Estas mãos – Alcy Araujo

Estas mãos
Alcy Araujo (1924-1989)

Chegaste muito de leve e eu te estendi as minhas mãos. As mãos que falam a linguagem que eu não escrevo e as palavras que eu não posso dizer. Sei que entendes as minhas mãos e compreendes a sua gramática simples, feita de verbos e de pássaros.

O poeta declarou que foi com as mãos que o homem fez o sonho. Eu construí, com minhas mãos, a minha alma. Elas falam do meu amor, da minha esperança, da necessidade de tua luz dentro da noite em que produzi o barro e a estátua do nosso desespero.

Uma vez colheste as minhas mãos e elas se transformaram em imagens que tu abrigaste em teu seio, onde se transmudaram em pássaros e reproduziram ternuras há milênio, conclusas.

Um dia encontraste as minhas mãos cheias de lágrimas. Em outro, elas carregavam rudeza e maus-tratos. Em outro mais conduziam o gesto de bondade, que aquele lavrador crucificado que falava em aramaico, semeou pelo mundo.

Sei que te lembras quando elas estavam nervosas e coléricas e derramavam gritos de revolta. E quando tocaram muito de leve os teus cabelos, e era noite, e éramos o amor. E lembras também quando elas acariciaram a tua pureza e enxugaram as lágrimas que cresceram em teus olhos e iluminaram nossa sofrência, hora em que descobrimos nós dois e a nossa solidão.

E aqui estão as minhas mãos que se purificaram pelo teu beijo e cantam canções que só tu não desconheces, porque foram feitas dos segredos de nos dois.

Mãos que encontram as tuas mãos na renovação das partidas e na ânsia dos encontros repetidos. Mãos que se separam das tuas e para elas voltam em cada dor, em cada sonho, em cada aflição.

Aqui estão as minhas mãos: tuas mãos. Que te amam e imploram o perdão que tu não negas. Que são o sal das lágrimas. Que são paz e sol, silêncio e mar. Que são barcos e murmúrios.

Aqui estão as minhas mãos, falando palavras feitas de pássaros e de ausências e cantando canções sonhadas em segredo. Deposita nelas a tua esperança, porque posso dizer a ti: com elas construí os nossos destinos e o nosso amar, perante o Deus inaugural e uno, que nos ensinou o grande e aberto gesto de sofrer.

(Extraído do livro Ave Ternura)

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