Francisca Luzia da Silva, a Mãe Luzia, a Mãe Negra , faleceu em 24 de setembro de 1954 em Macapá, com mais de 100 anos.
Além de parteira, Mãe Luzia era excelente lavadeira. Quem a conheceu conta que ela só lavava roupa seminua, ou seja, sem blusa e sutiã. Mesmo sem nunca ter sentado num banco de escola, foi considerada “o primeiro doutor da região”. Era a parteira mais famosa destas paragens. Não se tem notícia de que algum bebê que ela tenha “aparado” e cuidado tenha morrido.
Cuidava das grávidas com rezas e ervas e dava-lhes amor e segurança como uma mãe dá para uma filha. A qualquer hora do dia largava a bacia de roupa para fazer um parto. A qualquer hora que fosse chamada à noite levantava e corria para “aparar” mais uma criança, para mostrar-lhe o mundo pela primeira vez.
Seu trabalho não terminava com o parto. Ela cuidava da criança e da mãe por vários dias, fazendo visitas diárias, dando-lhes banhos, fazendo curativos e rezas.
Mãe Luzia está na poesia dos poetas amapaenses, no altar do nosso samba, no carnaval (foi enredo de Maracatu da Favela) e num magistral samba de Alcy Araújo e Nonato Leal.
Mãe Luzia
Álvaro da Cunha
Velha, enrugada, cabelos d’algodão,
fim de existência atribulada, cuja
apoteose é um rol de roupa suja
e a aspereza das barras de sabão.
Mãe Luzia! Mãe Preta! Um coração
que através dos milagres de ternura
da mais rudimentar puericultura
foi o primeiro doutor da região.
Quantas vezes, à luz da lamparina,
na pobreza do catre ou da esteira,
os braços rebentando de canseira
Mãe Luzia era toda a medicina.
Na quietude humílima do rosto
sulcado de veredas tortuosas,
há um clamor profundo de desgosto
e o silêncio das vidas dolorosas.
Oh, brônzea estátua da maternidade:
ao te encontrar curvada e seminua,
vejo o folclore antigo da cidade
na paisagem ancestral da minha rua.