Organização e sustentabilidade: Ribeirinhos comercializam a
primeira remessa de azeites de andiroba e pracaxi puros
Mariléia Maciel, especial para o blog
A sabedoria secular dos indígenas e povos dos rios e florestas da Amazônia alcança status, e a cada dia afeta de forma mais direta e positivamente estas comunidades tradicionais. O conhecimento empírico, após a conquista do aval da ciência, deu a estas pessoas a oportunidade de sobreviver da natureza preservada, que passa a ser seu grande tesouro.
Os ribeirinhos da comunidade de São José, às margens do rio Maniva, município de Afuá, percorrem o caminho do empreendedorismo com produtos naturais, e agora com uma novidade, que é a comercialização do óleo puro da andiroba e do pracaxi, amêndoas colhidas nos próprios quintais, terras ricas em vegetais e animais, que formam o valioso bioma amazônico, detentor da maior biodiversidade do planeta.
Os azeites começaram a ser comercializados e padronizados neste período de cuidados e reservas por causa da pandemia de coronavírus, e as vendas ainda são informais, através de encomendas. Mas os produtores já se preparam para atender um público maior e exportar, visando a grande procura por produtos da medicina natural no mercado nacional e internacional. Todo o processo é artesanal, baseados nos ensinamentos técnicos oferecidos através de projetos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa e Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá – IEPA, que levaram até eles, cursos, ensinamentos práticos e palestras.
Das curandeiras e benzedeiras para as mãos de esteticistas e médicos
É no meio da floresta, entre árvores nativas e rios, que ribeirinhos coletam as sementes de andiroba e pracaxi que caem no chão. Ao longo de décadas estes produtos são usados em áreas indígenas, ribeirinhas e comunidades tradicionais, por parteiras, curandeiras, benzedeiras, os chamados “doutores das florestas”, que sempre fizeram uso destas plantas medicinais em uma rotina familiar passada entre gerações de amazônidas, que foram tratados e aprenderam a usar os azeites de andiroba, pracaxi, copaíba, mel-de-abelha, chás e infusões de folhas, raízes e cascas de árvores, flores, em massagens, como anti-inflamatórios, cicatrizantes, para curar resfriados, picadas de insetos e animais, e até torções.
Estes costumes foram trazidos para as cidades, atraindo as indústrias de fitoterápicos e cosméticos, e com a eficácia comprovada, estas matérias-primas são transformadas em produtos de beleza e medicamentos, valorizando o que é produzido nestas comunidades, que são a ponta do vantajoso comércio da estética e farmácia. Suas propriedades estão prescritas em rótulos e publicidade de marcas famosas que produzem cosméticos e remédios, dando glamour aos azeites, que ainda hoje são comuns em sua forma mais pura, nas casas de descendentes destes povos tradicionais, guardados em vidros para cuidados e urgências.
A jornalista Márcia Fonseca, 33 anos (foto), até hoje faz uso dos ensinamentos da sua tia Dorvalina, a Gita. Márcia faz chás com azeites e ervas medicinais para auxiliar amigos e familiares que precisam amenizar efeitos de resfriados, e agora, com o vírus, é muito procurada para ajudar na prevenção. “A medicina natural faz parte da minha vida e a andiroba sempre esteve presente. Minha tia curava nossa garganta com o dedo coberto de algodão melado no azeite, o cheiro de mastruz era constante, e no quintal tinha folhas do pirarucu, limão, alfavaca e manjericão para os banhos. Pra puxar as dores do corpo, era andiroba com a ventosa. Hoje eu uso os azeites, as folhas de boldo, hortelã, anador, cana-fiche, e casca da laranja, e o principal, a fé, essencial ao usar essas plantas porque elas têm o poder da cura”.
Desenvolvimento com responsabilidade, trabalho e respeito
Na comunidade ribeirinha de São José, este modelo de desenvolvimento sustentável, em que o homem retira da natureza, usufrui de seus benefícios sem destruí-la, é fato. A localidade pertence ao município de Afuá, no Pará, porém é mais próximo de Santana e Macapá, para onde escoam os produtos da pesca e extrativismo. Peixe, camarão, açaí, andiroba, pracaxi, murumuru, ervas medicinais, são alguns dos produtos em abundância, mas muitas outras espécies fazem parte da flora da região, o que chamou a atenção de pesquisadores e estudiosos, ajudando na formação da conscientização desse povo, que hoje trabalha com planejamento, manejo e respeito. A variedade vegetal é tão extensa, que pesquisadores estudam novas espécies de baunilhas e orquídeas, a exemplo da “Mormodes Ivanaluciae”, descoberta em 2019 pelo pesquisador Patrick Cantuária, em referência à promotora titular do Meio Ambiente e Procuradora-Geral de Justiça do Amapá, Ivana Cei.
A organização dos moradores foi o início da mudança de vida em São José, e a Associação de Desenvolvimento Intercomunitário dos Rios Corredor, Furo do Chagas, Maniva e Cutias (ADINCOCMA), tomou a frente do processo que elevou a qualidade de vida econômica e pessoal de mais de 300 famílias que trabalham na coleta extrativista, 28 somente do rio Maniva. Um dado interessante é que 99% destes trabalhadores são mulheres. Eles iniciaram fornecendo as sementes sem tratamento para uma das maiores fábricas de cosméticos do Brasil, que compra toneladas de sementes de andiroba, ucuuba, murumuru e patauá.
Extração de azeites, produção de sabão e sabonete e cultivo de ervas
Mesmo com os números elevados de coleta de sementes, esta é a segunda fonte de renda destes trabalhadores, a primeira é o açaí. No entanto esta realidade está mudando. O manejo sustentável, a preservação da biodiversidade e a conscientização contra o desmatamento, está fazendo com que a coleta e extração das sementes aumente, e é justamente este excesso e o conhecimento que estão abrindo as portas para outras alternativas, como a produção de azeites. “Nós sempre extraímos o azeite das amêndoas, mas para consumo próprio e algumas vendas, agora, após os cursos, que nos abriram os olhos para este progresso, o que não é exportado, transformamos em azeite”, afirma a professora e extrativista Kátia Pantoja (foto)
Por enquanto, cinco famílias trabalham na extração de azeite de andiroba e pracaxi, e de março até julho, produziram mais de 100 litros. Eles são comercializados em garrafas de tamanhos variados, dentro dos padrões de higiene e para garantir qualidade, pureza e durabilidade. O processo é todo artesanal e sustentável, coleta, extração e engarrafamento, em que fazem questão de usar embalagens de vidro, para reaproveitar garrafas. Nas próximas semanas eles começam a extrair mel de abelha, trabalho interrompido por respeito às crenças da região, que só permitem a retirada do mel em tempo de “lua escura”.
Kátia explica que a comunidade não vai parar por aí, e além dos azeites e mel, estão se aperfeiçoando para fabricar artesanalmente sabão e sabonete utilizando como base o óleo da andiroba, e produzir mais ervas medicinais. “São produtos muito procurados, e temos que nos preparar. Trabalhamos dentro do padrão de sustentabilidade, coletando com responsabilidade e fazendo o reaproveitamento de garrafas”. A Associação aceita doação de garrafas de vidro escuro para as embalagens de azeite, e claras para o mel.
Exemplo de sustentabilidade no meio da floresta
No rio Maniva a autonomia não para na confecção de produtos naturais. Sem energia elétrica, a maioria das casas é abastecida com energia solar, que passou a substituir os motores a diesel e as lamparinas. Os painéis são alimentados com o sol escaldante da Amazônia, garantindo a energia que alimenta as lâmpadas, microondas, televisores com canais fechados e abertos, computadores e outros utensílios eletrônicos presentes na maior parte das casas, que também podem ter acesso à internet. “Temos qualidade de vida, nos alimentamos com o que tem no quintal, frango, ovos, legumes e verduras, temos peixe, açaí e camarão, conforto e independência financeira, principalmente as mulheres, que estão na linha de frente”, comemora orgulhoso o presidente da Associação, Geovanhi Facundes.
Serviço:
Para quem quiser comprar os azeites estão disponíveis nas seguintes embalagens e preços:
ANDIROBA
– 250 ml – R$ 20,00
– 330 ml – R$ 25,00
– 1 litro – R$ 80,00
PRACAXI
– 330 ml – R$ 40,00
– 1 litro – R$ 109,00
Informações e vendas por encomendas através do número: (96) 99142-9518
6 Comentários para "Ribeirinhos comercializam primeira remessa de azeites de andiroba e pracaxi puros"
Boa noite…
Gostaria de mais informacoes sobre o oleo Pracaxi. Tenho Interesse na compra.
Jo Branco
sou apaixonado por tudo que é do interior, passei minha infância percorrendo o Marajó.
temos uma loja em Macap´[a chamada ” Regatão O Escambau” que comercializa produtos da roça e das florestas …. temos muito interesse em fazer parceria com vocês , no sentido de comercialização de seus produtos .
nosso contato : (96) 991025678 e (96) 991293680
Gostaria de saber se vocês enviam para Jaboatão dos Guararapes Pernambuco.
Quero experimentar, vou entraram em contato, e ver se consigo para São Paulo!
Fico maravilhado de ver esses antigos conhecimentos emergirem das brumas do passado, trazendo desenvolvimento neste presente tão conturbado.
Lembro de minha infância de caboclo ribeirinho, e afuaense, lá pelos idos de 1960/62, desde cedo acompanhando via avó na coleta de sementes de andiroba, pracaxi e ucuuba, especialmente na foz dos pequenos rios, quando a água na “reponta”, parava todo o “lixo” trazido pela correnteza.
Equipados com uma pequena vara, tendo em uma das pontas um minusculo “paneiro” tecido com talas de arumã, ficávamos a juntar as sementes, uma a uma, até que o porão do “casco” estivesse cheio e fosse hora de voltar.
Com a andiroba e o pracaxi ela preparava azeites medicinais, que era o terror dos moleques, por ser usada para “curar” garganta quando inflamada. Com a ucuúba preparava sabão, enfim provendo as necessidades básicas do caboclo com o que a natureza tão prodigamente lhe ofertava.
Para fazer fogo, se extraia a resina do breu, excelente combustível, para fritar peixes, ovos e outros produtos, se usava o óleo de patauá, uma delicia, tão bom ou melhor que o melhor azeite de oliva.
Óleo de cozinha nem se sabia se existia. Para suprir essa falta sempre tinha um “capado”, bem gordinho, cheio de toucinho, que era preparado e se tirava a “banha” para se usar durante o mês todo, e claro, o torresmo torradinho pra comer com farinha “fresca”. Tinha também um famoso “chouriço”, feito com o sangue e restos de gordura, embalado na tripa lavada, e conservado no “fumeiro”, até estar no ponto para ser comida assado.
Que época! E interessante, caboclo não morria de câncer, infarto, insuficiência renal, e outras doenças. Quando morria, ou foi mordido por uma cobra, foi em uma festa, brigou e levou uma facada, ou como dizia minha avó: morreu de doença feia. Como se tivesse doença bonita.
Hoje que nos mata é a comida. Fast food! Vade retrum!