Do fundo do baú – Entrevista do poeta e jornalista Alcy Araújo

Retirei do fundo do baú  esta entrevista que o poeta, jornalista e escritor Alcy Araújo Cavalcante concedeu no dia 6 de novembro de 1981, na Rádio Equatorial, aos repórteres e radialistas Pedro Silveira e Edivar Mota.

alcy3Pedro – Você está disposto a conceder a entrevista e responder perguntas mesmo indiscretas?
Alcy
– Em primeiro lugar não gosto de dar entrevistas nem de entrevistar. Mas a seqüência tem que ir ao ar e eu subo ao patíbulo.

 Pedro – Qual é a sua, poeta? Você é profissional de imprensa. Com mais de 40 anos de tarimba…
Alcy
– Certo. Mas não gosto de conceder entrevistas porque nem sempre as perguntas são inteligentes. Agora mesmo não sei se vocês vão fazer perguntas inteligentes.

Pedro –  Não se preocupe que eu e o Edivar bolamos algumas perguntas inteligentes. Afinal de contas a gente integra o que você já chamou de “trio de ouro” da radiofonia amapaense. Lá vai a primeira pergunta: Você parece ter idade indefinível e possui traços fisionômicos caboclos, amazônicos. Por que?
Alcy – Tenho a idade que aparento. Nem um ano a mais, nem um ano a menos. Vim do espaço sideral e aterrissei em Peixe-Boi, na extinta Estrada de Ferro de Bragança, Pará, Brasil, município de Igarapé-Açu.

Pedro – Quer dizer que sua terra natal é Peixe-Boi?
Alcy – Exato. Por isso não sou carne nem peixe. Mas sou estradeiro como o doutor Alberto Lima, o doutor Pedrosa e meu compadre José Epifânio de Souza.

Pedro – Seu nascimento em Peixe-Boi justifica os traços caboclos. Mas, em que ano você chegou ao planeta Terra?
Alcy – No conturbado ano de 1924. Em janeiro, dia 7.

Pedro – Você aterrissou em Peixe-Boi. E depois?


Alcy
– Fui crescendo. Aprendi a profissão de marceneiro, de polidor de móveis e de fazedor de versos e mais alguma coisa.

Pedro – Nesta alguma coisa está o jornalismo. Quando foi que começou?
Alcy – O jornalismo foi uma questão de salário e não de vocação. Eu ganhava salário mínimo, na marcenaria São Pedro, na Rua Sete de Setembro, em Belém, perto da Praça da Bandeira. Eram seis mil réis por oito horas de batente pesado. O jornal “A Folha do Norte”, do Paulo Maranhão, pagava oito mil réis por um plantão de revisão. Troquei a bancada da oficina por uma mesa de jornal. Daí a coisa foi indo naturalmente. Repórter de polícia, de esporte, de política, noticiarista, redator, secretário de redação, diretor, editor …. passei pelas redações do “O Estado do Pará”, “Pará Ilustrado”, “Diário Associados” e “O Liberal”.

Cópia-2-de-No-jornal-O-LiberalNo jornal O Liberal

Pedro – Como foi que você veio para o Amapá?
Alcy – Coisa de política. O Magalhães Barata, meu saudoso amigo, foi derrotado eleitoralmente para o governo do estado, depois de uma campanha terrível onde foi assassinado Paulo Euletério Filho, moço de grande inteligência, intelectual, que foi o primeiro chefe de polícia aqui do Território do Amapá integrando a equipe de Janary Nunes. Aí a coisa ficou difícil em Belém, não dava mais pra ficar lá. Então eu escrevi uma carta para o poeta Álvaro da Cunha, oficial de gabinete do governador Janary Nunes, dizendo que aceitava um convite que me havia sido feito para trabalhar no Amapá, em 1947. Vim, fiquei, estou aqui.

alcy4Alcy com o poeta, amigo e compadre Álvaro da Cunha

Edivar – Como funcionário público você venceu aqui no Amapá?
Alcy – Funcionário não vence. Tem vencimentos. Eu hoje em dia nem isto tenho. Tenho proventos de aposentado.

Edivar – Mas você ocupou cargos de relevo em algumas administrações. Eu lembro que você ocupou os cargos de diretor da Imprensa, oficial de gabinete, chefe do gabinete do governador, secretário geral. Falta alguma coisa?
Alcy – Falta. Fui chefe de expediente da Secretaria Geral, chefe da Assessoria Técnica do governador, assessor técnico da Câmara, diretor da Difusora, assessor de imprensa e assessor de relações públicas.

Edivar – Isto compensou sua vinda para o Amapá?
Alcy – Compensou. Valeu pelo que foi possível realizar numa terra em estágio pioneiro de desenvolvimento. Eu sou testemunha e participante de um período da  história do Amapá.

Pedro – Dizem que você é um técnico em ideias gerais. O que você realizou nessa estranha profissão?
Alcy – Muitos trabalhos. Alguns bem gratificantes moralmente. Tutu mesmo não deu. Atuei na elaboração do primeiro plano qüinqüenal da SPVEA e no plano de emergência para o mesmo organismo após o golpe de 1964. Esses trabalhos carrearam grandes recursos para a região.

Pedro – Um aparte. A SPVEA foi transformada no que é hoje a Sudam.
Alcy – Exatamente. Sou autor do quadro de pessoal da Câmara de Macapá e do plano de classificação do legislativo macapaense. Integrei a equipe que elaborou os projetos de desenvolvimento do Amapá, para o governo Jânio Quadros. Foi uma experiência frustrante. No dia em que a equipe concluiu os trabalhos o homem da vassoura renunciou. Mas existem outros trabalhos, como conferências, projetos, monografias e o mais ….

alcy2Pedro – E na literatura, o que você fez?
Alcy – Escrevi. Poemas, contos, crônicas que andam por aí em livros, antologias, suplementos literários e esta coisa toda.

Pedro – Há informações de que você vai lançar mais um livro
Alcy – Os originais do livro “Poemas do Homem do Cais” já se encontram no Rio de Janeiro e o lançamento está previsto para dezembro, quando completarei 40 anos de profissão como jornalista.

Pedro – Por falar nisto, como jornalista quais são os destaques de sua vida profissional?
Alcy – Não há destaques. Como jornalista a gente escreve para o dia e pronto. É o fato passando. É a ocorrência diária.

Pedro – Mas você foi contemplado com “menção honrosa” em concursos de reportagem e tem seu nome incluído em antologias e enciclopédias até no estrangeiro. Não considera isto como destaque?
Alcy –  Quando eu escrevi a reportagem “Amapá – verde Território da esperança” eu não visava prêmio, mas mostrar o Amapá para o leitor dominical. Aí deu “menção honrosa” e isso foi bom. Quanto as antologias e enciclopédias estão por aí. Modernos Poetas do Amapá, Brasil e Brasileiros de Hoje, Grande Enciclopédia da Amazônia, Grande Enciclopédia Portuguesa-Brasileira e outras.

Edivar – Você disse que não gosta de entrevistar. Qual é o motivo?
Alcy – É que o entrevistado sempre veste roupa limpa por cima da roupa de baixo, nem sempre imaculada. Diz meias verdades, meias mentiras e, quando percebo isto, fico chateado.

Edivar – Quem você já entrevistou?
Alcy – Muita gente. Assassinos, dignatários da Igreja, ladrões, políticos, presidentes e ministros da República, governadores, atletas, artistas, intelectuais. Todo mundo. Inclusive a Rachel de Queiroz, a pessoa mais difícil de entrevistar que eu já encontrei. Nesta época em que a realeza está em baixo astral, quando se diz que vão restar apenas cinco cabeças coroadas – que são as quatro do baralho e a da Inglaterra – eu já entrevistei um rei. (aqui Alcy ri)

Pedro – Peraí, Alcy, que rei foi este?
Alcy – Foi o Sacaca, rei momo do nosso carnaval.

Edivar – De que é que você gosta?
Alcy
– Gosto de flores, de juventude, de gente bonita passando, de mar, de noite, de anjos, de crianças sorrindo, de pato, pato vivo, pato assado, pato no tucupi e de outras coisas que Deus deve gostar também.

Edivar – E do que você não gosta?
Alcy – De gente burra, música tocando alto, gritos de dor, guerras, violência, bebida ordinária. E peço perdão por não gostar de alguma coisa que deve ser amada.

Pedro – Fale um pouco da sua vida particular
Alcy – Sou jornalista. Não tenho vida particular. Só tenho a pública. Acontece que há a vida íntima e desta eu não falo. A vida íntima pertence a cada homem, seja ele o Papa João Paulo II ou um gari da Prefeitura. De minha intimidade eu não falo.

Pedro – E das mulheres? Quantos amores em sua vida?
Alcy
– Ah, as mulheres. Acho que tenho um pouco de Vinicius de Moraes, mas ele ganhou o jogo. Ele deixou o gramado por morte e eu por aposentadoria.

O primeiro casamento com a professora Delzuite Cavalcante

Edivar – E como radialista, como é que tem sido?
Alcy – Tem pouca coisa pra dizer. Comecei lá pelos anos 40, na antiga PRC-5, Rádio Clube do Pará, nos tempos de Roberto Camelier. Depois estive fora dos microfones por uns 15 anos. Só retornei aqui no Amapá, numa emergência para apresentar o programa “Umas e Outras” do Agostinho Souza, na Rádio Difusora. Depois veio a Rádio Equatorial onde fui diretor de jornalismo. Em seguida, trabalhei na projeção e organização da Rádio Educadora. Fiz tudo ou quase tudo em rádio. Locução, produção, animação de auditório e o mais. Agora estou de volta aqui na nova rádio Equatorial.

Pedro – Fale agora do compositor.
Alcy – Na realidade não sou compositor, sou poeta e letrista. Tenho viajado muitas canções com Nonato Leal. Tenho parcerias com Aimoré Batista, Jacy Rodrigues, Nair Miranda e não sei quem mais.

Pedro – Você já venceu festivais e carnavais de rua
Alcy – Fui vencedor do Primeiro Festival da Canção Amapaense, com Nonato Leal. Com o mesmo parceiro consegui um segundo e um quinto lugar e com Jacy Rodrigues um segundo lugar. Nos carnavais de rua, de escola de samba,  consegui três primeiros lugares com Lendas e Mitos da Amazônia, Mãe Luzia e Banco do Brasil.

Pedro – Vamos parar. Uma vida como a do tio Alcy não cabe numa entrevista. Muita coisa deixa de ser perguntada e muita coisa deixa de ser respondida. Resta apenas saber uma coisa: você, Alcy, foi sincero?
Alcy
– Fui sincero comigo mesmo.

Pedro – E comigo, com o Edivar e com os ouvintes?
Alcy – Falei algumas verdades, algumas meias verdades e nenhuma mentira.

(O poeta e jornalista Alcy Araújo, meu pai, faleceu em 22 de abril de 1989 em Macapá)

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