MPF denuncia militar por crimes praticados na repressão à Guerrilha do Araguaia

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou à Justiça Federal em Marabá denúncia contra José Brant Teixeira, acusado pelo homicídio de Arildo Valadão e ocultação de seu cadáver. Segundo a denúncia, o crime ocorreu por motivo torpe e meio cruel, tendo a vítima sido decapitada a mando do então capitão do Exército brasileiro, em novembro de 1973.

A ação penal é assinada por sete procuradores da República e sustenta que José Brant Teixeira, usando o codinome “Doutor César”, participou da terceira e mais sangrenta fase do combate à Guerrilha do Araguaia, batizada de Operação Marajoara.

“Essa fase caracterizou-se pelo intenso grau de violência, especialmente por dois aspectos: (i) eliminação definitiva dos guerrilheiros, mesmo quando rendidos ou presos com vida; e (ii) forte repressão aos moradores locais, para a obtenção de informações que contribuíssem para a destruição do movimento dissidente. Na Operação Marajoara, houve o deliberado e definitivo abandono do sistema normativo vigente, com a adoção sistemática de medidas ilegais que visavam, notadamente, o desaparecimento forçado dos opositores, efetivado por meio de sequestros, torturas e homicídios, seguidos da ocultação dos cadáveres”, diz a ação do MPF.

O assassinato de Arildo Valadão ocorreu no segundo mês da operação Marajoara, em 24 de novembro de 1973, por meio de emboscada. Os executores do crime, após balearem a vítima, deceparam sua cabeça entregando-a a José Brant Teixeira.

Os executores eram camponeses da região do Araguaia recrutados pelo Exército através de ameaças, torturas e coação, como registra a denúncia do MPF: “já no início da Operação Marajoara, dezenas de camponeses e camponesas foram presos e levados para as bases militares da região, nas quais sofreram diversos tipos de violência. Nesse contexto, alguns camponeses engajaram-se nas atividades militares, colaborando no cometimento de ilícitos graves, entre os quais destaca-se a captura, execução e decapitação de Arildo Valadão”.

José Brant Teixeira foi denunciado pelos crimes de homicídio qualificado, agravado por motivo torpe, meio cruel e emboscada; bem como pela ocultação do cadáver da vítima. Os executores não foram denunciados pelo MPF por terem sido coagidos a cometer os crimes mediante tortura e violência.

A denúncia pede ainda o reconhecimento do direito de indenização por danos materiais e morais aos familiares da vítima e que o acusado seja condenado a perder o cargo público ou aposentadoria de que disponha, bem como à perda de medalhas e condecorações obtidas durante a carreira militar.

O relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) registra que, antes de atuar no Araguaia, José Brant Teixeira esteve sob as ordens diretas do então ministro do Exército, Orlando Geisel. “O capitão representava um elo com o alto escalão do Ministério do Exército, o que lhe rendeu elogios do chefe do CIE, general Milton Tavares de Souza. De acordo com Souza, Brant teve destacada atuação na luta contra os guerrilheiros no sudeste do Pará”.

A vítima Arildo Valadão era natural do Espírito Santo e estudava física na Universidade Federal do Rio de Janeiro antes de se juntar aos guerrilheiros no Araguaia, o que ocorreu em 1970, após a invasão de seu apartamento por agentes ligados à ditadura. Arildo Valadão era casado com Áurea Elisa Pereira, ambos ligados ao Partido Comunista do Brasil (PC do B). Empurrados para a clandestinidade por sua militância política, o casal engajou-se no movimento de resistência em curso no Araguaia.

A denúncia do MPF baseia-se em documentos do próprio Exército sobre a repressão à Guerrilha, em depoimentos de testemunhas e no relatório da CNV de 2014. De acordo com relatório do Exército, durante a Operação Marajoara, os guerrilheiros detidos eram presos, interrogados e depois levados para as bases de Xambioá, então sob comando de José Brant Teixeira; ou Bacaba, comandada por Sebastião Curió. No caso de Arildo Valadão, sua decapitação ocorreu em meio à mata, em local incerto; sua cabeça decepada foi entregue a José Brant, na Base de Xambioá, e o corpo foi abandonado no mesmo local em houve a emboscada.

Crimes imprescritíveis, permanentes e insusceptíveis de autoanistia – O embate jurídico travado pelo MPF desde o ano de 2012 sustenta que a responsabilização por atos criminosos cometidos no regime ditatorial representam atos de lesa-humanidade. Por isso, com base no direito internacional e em decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (caso Gomes Lund vs Brasil), trata-se de crimes não alcançados pela prescrição ou anistia.

As ações penais relativas à Guerrilha do Araguaia – o caso de Arildo Valadão constitui a sexta denúncia proposta pelo MPF – têm por objetivo ainda dar cumprimento à primeira condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em processo movido por familiares das vítimas que foi julgado em 2010. A sentença obriga o país a localizar os corpos dos guerrilheiros e entregá-los às famílias para sepultamento. Determina também a investigação dos crimes e a responsabilização dos envolvidos. O MPF entende que os tratados internacionais de direitos humanos sobrepõem-se à Lei de Anistia.

Por essa razão, o MPF entende que as ações penais destinadas a dar cumprimento à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH) não afrontam o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153. Na referida ação, o tribunal brasileiro declarou a constitucionalidade da Lei de Anista, enquanto a sentença da Corte IDH, em sede de controle de convencionalidade da citada lei, determinou a não aplicação da anistia no caso dos crimes cometidos pelo estado brasileiro na repressão à Guerrilha do Araguaia.

(Ascom/MPF-PA)

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