Elefante amazônico – A ponte sobre o rio Oiapoque

Do blog do jornalista Juremir Machado da Silva no site do jornal Correio do Povo, de Porto Alegre-RS, hoje:

Parece um conto maravilhoso do genial Gabriel García Márquez. Agentes alfandegários esperam viajantes ao final de uma ponte sobre a qual ninguém pode passar. Nem a pé. O sociólogo francês Denis Fleurdorge falou desse assunto, na semana passada, na sua palestra no XIII Seminário Internacional da Comunicação organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Famecos/PUCRS. Uma bela ponte estaiada liga o Brasil a França na floresta amazônica. Para quem não sabe, Brasil e França têm mais de 700 quilômetros de fronteira comum. A ponte, também chamada de elefante branco majestoso, liga a pequena cidade brasileira de Oiapoque (25 mil habitantes) a Saint-Georges de l’Oyapock (3.500 moradores), situada na luxuriante Guiana Francesa.

O projeto já começou com uma gafe. Os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Jacques Chirac reuniram-se, em 1997, para o lançamento da ideia. Chirac saudou FHC como presidente do México. Em 2008, Lula e Nicolas Sarkozy encontraram-se no Oiapoque para fazer a ponte sair do papel. O protocolo falhou. Lula foi de camisa de manga curta. Sarkozy de terno  e gravata. Em 2011, depois de 30 milhões de euros gastos pela França, a ponte sobre o rio Oiapoque, de 378 metros de comprimento e 3,5 metros de largura, ficou pronta. Mas não pôde ser inaugurada por falta de acordos bilaterais entre os dois países. Desde então, serve de cartão postal para raros turistas em busca de paisagens do fim do mundo. Acontece que para entrar na Guiana de carro é preciso um visto no passaporte e um seguro que só se pode obter em Caiena. Para chegar a Caiena de carro é preciso o seguro.

Os anos passaram lentamente sem grande avanços. A França destacou militares para patrulhar a ponte. Tudo está pronto. No lado brasileiro, porém, faltava construir o pátio da zona alfandegária. O humor dos brasileiros apelidou a ponte de estádio de futebol para a Copa do Mundo. Tão inútil quanto as arenas de Brasília e Cuiabá. A ponte é linda. As águas do Oiapoque correm lá embaixo deslumbradas e deslumbrantes. Há, porém, efeitos perversos. Mesmo inútil, provoca doenças. Os canoeiros que transportam as pessoas de uma margem a outra desde tempos imemoriais angustiam-se com o futuro. Sabem que um dia ela começará a funcionar. O que será deles então? Uma estrada asfaltada de acesso à ponte, no lado francês, serve para pedaladas de um ciclista solitário. Jornais franceses, vez ou outra, retomam o assunto com manchetes melancólicas do tipo “uma ponte para o nada”.

O Amapá faz fronteira com a França. A ponte deveria ajudar a circulação, o turismo, o comércio e a compreensão entre os povos. Por enquanto, a população de Saint-Georges vê muitos dos brasileiros do Oiapoque como ladrões. Muitas brasileiras são vistas como prostitutas. As autoridades garantem que, em breve, a ponte será inaugurada. Em 2013, numa sexta-feira 13, a abertura chegou a ser anunciada. Era só mais um mico. Segundo os idealizadores da ponte, ela deveria ser um símbolo. Por enquanto, não passa disso. Um símbolo da megalomania e da imprevidência humana. Um elefante amazônico.

 

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