destruindo aquele logradouro que homenageia quem fez muito por esta terra. Até a placa comemorativa  já arrancaram.

Sapiranga no Glicerão

Eu estava lá II
Milton Sapiranga Barbosa

Na primeira parte  da crônica  EU ESTAVA LÁ, quando citei que visitar o Blog da Alcinéa era uma de minhas obrigações  diárias, não mencionei que também visito, para aumentar meu rol de informações, Repiquete no Meio do Mundo (da Alcilene Cavalcante), Correa Neto, Açaí com Jabá, Chico Terra e Ernani Mota. Já para dar um colorido nos olhos, não posso deixar de acessar Coisas da Tica e ver suas incríveis criações em camisetas com temas regionais. Aquela que o Jabuti(s) subiu no açaizeiro  está demais. Mas vamos dar continuidade  no relato  do que VI  e VIVI no estádio Glicério de Souza Marques,

01 – Ví, no próprio da municipalidade,  meus grandes ídolos do Fluminense, os craques: Castilho, Pinheiro, Valdo, Robson, Escurinho, Altair e Denilson, entre outros. Também vi, o

Leoremir, Garrincha e Bil

maior pugilista brasileiro de todos os tempos, o galo de ouro Éder Jofre, o demônio das pernas tortas Mané Garrincha, Dario, Roberto Dinamite, Os Trapalhões (Dedé, Didi, Mussum e Zacarias), Canarinho, Elza Soares, Tony Ramos, Antônio Pitanga, Dari Reis, João Carlos Barroso e outros grandes artistas da música, da comédia e da bola.

02 – Vivi, cenas de violência que prefiro esquecer, mas também cenas hilárias, como durante um jogo entre 11 Brasileiros  e o time de  alunos do CCA.  Lançado na corrida por Romeu, deixei a zaga adversária para trás para ficar cara a cara com o goleiro. Que goleiro?  Ele não estava em sua meta e aproveitei para fazer o gol mais fácil de minha carreira futebolística no campo e no futebol de salão. Minutos depois, lá vem o goleiro Severino saindo de trás de um barracão instalado nos fundos  do Glicerão, explicando para todos : “Tô com uma dor de barriga desgraçada”.  Caímos na risada, inclusive seus companheiros do time do CCA, que perdoaram seu abandono de campo, que permitiu  a vitória do 11 Brasileiros.

03 –  VÍ, durante um clássico entre Ypiranga e Macapá, o meio campo Zezinho usar  de um expediente não muito lícito para poder parar a dupla de armação do azulino, formada por Haroldo Santos e Aldemir França, que naquele dia  estavam jogando o fino, realizando jogadas sensacionais./ Zezinho, impotente diante da dupla, aproveitou uma parada no jogo para atendimento de um atleta e encheu uma das mãos com benguê e passou no rosto do Aldemir França. Aldemir França lavou o rosto várias vezes mas não consegui se livrar do ardor  da pomada, pois quando corria o suor escorria para seus olhos  e ele foi obrigado a deixar o campo de jogo, propiciando que o negro anil equilibrasse as ações,  mas  contudo  sem conseguir vencer o leão azul da avenida FAB.
Um abraço a todos. Milton Sapiranga Barbosa

Estripulias da turma do Sapiranga

O Furão
Milton Sapiranga Barbosa

As vezes, de surpresa, nos deparamos com situações que nos levam a navegar no tempo, nos fazendo buscar  no fundo do baú da memória, fatos de nossa infância, causos engraçados, vividos por nós ou acontecidos com nossos amigos de travessuras, de nossa época de moleque.  Durante um jogo do campeonato amapaense de 2009, entrei no túnel  do tempo, lembrando como se comportavam os servidores da extinta Guarda Territorial, durante as solenidades realizadas no sessentão estádio municipal Glicério de Souza Marques, carinhosamente eternizado com o  apelido de Gigante da Favela, mesmo que agora o Bairro seja denominado de Central . Como bom desportista e ex-futebolista, militando na imprensa do Amapá há mais de 40 anos, sendo que 20 deles atuando como apresentador  de programa, plantonista e repórter esportivo, com passagem pelo Alô Alô Amazônia da RDM  e Rádio Nacional, fui assistir a decisão do campeonato amapaense entre Santana e São José,  no famoso clássico SanxSão,    vencido pelo São José,  pelo placar de 3 a 0, dando o tricolor do bairro Julião Ramos, o seu quarto título da  era profissional.  Ainda quando me dirigia ao Estádio  Glicério Marques, me bateu no peito uma saudade de doer, do meu tempo de repórter de campo, por pensar nos  grandes embates entre Santana e São José, quando no gramado do Glicerão desfilavam  craques como Perereca, Pedro Bala, Bronté, Guloso, Palito, Antonio Trevisani, Nego, Jucy, Haroldo Pinto, Lelé,  Timbó, Alceu, Moacir Fernandes  e tantos outros. Uns ainda estão por aqui, muitos já em outro plano.  Durante as solenidades que antecederam o clássico decisivo, a saudade voltou com maior intensidade, quando  lembrei do Jair e dos valorosos policiais da  extinta Guarda Territorial.  Eles sim, tinham respeito e amor à pátria. O porque desta afirmação? Simples. É que durante  a  execução do Hino Nacional Brasileiro  e Hasteamento  da Bandeira do Brasil, avistei, próximo ao muro  do estádio, área  dos fundos do Glicério Marques, 4  componentes da Polícia Militar, sendo 3 homens e 1 mulher, que  conversavam e gesticulavam  normalmente, não dando a menor importância  aos acordes do hino pátrio e ao lábaro estrelado que subia mastro a cima.  Recordei que no tempo da Guarda Territorial, quando a banda iniciava os primeiros acordes do hino brasileiro, os guardas  ficavam em posição de sentido, prestando continência, em respeito aos dois grandes símbolos da República Federativa do Brasil, mesmo que eles estivessem encobertos pela arquibancada, longe dos olhos de seus superiores,  não relaxavam, estavam lá,  firmes, até o “ Pátria Amada Brasil”.  Nessa viagem pelo passado, lembrei também do amigo de infância, o  Jair( torcedor símbolo do Trem Desportivo Clube e de Piratas da Batucada), e apaixonado pelo Flamengo, que uma vez  se deu mal enquanto o Hino Nacional era executado.

A molecada, das décadas de 50/60, sabendo que os guardas não abandonavam a posição de sentido,  de jeito nenhum, sempre que o hino brasileiro começava a ser executado, aproveitava para furar, pulando o cercado  ou passando por um buraco cavado por  baixo das tábuas. Esse trabalho de cavar, era feito, à noite ou pela manhã, bem cedo e depois,  camuflado com  esmero, para o velho Damião ( um baixinho invocado), administrador do estádio,  não perceber. Num jogo interestadual, hino sendo executado, o Hermenegildo Gomes de Lima, malandramente, mandou o Jair passar por primeiro no buraco, mas  não foi por gentileza, foi  para ele sondar o terreno, ver se a barra estava limpa .  Sem desconfiar que  estava sendo usado como isca, o Jair, alegre por ir na frente de todos, passou rápido a  cabeça e o tronco pelo buraco. Coitado, justamente naquele ponto, perfilado, estava o Mamédio, filho  da dona Gertrudes, um negão de quase  2 metros de altura e uns 100 quilos de musculatura, (do tipo chamado de armário), que ao perceber o penetra, descansou seu coturno 44, reforçado com sola de borracha de pneu “fenemê,  no costado  do Jair, que não pode mais  ir, nem pra frente e nem pra trás, apesar de todo esforço dos moleques que aguardavam  a vez de adentrar ao estádio sem pagar, que puxavam pelas pernas do colega e nada do Mamédio afrouxar  . Terminado a execução do hino, o Mamédio se abaixou e, num gesto rápido,  deu duas “ burrachadas”  e aliviou a pressão que fazia na costa do furão. O  Jair, com o lombo ardendo, deu uma recuada mais rápido que minhoca fugindo de predador e sumiu no rumo de sua casa, no bairro do Trem.  Daquele dia em diante, o Jair ainda deu suas furadas  nos dias de jogos, mas  nunca mais  quis  ser o primeiro a varar em  buraco feito sob o cercado do próprio da edilidade. Vá que o Mamédio  ou  o Henricão  (outro armário), estivesse lá de plantão a espera de um furão.

Bons tempos aqueles.