Vidas Secas – Por Gabriel dos Santos Birkhann

gabrielVidas Secas
Por Gabriel dos Santos Birkhann (*)

Graciliano Ramos é, sem sombra de dúvida, um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos.

Sua escrita é afiada como uma agulha, não releva as calamidades, nem borda a seca.

É direta tal como a exige a situação: “Vidas Secas” publicado em 1938 até hoje comove gerações de leitores, que de diferentes partes do Brasil e do mundo, sentem compaixão da família de retirantes que atravessa o sertão em busca de algo melhor.

Graciliano mostra a dura realidade na sua forma nua e crua. O livro se abre de modo avassalador, já expondo todo o drama ao qual aquela família estava fadada na sua saga:

“Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos”. (p. 9).

Na realidade dura do sertão, em meio à saga ou “luta pela vida”, o coração do homem se endurece: Fabiano sabe que a demora é a morte, e por isso impele, com grito, o filho mais velho a caminhar.

Fabiano, no entanto, se no início não gostamos dele, o livro se encarrega de mudar nossa concepção dele: o vemos como fruto de um meio excludente, não incluído como cidadão brasileiro ¹ (as ações das “autoridades policiais” mostram a divisão da cidadania arbitrariamente realizada).

À medida que a narrativa vai se desenrolando, Ramos vai mostrando a humanidade dos personagens, tal como na
cachorra Baleia, de longe a personagem mais lembrada (curiosamente, até por quem não leu o livro), que revela uma sensibilidade tocante, que a acompanha até o ponto da narrativa em que bem…. aquilo acontece.

É impossível ler “Vidas Secas” e não chorar. O livro é tocante em todas as passagens.

Os meninos, filhos de Fabiano, com sua curiosidade (“Festa” é o capítulo onde eles são mais bem desenvolvidos pelo autor e é comovente pela inocência das crianças).

Sinha Vitória, com o seu otimismo sempre presente, Baleia com seus gestos.

E Fabiano com o pensamento sempre na família, o que o levava a ser humilhado, ainda que muito dessa submissão (o capítulo “O Soldado Amarelo”, mais ao final, me deixou apreensivo, confesso, pois pensei que o final seria outro) seja mais exemplificada na primeira passagem que mais me surpreendeu: naquela em que Fabiano murmura que “é um bicho”.

É um livro assombroso de tão maravilhoso.

Cada capítulo pode ser lido, sem prejuízo, separadamente; mas nada tira “o prazer” de ler esse livro como um todo.

E o final simplesmente foi surpreendente: nunca pensei que o Graciliano Ramos fosse escrever um final tão poético, ainda que triste se tomarmos em vista a luta desses nordestinos, no qual a esperança brota novamente deixando acessos os sonhos de pessoas “como Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos” (p.126).

“Vidas Secas” é um livro a ser lido e relido permanentemente, o retrato de uma saga pela esperança e pela dádiva da vida, em meio à tragédia e à desolação.

(*) É graduando em História pelo Centro Universitário de Patos de Minas-UNIPAM.

  • Grande escritor da saga nordestina. Considero junto a João Cabral de Melo Neto (Morte e Vida Severina) e José Lins do Rego (Menino de Engenho), grandes expressões da nossa literatura.

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