Cenas cariocas – Rui Guilherme

CENAS  CARIOCAS
Rui Guilherme*

Cena de ida. Manhã de primavera na praia de Copacabana. Céu azul, mar caribenho, temperatura 27 graus. Perfeito.

Jonas ao volante do táxi amarelinho. Gordinho, puxa assunto de  futebol. Minha resposta foi que ao fim deste mês nosso Flamengo vai devorar o Grêmio. Maracanã é nossa casa. Aqui não vai ter árbitro argentino, nem VAR argentino para garfar três gols do Mengão e dar de bandeja, no apagar das luzes, o empate ao Imortal de Porto Alegre.

Jonas fecha a cara. Respeitosamente, mas fecha. – “Ué”, estranho eu. – “Até parece que você ta virando gaúcho…”,.. – “Gaúcho, não, doutor. Carioca, sempre. Mas Botafogo, sempre.”. Novo ué da minha parte. – “Mas, Jonas, se o amigo fosse vascaíno, até que eu entenderia você não torcer pelo Flamengo. Mas, Botafogo?!? – “Pois é, doutor. No dia do jogo tou pensando até em encarar um chimarrão…”

Lembrei-me de meus bons amigos gaúchos de Macapá. Gremistas, estarão prometendo oferendas para o Negrinho do Pastoreio para ver se passam pelo tsunami rubronegro. E os gaúchos colorados, estes estarão todos em solidariedade com a urubuzada.

Cena de volta. Na porta do laboratório, no Leblon, um outro táxi amarelinho. Toyota Corolla, modelo antigo, transmissão mecânica. Motorista, um grandalhão sorridente, queimado de sol.

-“Táxi? Vamos lá, doutor.”. No banco do passageiro, um jovem com a camisa do Vasco mexia no painel. –Tá livre? Mas é que eu quero ir no banco da frennte por causa do cinto de segurança…” – “Sem problema. Esse vascaíno aí é meu filho que tá acertando pra mim o relógio digital. Só essa moçada é que entende dessas coisas modernas”, fala o chofer, um largo sorriso a iluminar-lhe a cara bonachona.

-“O senhor gosta de mágica?”, perguntou. –

–“Hein?”. – “Olha a ponta da caneta. Que cor é? – “Azul”, respondi. – “Não, doutor. É rosa.” – E mostrou um coração rosa na ponta da caneta.

– “É que minha profissão é mágico. Tou aqui dirigindo este meu táxi para complementar a renda e ajudar no meu condomínio, que tá muito caro.”

Passou-me cartão de visita: Janjão, mágico. Aceito fazer espetáculos em eventos e aniversários. – “Ligue pro meu telefone e em seguida  eu apareço.”

Janjão contou-me que trabalhou muito tempo na Globo, fazendo mágicas no show da Xuxa. Até colocou no televisor do carro um show em que ele aparecia fantasiado de preto, com cartola e tudo, arrasando com a Rainha dos Baixinhos.

– “Pois é, doutor. Quando eu tava na Globo, ganhava muito bem. Consegui comprar minha cobertura aqui no Leblon, com vista da praia. Mas meu pai bem que dizia que, ao morrer, iria deixar o táxi dele para mim. Assim, quando meu velho morreu, fui lá na prefeitura e consegui passar a chapa pro meu nome, e com isso vou pagando minhas contas, fora os espetáculos, quando me contratam. Formei o mais velho, que é músico e cientista político. Ele tem uma banda e me conseguiu ingresso para a área vip no Rock in Rio. E é pra lá que vou hoje á noite, de BRT, curtir meu heavy metal. Sou fã, sabe? E, quando as coisas apertam, se vejo que estou querendo ficar de mau humor, paro tudo e me jogo na praia para pegar onda. O mau humor some como num passe de mégica!”

Perguntei da Xuxa. Disse que ela está se virando, que as coisas não eram mais para ela como um dia já tinham sido, mas que ela até comprara um apartamento em Nova Iorque, onde mora a Sasha (- “que conheci menininha”, disse).

“Pois é, doutor”, arrematou quando finalizamos a corrida de volta, em Copacabana. – E assim se vai levando a vida. Como meu coroa dizia, nada é para sempre.”

Nada é para sempre. Nem os carrinhos da Kibon na praia, onde se compravam sorvetes Chicabon e Eskybon. O Chicabon era tipo picolé, com o palitinho de madeira. O Eskybon era tipo um tijolinho com cobertura de chocolate e miolo de creme, sem palito, embalado numa caixinha, muito gostoso.

Naquele tempo, e até bem antes da Xuxa e do mágico Janjão, fazia enorme sucesso o maravilhoso cantor Cauby Peixoto.

Lembramos, Janjão e eu, que o Cauby, que Deus já levou, era um  moreno boa pinta, que usava pesada maquiagem, homosseual assumido. Cauby inspirou o carioca a apelidá-lo de Eskybon. Por que? Porque, como o Eskybon, era moreninho, fresquinho e sem pauzinho.

Passou Cauby, passou a Xuxa, passou o apogeu do Janjão. Tudo passa. Nada é para sempre, dizia, filosoficamente, o pai do mágico. Para sempre, que eu saiba, só as ondas e as\ dançantes águas do mar Atlântico a beijar as areias douradas das praias da Cidade Maravilhosa.

*Rui Guilherme é poeta, escritor, autor de vários livros, juiz aposentado e atualmente mora no Rio de Janeiro

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