BOM DE LAÇO
Milton Sapiranga Barbosa
Em seu comentário sobre a crônica “ Briga Boa”, o meu bom amigo Ruy Miranda Maia, indagou se eu já havia postado crônica falando dos papagaieiros famosos da bela época de Macapá de antigamente, do tempo que se podia dormir com as janelas abertas sem medo de ser roubado. Finalizando o seu comentário, o Rubilac (um de seus apelidos entre os moleques da Favela), teve a ousadia de dizer, que se o fizesse, contando quem era bom de “laço”, não citasse meu nome, pois eu não era bom para estar entre eles.
Creio que deu um branco na memória de meu amigo. Ele esqueceu de quem
cortava as “curicas” e as “cangulas” dele e de seus irmãos, rente o chão, pois eles eram “penosos”, que não empinavam acima da fiação elétrica. Mesmo assim, empinando bem baixinho, não tinha jeito, eu e o Dudú da Lindoca, meu parceiro, dávamos rasantes formidáveis com nosso papagaio (cada um dava um laço) e cortávamos os moleques pindurando na mão, termo usado quando se cortava o opoente com muita linha. No meu tempo de moleque, era raro se avistar uma “rabiola” no ar, exceção feita pelo seu Jorge, que não tinha paciência para empinar um papagaio normal, que dirá um guinador. A rabiola, ele dizia, subia com mais facilidade e com pouco vento. E era verdade. Nos dias de hoje, o céu fica colorido com dezenas e dezenas de rabiolas e suas enormes caudas “rabos”. O moleque de hoje não sabe o que é um papagaio “Vezinho, um Tê, Borboleta, Careta, Caveira, Três Bolas, Xis, Japão” . Guinador então nem pensar. Alguns filhos de bacanas empinavam papagaio Caixa e Arraia, que a gente tinha maior facilidade para cortar. Hoje existem dezenas e dezenas de fabriquetas de rabiolas, até porque fazer pipas virou uma profissão rendosa, principalmente durante as férias escolares, julho e final de ano, que são os períodos reservados para a referida brincadeira.
Os mini Box, mercearias, botecos e similares, ficam abarrotadas de rabiolas nos mais variados padrões. Antes a maioria da molecada fazia sua cangula, curica ou papagaio, mas o Guinador, só alguns bambas faziam, pois tinha que sair com as talas certinhas na horizontal e vertical, caso contrário ficariam “pensas” (pendendo para um dos lados, obrigando colocar um contra peso pra contrabalançar).
Entre os mais famosos papagaieiros que conheci, o melhor deles, na minha modesta opinião, foi o MINDODÕ, do Bairro Alto, que nos deixou recentemente. Quando ele perdia um laço, coisa rara, não se fazia muita questão do papagaio três bolas que “chinava”, o mais importante era pegar um pedaço da linha encerada pelo Mindodô, para emendar na nossa e colocar no “gargo”. E o moleque só procurava dar laço roçando na linha do adversário com o pedaço da linha do Mindodô.
A linha mais usada era a da marca “espingarda” (não fabricam mais), nos números 30 e 40, as mais resistentes. A de número 50, menos resistente, só era usada para fazer o rabo e o peitoral (em duas voltas). Como nem sempre tinha dinheiro para comprar um tubo de linha 30 ou 40, cansei de levar tabefes da dona Alzira, porque filava de sua máquina de costura umas quatro ou cinco braçadas de linha para fazer minhas curicas, cangulas e papagaios, quando tinha entre 8 e 12 anos.
Além do Mindodô, conheci outros papagaieiros famosos, como: José de Sena Bastos, Zé Oleiro, Ratão, Macaquinho, Wálter Damasceno, Manoel Paixão, Carlito, Bereco, Durval, os irmãos Silas e Belmar Salgado, Pelado, Dedé, Olavo, Pau Preto, Dr. Rocha, Dr. Iacy, Ferramenta, Nossa Amizade, Timbó, Lelé, Izo, Jarbas, Miracy, Érick Lucien e o Vevê. Sim meus amigos, o primeiro prefeito eleito de nossa cidade, o Raimundo Azevedo Costa, era muito bom de laço. Seu cerol era respeitado no bairro alto e adjacências.
No bairro da Favela, o Mário, filho da dona Lili, era o campeão, com seus papagaios guinadores, vermelhos, principalmente quando estava na vantagem e revirava o laço: estar na vantagem, significa estar na Jovino e seu oponente no meio do quarteirão da Mendonça Furtado; revirar a laçada: é levar seu papagaio para a direita e depois retornar pela esquerda, pindurando (puxar a linha fazendo seu papagaio pegar pinura ( ir bem alto) no seio da linha do adversário; Nesse tipo de laço, na maioria das vezes, sempre quem estava na vantagem vencia.
Na brincadeira o grande momento era quando alguém gritava “Lá se Vem” (quando o papagaio era cortado e chinava). Já quem cortava, gritava na hora; “ Lá Se Poula” ou “Lá se Vai”.
Era regra geral: Pegar com vara não vale: se pegar, “Guisa”. Mas tinha uns moleques parrudos que as vezes quebravam essa regra e outros que tomavam o papagaio que um menor pegava. Bem, aí era o jeito apelar pra baladeira. Andei inchando costela de muito moleque na Favela.
Cerol fino era pra discair (soltar a linha por cima da linha do inimigo), já o cerol grosso ou meio bololo (era para pindurar, já explicado em tópico acima). Dos vidros para pilar os melhores eram de magnésia e de garrafão de vinho, mas também se usava de ampolas, lâmpadas e outros. Uns sabidinhos, molhavam papel verde ou papel amarelo e espremiam no cerol e diziam que era aço do pique ou aço do muriate. E a gente temia enfrentar, pois eles diziam que queimava a linha. Na santa ingenuidade de criança, não pensávamos que, se queimasse, a primeira a ser queimada era de quem encerava com aqueles ácidos.
Hoje existe muita polêmica sobre empinar papagaio ( pipa) em Macapá, mas no meu tempo não, se brincava à vontade e éramos tão felizes.
9 Comentários para "Crônica do Sapiranga"
Olá Milton,
A provocação valeu demais, E o Alcione tem razão, o Zé Levindo(o Bimba), era fera na especialidade ‘pegar’. Você só esqueceu de citar o “seu” Brito, com suas caixas e rabiolas coloridas de longos rabos. Lembras, lógico, dos ventos geral e terral, e a linha espingarda mais cobiçada era o tubo de 1000 jardas, que realmente nem todos podiam comprar. Muitos dos bambas que você citou já me fugiam da memória. Um detalhe que nunca esqueço, no dia em que o Brasil foi Bi Mundial (1962), o “seu” Jorge enpinava um dos seus borboletas em frente a sua casa em torno de 15:00 hs, quando Zito fez um dos gols e depois a Amarildo fez mais dois. Lembro que o Pau Preto fazia seus papagaios com tala de palma de buritizeiro de forma invertida para não ficarem penços e o Mário com tala de jupatí ou bacabeira. Hoje, aqui, ao observar o céu nos meses de janeiro e julho, repleto de curicas e rabiolas de sacos plásticos de lojas e supermercados, sinto uma nostalgia ao recordar nossa infância e adolescência onde o papel de seda coloria os céus do nosso bairro da favela e porquê não dizer de toda a cidade de Macapá. Parabéns por nos presentear com suas crônicas, pois, elas sempre trazem uma mensagem, seja de recordação, ética ou dignidade humana.
Um abraço.
legal mesmo Milton.
Ops o sapiranga sempre com seus casos… que bom devia seer viver essa época, pois acho que as crianças curtiam a sua infância.. não como hj que os guris se prendem na frente de um pc ou um game! abraço SASAPIRANNNGGAAAA!
Muito bem lembrado, Mestre Milton. Era pequeno nessa época, mas aqui no Bairro do Trem, tinhamos muitos adeptos. Os famosos eram: O Bomba que só empinava com três tubos e usava cerol pico do aço,fazendo uma raspagem nos papagaeiros do campo dos escoteiros, ou seja, era o fanxião; o cica que fazia muito quinadores e o Três Quilos que era um exímio fabricante de guinadores tambem;o moza, os zuzus, Ze Fereira, Gananã, etc. Bons tempos que não voltam mais. Parabens Milton
Ah, Mestre Milton, faço referência ao papagaio “japão” que era proibido ser empinado à noite. Os moleques diziam ter ouvido alguém falar que, certa vez, um moleque não obedeceu os pais e seguiu empinando um desses e, já noite alta, cansado, resolveu recolher o instrumento de seu lazer. ao baixar o papagaaio, percebeu que o círculo vermelho estava Inflado. Ao espremê-lo, espirrou sangue no rosto do moleque e ele ficou cego.
Oi, Mestre Milton. Mais uma vez estás certo quanto a essa arte-lazer. Uma sugestão ao texto do grande mestre é quanto à expressão dita pelos papagaieiros (inclusive a platéia, que corria atrás das peças perdidas). Ao xinar, do ponto de vista de quem estava próximo ao laçador, dizia-se: Lau-vai-se,ou au-vai-se. Ainda se dizia: lau-pola-se ou au-pola-se. Do ponto de vista de quem esperava o papagaio, calculando a distância onde cairia, se dizia: lau-vem-se ou au-vem-se. Vc tem razão quanto aos papagaieiros famosos. Alguns só fazim sua arte com talas de “bacaba” ou jupati, as mais eficientes. Fui um papagaieiros mediano. Mas o cerol de vidro de magnésia, batido em lata de leite moça, sobre um trilho de trem, era inigualável. Concordo que a peça mais eficiente era o guinador, feito por poucos. Era como se fosse o Stradivarius dos ares. Um abação do discípulo.
Sr. Milton, não sou da sua geração, mas ainda no meu tempo soltávamos nossos papagaios. Eu costumava fabricar minhas cangulas com taboca colhida no “xavascal” que havia na área de baixo da residência do governador, antes de chegar ao Igarapé das Mulheres (nem me lembro se havia acesso por ali). O papel de seda, comprado na Livraria Martins, era colado com goma, já que a Cola Polar ficava muito acima dos nossos recursos financeiros. E, pelo fato de fabricar minhas cangulas, estabelecia com elas uma espécie de amor paternal. Por isso, quando algum ser alado se aproximava com más intenções, eu tratava de baixá-las. Só me recordo de ter perdido uma delas. Quando cortava a linha do outro, a molecada emitia uma interjeição que soava como “tôlasse” ou coisa parecida. E o corre-corre da molecada com um pedaço de pau, usado para resgatar o papagaio cortado ainda no ar? Pobre dos vizinhos se caísse no telhado de alguma casa ou no quintal. A invasão ocorria sem o menor constrangimento e sem que ninguém pudesse evitar. Só cachorro era respeitado. Lembro-me de que os perdedores, para não ficar sem opção de brincadeira, inventavam a brincadeira de “bode”, ou laço, utilizando as linhas enceradas para cortar a linha do adversário.
Legal. Remete à Infância e adolescência vividas na Favela. Relalmente os caras eram feras. O Milton, o Mario e o Rui , estes com os guinadores vermelhos e o Seu Jorge, com a elegância dos seus borboletas e o “treme” perfeito, que conferia respeito e admiração. Vale lembra ainda, extra-campo o Xinxa e o Zé Levindo que se sobressaiam pela inesgotável capacidade de correr atrás dos papagaios, quando pegavam penura, ainda que pelas brenhas dos terrenos do Platon e da Lagoa dos ìndios, que eram loge paca.
Abs
Alcione
muito bom, tenho 31 anos na minha época de moleque papagaiero, eu morava em belém, nordestino migrante, vivÍ quase toda minha vida no norte do brasil e esse conto me lembra minha infancia, pena hoje os moleques não poderem mais viverem este prazer, pois são tratados como marginais. ao invés de pensar em soluçãos o poder publico proibe para disfarçar sua incapacidade de criar areas para a diversão…triste ferias hoje em dia, triste ferias.
obs. quando nós perdiamos a rabiola, gritavamos “ALVAITSÉ! heheheh