Selfie – Uma crônica de Ruben Bemerguy

SELFIE
Ruben Bemerguy

Tenho muitos vícios. O mais imperfeito deles é o vício de fumar. O mais perigoso é o vício de amar. Imperfeitos ou perigosos os vícios me impõem a condição de servo. Do primeiro – fumar – não raras vezes tentei me libertar, mas ainda sem êxito. Do segundo – amar – dado ao elevado grau de risco, já estou serenamente livre. É que amar mata. Segundo minhas observações, quem traga o amor como eu trago é candidatíssimo ao óbito precoce. Não há pulmão que resista a um grande amor. Melhor fumar. Fumar salva vidas.

Há outro vício. Desse, tal como o vício de amar, também permaneço liberto, ainda bem. É o vício da Selfie. Criei antipatia até pela palavra Selfie. E olhe que amo as palavras. Só elas, inclusive. Mas Selfie é um estrangeirismo que faz com que quem o pronuncie passe representar o mais imponente falso-culto. Aliás, falso-culto é uma palavra composta por mim para identificar a exata futilidade . Em outras palavras, é uma palavra criada para me proteger dos cínicos.

Selfie é, portanto, um auto-retrato (muitas vezes pode não ser um auto-retrato mas um multi-retrato) onde se irradia vaidade própria, próprio da própria desconfiança. A Selfie nunca será um retrato. O retrato nasce em outros olhos e isso é suficiente para distanciá-lo da Selfie. A Selfie é um verdadeiro funk ostentação.

Seja como for, e por isso mesmo, eu nunca deparei com uma única Selfie triste. Uma Selfie que chore. Uma Selfie saudade. Selfie volte pra mim. Selfie que perdeu. Selfie dúvida. Só encontro Selfie vencedor. Selfie Sorridente. Selfie Forte. Selfie Valente. Selfie Próspero. Selfie Feliz.

Ontem estive com o rio. Expliquei quanto a meu vício de fumar e de como isso tem salvo minha vida. Ele confidenciou que também inala do mesmo vício e por essa simples razão ainda existe. Depois, respirou fundo, e molhando em suas águas o vício do amor na modalidade cem metros rasos vaticinou: “Ouça Ruben, o amor não passa de um traço feito a lápis na cortina d’água”. E olha, de amor e de água o Amazonas entende mesmo.

Já quanto ao vício da Selfie ele – o rio – acha tudo muito natural. Justifica ensaiando que o aperto de pés, por exemplo, e mais sagrado do que o aperto de mãos. E que nós só assistimos os apertos de mãos porque o aperto de pés só se revela na volúpia de nossas águas mais profundas e, por isso, é invisível. Nada mais invisível do que o aperto de pés, segundo o rio. Quando comprimimos os pés descalços em outros pés descalços, me disse o louco do rio, embora ninguém veja, ninguém saiba, caminhamos exatamente para a invisibilidade dos destinos paridos no vício que mata, mas sem o qual não se vive. O tal do vício de amar.

Para o rio, esse louco excessivo, seja a selfie auto ou multi, ela é palavra do gênero feminino e só por isso estaria justificada sua existência e proliferação. Para ele, a Selfie é e sempre será um aperto de pés. O que a selfie revela mesmo ninguém vê porque não é pra ver mesmo. É invisível mesmo. Pés entrelaçados. Palmas enlouquecidas. Dedos em riso.

A Selfie é assim. Só anota que os pés existem mas o aperto de pés é caligrafia que só se decifra no vício de amar.

Me despedi do rio e ri. Ri muito. Costumo rir dos rios. Me diz o rio diz que o vício de amar é efêmero e quer me fazer crer nele e em Selfie. Ora veja!

Arranquei um cigarro do bolso esquerdo, acendi a luz que me salva a vida e segui. Simplesmente segui.

(Para ler outras crônicas e artigos de Ruben Bemerguy clique aqui)

  • Caro amigo Ruben, nada mais coerente que essa sua observação sobre selfies.
    Ja estava achando que só eu achava esse negocio uma droga.
    Esse mundo das selfies é perfeito, só felicidade. Que absurdo!

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