O pai que eu quero ser

O pai que eu quero ser
Por Renivaldo Costa

Quando nasci, meu pai era um ser que às vezes aparecia para aplaudir minhas conquistas. Quando me ia fazendo maior, era uma figura que me ensinava a diferença entre o mal e o bem. Durante minha adolescência, era a autoridade que me punha limites a meus desejos. Agora que sou adulto, é o melhor conselheiro e amigo que tenho.

Freud dizia que não existe nenhuma necessidade tão importante durante a infância de uma pessoa que a necessidade de sentir-se protegido por um pai. E certamente me senti e me sinto assim até hoje.

Durante a noite, no sofá, em frente à televisão, meu pai se conecta com o mundo. Entro em casa e pelo som da minha voz que se expande pela sala, seus olhos, antes sonolentos, despertam felizes e com um gesto que consome mil palavras, acena. “Oi, filho, como está?”, quer saber.

Aí percebo que “meu velho” anda cansado. O armário invisível do tempo começa a pesar nas costas. Os 80 anos não lhe deixam mais trabalhar. O comércio de madeiras, móveis e esquadrias era a sua praça. Mesmo aposentado, resiste em ficar parado. “Pra quê? Pra ficar olhando as paredes?”, inquire.

Sento-me ao seu lado e o acompanho nos noticiários. Pena que o Brasil dourado que prometeram para ele nunca veio. “Há 30 anos é a mesma conversa, só mudam as caras, mas a politicagem é a mesma. No tempo dos militares as coisas eram melhores”, comenta.

Naquele álbum amarelado de família, que todo lar tem, pego e folheio página por página, perplexo, com a mesma gravidade como quem descobre os poemas de Fernando Canto ou de Alcy Araújo, nossos maiores poetas.

Pai, contemplando tua juventude naquelas fotos, queria que por um momento não fosses meu pai, fosses meu melhor amigo. Teríamos feito tantas coisas juntos, como ter nos vangloriado de nossas namoradas, repartido confidências, jogado bola, colecionado gibis… Mas o destino nos pregou outra peça, outro papel: a minha barba nasceu da tua, a tua voz a minha, a tua estatura o meu tamanho.

O que me deixa feliz é que posso ainda abraçá-lo e a certeza que, no mesmo álbum, no amanhã do tempo, meu neto daqui há uns anos, talvez perguntará: “Esse é meu bisavô?”. E eu, orgulhoso, direi: “Sim, ele é o pai que quero ser”.

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