A liberdade de imprensa ameaçada

A liberdade de imprensa ameaçada
Renivaldo Costa*

Nas eleições de 2006, a jornalista Alcinéa Cavalcante lançou uma enquete em seu blog de notícias (alcinea.com) e sugeriu aos internautas que apontassem quais dos políticos amapaenses poderiam ostentar a frase: “O carro que mais parece comigo é o camburão da polícia”.

Reiteradamente citado na enquete, o ex-senador José Sarney não gostou das menções e processou a jornalista. Fazia um ano que ele havia deixado a presidência do Senado e eleito seu sucessor, Renan Calheiros. Além disso, era candidato à reeleição e uma jovem negra chamada Cristina Almeida crescia nas pesquisas e ameaçava seus planos. Resultado: usou de seu prestígio e conseguiu condenar a jornalista a pagar R$ 2 milhões de indenização.

No mesmo período, além de Alcinéa, também foram condenados o jornal Folha do Amapá (fundado por Elson Martins) e os jornalistas Humberto Moreira, Domiciano Gomes e a irmã Alcilene Cavalcante. No caso de Alcilene, a punição absurda ocorreu porque, ao publicar uma imagem do fotógrafo Chico Terra com uma charge com a mensagem “Xô, Sarney”, um leitor resolveu – no comentário – sugerir que ele voltasse ao Maranhão, de onde veio. Pasmem: Alcilene teve de pagar mais de R$ 30 mil de indenização ao ex-senador por uma mensagem de terceiros.

O poder de Sarney era tamanho que, mesmo considerando uma grande injustiça, muitos jornalistas se eximiram de fazer comentários ou prestar solidariedade aos colegas injustiçados, com medo de represálias.

Lembrei desse episódio pois, atuando como jornalista há 26 anos, nunca vi a liberdade de imprensa tão ameaçada como agora. Isso é perfeitamente compreensível pois 56 anos após o Golpe de 1964, cresce o coro daqueles que desejam fechar o Congresso e o Supremo e clamam por Ditadura. Afinal, como afirmou Jorge Pedro Sousa: “nenhuma ditadura sobrevive com uma imprensa livre”. Assim, como nenhuma democracia sobrevive sem uma imprensa livre.

Curiosamente, como estudante de Direito que agora também sou, foi que ouvi de um professor de Sociologia Jurídica, que cabe à imprensa, livre, ser a voz dos “sem voz”, de denunciar irregularidades e injustiças. De buscar aquilo que nem sempre está às claras e, para isso, precisará investigar. Sem liberdade em contrariar interesses, seja de pessoas importantes, de empresas poderosas ou de governantes, o jornalista não conseguirá exercer essa parte da sua função profissional.

Outro dia, numa palestra que fiz a estudantes de jornalismo, ouvi uma analogia que cai como uma luva a essa questão. “A liberdade de imprensa é para veículos de comunicação o equivalente ao que a liberdade de expressão significa a uma artista”. Não há como exercer os fundamentos do jornalismo e da comunicação em geral sem ampla e irrestrita liberdade em fazê-lo. O jornalismo deve atender à sociedade civil ao noticiar, informar, denunciar, escrever, detalhar tudo aquilo que é ou pode vir a ser de interesse público.

Eu quero acreditar que ainda possamos lutar por uma democracia onde ideias como amordaçar a imprensa e fechar as instituições democráticas, sejam até ouvidas (pois cada um tem o direito de expressar suas convicções), mas sejam de pronto rechaçadas, especialmente por aqueles que tem o dever de defender a liberdade e guardar a Constituição.

Nosso papel como jornalistas é fornecer as informações, os fatos e as verdades necessárias para que o público tire suas próprias conclusões e se “autogoverne” – expressão dos jornalistas e teóricos Bill Kovach e Tom Rosenstiel. Se ao cumprir esse mister, expomos mazelas, o ideal é que as corporações ou classes onde elas são expostas, façam “mea culpa” ao invés de simplesmente negar sumariamente, processar veículos e exigir indenizações vultosas, como ocorreu recentemente no episódio envolvendo a TV Equinócio e a Seccional da OAB/AP.

Ademais, eu prefiro viver numa democracia onde se valorize a liberdade de expressão e os excessos sejam punidos exemplarmente do que numa sociedade de mordaça, onde se imponha censura e intervenção contra tudo aquilo que ameace a manutenção de feudos e grupos políticos retrógados.

* Jornalista (Reg. Prof. 018/04) e sociólogo (Reg. Prof. 048/10).

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