Emocionante relato do Padre Paulo

Um sinal de Deus
Padre Paulo Roberto

Era uma sexta feira! Parecia ser mais uma das tantas que vivi. Na minha adolescência fui ateu e justamente no corpo mutilado, desfigurado do ser humano, eu não conseguia encontrar um sentido para Deus. E foi justamente mergulhando na profundeza da dor humana, que encontrei um sentido para a minha dor e a dor redentora do Cristo. Antes de começar a escrever este texto, eu ficava a me perguntar o que vão dizer sobre o tema aqui abordado. Não importa! Se ajudar uma pessoa ou levar alguém a refletir sobre aceitação, tolerância, auto amor e respeito já valeu a pena.
São tantos anos de padre e mais precisamente sete anos ao lado dos doentes de câncer, a rotina das Celebrações da paróquia, em especial as celebrações de quinta feira, que eu chamo de “HOSPITAL DA ESPERANÇA”, as poeiras do tempo e as perdas, começaram a fazer efeito no corpo. Naqueles encontros de fraternidade, quatro mil pessoas esperam por Deus; Por uma palavra de esperança, algo mais profundo que dê sentido às suas vidas, que resgate a auto estima. Tenho que está inteiro, para encontrar pessoas quebradas, mutiladas pelas dores, cruzes, perdas e fragilidades da vida.
A mensagem repetida sempre: “Amai-vos uns aos outros”. O amor cura tudo! O perdão é sagrado! Deus não desiste de você. Amar vale a pena! Seja grande, não desista de você! Voltando àquela sexta feira na qual pensava ser por demais enfadonha; uma das tantas atividades daquele dia seria a de ir ao banco resolver uma pendência administrativa. Eram exatamente nove e meia da manhã quando entrei numa fila de mais ou menos oitenta pessoas aguardando senha para os mais diversos serviços. Estava irritado, preocupado, a fibromialgia agindo no corpo e na mente, as demandas do Ijoma, vendo tantas pessoas sofrendo sem ter pelo menos uma ampola de morfina para aliviar as suas dores; confesso que naquele dia estava pensando em desistir. Eu que falava tanto de resiliência, naquele dia ao sair de casa pedir para Deus um sinal. Por mais pequeno que fosse, mas que mostrasse o caminho de não desistir; no fundo estava sem coragem para procurar o Bispo e dizer: ” Excelência estou aqui a pedir demissão! ” Havia um sentimento de derrota, de vergonha dentro de mim; pensava em cada doente que me abraçava ou dizia, o senhor é o nosso anjo. Estava querendo desistir do “sonho”, do “nós podemos”. Logo eu que falava tanto de esperança! Sabia que estava sendo covarde naquele momento. Queria jogar no chão a cruz por senti-la pesada demais.


Exatamente às 9:48 o celular toca. Estava a ouvir amenidades na fila longa e cansativa, como numa procissão, cada um em silêncio ou a dois refletindo suas dores e problemas. Novamente o celular toca, era precisamente 9:49. Queria sair logo do banco, pois pensava encontrar um tempo para procurar meu conselheiro para buscar uma orientação. Olhei o celular e me perguntei: “Quem será? ” Por segundos resolvi atender. Uma ligação que a meu ver foi o sinal que eu havia pedido a Deus.
Atendi a ligação e do outro lado da linha uma voz sussurrando, chorando, um lamento sentido, de dor, de suplica murmurou: “EU PRECISO DO SENHOR, EU PRECISO ME ENCONTRAR COM O SENHOR! ” Por segundos eu olhei o relógio, olhei para a fila, pensei na conversa com bispo; confesso que pensei em dizer que estava ocupado.
Entretanto, pensei nos meus discursos, nas mortes que poderiam ser evitadas, se fossemos mais solidários e a minha consciência foi mais forte e me fez ir ao encontro daquele desconhecido, que pela voz parecia ser um jovem; perguntei onde ele morava e se ele teria condições de ir até a Igreja ou até o Ijoma. Imediatamente ele se dispôs a ir no Ijoma. Sai do banco, peguei um taxi e ansioso, com o coração angustiado, dessa vez não mais pensado nos meus problemas, mas naquela pessoa que estava indo ao encontro, sem nem mesmo saber quem era. Uma coisa eu havia entendido, ele precisava de alguém e foi justamente eu que Deus indicou……. Logo eu que já estava querendo desistir de tudo.
Pedi ao motorista que por favor corresse como se aquele táxi fosse uma ambulância, pois eu ia salvar uma vida! Ele me olhou e pensou que eu estava bêbado ou estava brincando. Foram longos minutos entre o banco e o Ijoma. Intuir que o problema daquele rapaz seria suicídio. A poucos dias pedir um amigo e foram muitos que acompanhei esse ano. Enquanto corríamos me perguntava onde está o limite da vida e da outra vida? Pensava em mim, pensava em tudo e pensava naquele SOS. Como seria a pessoa que me aguardava? Seria um trote? De qualquer forma era melhor aguardar. Chegamos rápido, paguei o taxi e entrei correndo no Ijoma. O salão de recepção estava lotado e mesmo assim, ao entrar imediatamente olhei para um rapaz e ele para mim; naquele olhar de suplica, de dor, sem uma palavra ele me disse: “SOU EU”. A solidariedade dispensa apresentações. Como um médico socorrista que desesperadamente tenta ressuscitar um coração, eu sem nenhuma palavra pedir que ele me acompanhasse.Ele entendeu que podia contar comigo. Entramos no meu escritório e ele estava trêmulo, muito nervoso e pôs-se a chorar. Em silêncio permaneci, simplesmente contemplando a sua dor. Eu também fiquei nervoso, pois não encontrava palavras verdadeiras e profundas, inspiradas para que eu pudesse ser sinal de Deus para aquele meu irmão. Após alguns minutos perguntei se ele gostaria de falar; ele respirou fundou é me disse: “padre o que eu faço da minha vida? ”
E olhando nos meus olhos me disse: “Eu sou gay, tive uma decepção, me sentindo totalmente rejeitado, fragilizado, decidir tirar a minha vida; nesse exato momento pensei em Deus e veio o senhor na minha cabeça. Meio atordoado peguei o celular e liguei para o senhor. Não sei como encontrei seu número, minha ideia era ligar para alguém avisando onde estava meu corpo, no fundo eu não queria morrer, eu só queria ser escutado, queria ouvir a voz de Deus e quando vi estava ligando para o senhor. Em nome de Deus me ajude! ”. Diante daquele jovem mutilado pela dor, pelo preconceito, intolerâncias e fragilidades, eu me vi e vi toda a dor de Jesus, a dor de Deus, a dor de toda a humanidade. Ali não conseguia ver as fragilidades de uma pessoa, a sexualidade de um jovem, um drama, eu vi o próprio sinal de Deus a me dizer: “ELE É TEU FILHO, A DOR QUE ELE CARREGA DEVE SER A TUA DOR, POR ELE SEGUE EM FRENTE. ” A minha voz embargou, meu coração explodiu, eu abri os meus braços e simplesmente pedir um abraço! Ele que veio buscar um abraço e eu meio que envergonhado deixei a timidez de lado e fui eu que estendi os braços para ele e pedi um abraço; e ai Choramos juntos. Choramos as nossas dores, todas as dores, de todas as cruzes e juntos soluçávamos, eu de alegria, afinal DEUS havia enviado um sinal, e ele por ter entendido sem uma palavra que ele era amado por Deus! Eu por entender que por menor que seja a nossa dor, ela nunca será do tamanho da dor de Deus, pelas nossas ignorâncias, ódios, intolerâncias, preconceitos, falta de humanidade, de amor pelo ser humano. Aprendi diante daquele jovem que não teve vergonha de expor suas fragilidades, que ninguém pode desistir de si, de ninguém. Somos todos iguais. Aprendi que um simples abraço pode fazer toda a diferença, até salvar uma vida. Ele decidiu seguir a vida e eu voltei para a minha casa mais feliz e agradecido a Deus. porque afinal eu pedi um sinal e Ele enviou um filho dele para eu cuidar. Ali eu me encontrei com Jesus. Você que vai ler esse depoimento talvez diga que eu esteja blasfemando e eu digo para você que foi a forma que Deus encontrou para me explicar o sentido da minha missão: AMAR! SOMOS TODOS IGUAIS! NUNCA DEIXE PARA DEPOIS, O MANHÃ PODE NÃO EXISTIR. ABRAÇOS CURAM A ALMA! NASCEMOS TODOS PARA AMAR! Eu também preciso de um abraço. Voltei pra casa disposto a continuar minha missão de padre, dessa vez mais consciente, afnal Deus não pede mais do que nós podemos. E nós podemos muito, nós podemos mais.

  • Li atentamente do início ao fim e me emocionei. Pois eu sou muito ignorante em certos assuntos. E esse depoimento do Padre Paulo Roberto abriu muito a minha mente pra ver além das aparências. Somos todos filhos de Deus e amados desde o ventre de nossa mãe. Parabéns Padre Paulo. Faço parte até hoje da sua primeira Paróquia Santo Antônio do Jari.

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