Nesta quarta-feira, 5 de agosto, meu calendário cultural marca os 97 anos de nascimento de Álvaro da Cunha – um dos maiores poetas da região norte. Nascido em Belém do Pará, aos 23 anos veio para o Amapá onde desempenhou cargos e funções de relevo na administração, fundou revistas literárias, desenvolveu grandes projetos nas áreas econômica e cultural. Sofreu perseguições após ter lançado o livro “Quem explorou quem no contrato do manganês” e teve que deixar o Amapá. Morreu no Rio de Janeiro em 1995. Mas está vivo, muito vivo, na alma e no coração daqueles que conhecem, amam e valorizam a literatura amapaense.
Tenho belas lembranças desse poeta que frequentava muito nossa casa. Era padrinho de batismo do meu irmão Alcione. Nossa família guarda, com muito cuidado e carinho, fotos, artigos e poemas dele e cartas trocadas entre ele e meu pai Alcy Araújo.
Em 2008 escrevi e publiquei “Álvaro da Cunha – Um poeta a serviço do Amapá”.
Acho que vale a pena ser relido por isso publico de novo.
Álvaro da Cunha – Um poeta a serviço do Amapá
Amapá
irá o amor
amor que a tua paisagem
de sonho acenderá
no mais profundo
e lírico sial
de que sou feito e contrafeito.
Meu olho oral
vê e fala do teu ar
do teu céu
do teu mar
das tuas florestas.”

Nascido em 5 de agosto de 1923 em Belém do Pará, o poeta veio para o Amapá com 23 anos de idade, onde desempenhou cargos e funções de relevo na administração, como a presidência da Companhia de Eletricidade do Amapá. Fundou e colaborou com várias revistas literárias, como a Rumo, Mensagem e Latitude Zero.
Faz parte da primeira geração de poetas do Território Federal do Amapá, ao lado de Alcy Araújo, Ivo Torres, Aluísio Cunha e Arthur Nery Marinho. Estes cinco movimentaram o setor cultural amapaense, fundando revistas, criando clubes de artes e editoras, promovendo noites lítero-musicais e cursos de teatro e artes plásticas.
Sobre Álvaro, Alcy dizia que era “ um poeta a serviço do Amapá”. Estudioso dos problemas da região, escreveu a mais importante obra sobre a exploração do manganês: “Quem explorou quem no contrato do manganês”. Por causa desse livro sofreu perseguições, inclusive do governo federal, e teve que deixar o Amapá e se estabelecer no Rio de Janeiro, onde atuou no setor privado como técnico e diretor de escritórios de consultoria especializados em planejamento econômico.
Foi embora mas não perdeu os laços com esta terra onde, segundo ele, em vez de criar poemas “recolhia-os já feitos na paisagem”.
Alcy Araújo dizia que Álvaro nunca se liberou do sol da Latitude Zero. “Álvaro não desassumiu também sua deslumbrada e aberta responsabilidade de usuário, de amante e intérprete do verde incomum da Latitude Zero”, disse Alcy no prefácio do livro Amapacanto, considerado um atlas poético dessa região. “O Amapacanto, lançado em 1989, é uma verdadeira exaltação ao Amapá”, afirma o presidente da Associação Amapaense de Escritores, Paulo Tarso.
Além de “Amapacanto” e de “Quem explorou quem no contrato de manganês, Álvaro lançou também “Pássaros de Chumbo”, em 1961 no Rio de Janeiro.
Há centenas de poemas seus publicados em jornais e revistas do Amapá, Pará e Rio de Janeiro, que deveriam ser organizados numa rica antologia para que a nova e as futuras gerações possam conhecer um dos maiores poetas modernistas da região Norte.
Álvaro Cândido Botelho da Cunha morreu no Rio de Janeiro em 22 de fevereiro de 1995.
Amapá e eu há muitos anos.
logo nós dois
tão semelhantes e afins
que parecíamos drágeas da mesma vagem
múltiplos mútuos
grãos germinados gêmeos um do outro”
(Do livro “Amapacanto”)
– Tomei nota em meu livro, e alguém protestou.
Outra vez fui às docas. Conversei com Maria, na “Pensão da Estiva, e Maria explicou:
O meu homem me obriga a trabalhar para ele. Chega tonto de sono, e eu tonta de amor. Nos seus lábios tem éter, licor, ambrosia, mas os beijos que trazem são beijos cansados, desses beijos pesados, de amargo sabor.
– Registrei em meu livro, e alguém protestou.
A menina passava. A roupinha de trapos, a carinha mirrada, o corpinho franzino. Dei-lhe um copo com água, pus-lhe as mãos no cabelo, e a criança chorou.
– Mencionei no meu livro, e alguém protestou.
No irmão da menina, os dois olhos abertos eram duas estrelas que a lama ofuscou. Ele estava tão sujo, e olhava o meu terno com tanto interesse, que o embrulho de peixe escorreu-lhe das mãos e ele nem reparou.
Recuei assustado; encerrei o meu livro e joguei-o nas águas, mas o livro boiou. Apanhei-o com nojo. Rasguei-o em pedaços. E a angústia passou.
– Para que registrar as misérias da vida?
– Para que registrar? … minha voz repetia
e ninguém protestou.
2 Comentários para "Há 97 anos nascia Álvaro da Cunha – Um poeta a serviço do Amapá"
Bela e oportuna lembrança, Alcinéa.
Álvaro sempre presente.
Muito bom ter você, mantendo viva a chama:
dele, da poesia e da região norte.
Felizmente, meu pai, e sua poesia, continuam bem, no Rio.
Votos de saúde para você e todos aí.
Ivo Torres Filho
Grande e único poeta. Eu o conheci e também a sua obra através do querido poeta e amigo Alcy Araújo.
Valeu A lembrança, Alcinéa. Bjs.