Hoje é dia de Isnard Lima

Isnard Lima

Há exatos 71 anos nascia em Manaus o poeta, compositor e advogado Isnard Brandão Lima Filho, filho da pianista e professora de música Walkíria Lima e do mágico Isnard Lima.

“Nasci sob a forma de um peixe
e depois me alimentei de algas”

O poeta e meu compadre Isnard publicou dois livros: Rosas para a Madrugada (poemas, 1968) e Malabar Azul (crônicas, 1995).

“Estes poemas não tem idade
nem sexo
nem luz.
Nasceram por acaso
sem razão”

Morreu em 11 de julho de 2002 deixando inacabado um livro de memórias e pronta para a publicação a coletânea poética Seiva da Energia Radiante.

“Meu caro, se vir Maria
pelos caminhos da noite
pelos roteiros do dia
diga a ela que me fui”

Sobre “Rosas para a Madrugada“, lançado quando o poeta tinha 27 anos de idade, Alcy Araújo disse que “é um livro de um moço que procura os itinerários da vida, dentro de um mundo pleno de angústias e que se extasia diante do Milagre de Deus”.

“Queria te mandar um presente bem lindo
mas os anjos estacionaram lá fora
com medo de entrar em casa”

“Malabar Azul” é um livro de crônicas e o poeta dizia que escrever crônica é ofício difícil de exercer com arte. Nele deixa claro que não escrevia para as elites, mas para distrair o leitor inteligente contando suas “andanças e inconveniências, nem sempre em estado de graça.”.

“Caminhei dentro de mim mesmo, pacientemente.
Tropecei várias vezes, mas não caí, nunca.
E posso, agora, te dizer: Estou novamente livre. Liberto.
Vivo uma ânsia imensa e incrível de usar a própria liberdade!”

Há um outro livro, que não recordo o nome, apreendido pela Polícia Federal. Era época da ditadura. Naquele tempo um livro só poderia ser publicado após liberaçao da censura. Rebelde, Isnard não submeteu os originais à censura. Mandou imprimir o livro na gráfica do amigo conhecido por Periquito.

Tudo foi feito distante dos olhos da PF.

Convites não foram distribuídos e o lançamento não foi anunciado com antecendência.

Na véspera do lançamento, Isnard nos chamou para sua casa (nessa época estava casado com Carmozina e morava nos altos da Casa Ribamar, na rua Cândido Mendes). Atendemos ao chamado dele e fomos pra lá, eu e outros jovens poetas.

Isnard espalhou pelo chão da sala folhas de cartolina e pincéis atômicos. Deitados no chão, fazíamos  nas cartolinas o chamado para o lançamento. Cada um escrevia o que lhe vinha à cabeça ou saía do coração. Na manhã seguinte, a tarefa era espalhar os cartazes. E fizemos isso. O lançamento seria a noite.
No final da tarde a Polícia Federal invadiu a gráfica do Periquito e apreendeu todos os livros e nunca mais devolveu. Mais tarde justificou que o livro não poderia ser liberado porque num dos poemas Isnard falava de prostituição.

“Rua do Canal, ex do meretrício,
ainda tens matizes de prostituição”.

Foi por causa desse trecho que a PF censurou o livro todo.

Isnard vivia poesia, respirava poesia, pouco se dedicou à advocacia. Participou ativamente dos movimentos culturais numa época em que fazer cultura era coisa de gente que não amava o Brasil (lembram-se do “Brasil, ame-o ou deixe-o”?), coisa de subversivo que merecia estar na prisão. E, por combater com seus versos, o regime ditatorial Isnard foi várias presos na Fortaleza de São José de Macapá e no quartel do Exército.

“Meu poema é teu, irmão.
Está à tua disposição em qualquer lugar.
Meu berro de guerra não se perderá no ar!
Encontrará resposta em outras esquinas.
Subirá às praças, derrubando mitos.”

Hoje relembrando Isnard me bate uma tristeza danada ao perceber, mais uma vez, que os grandes poetas, escritores, artistas  que lutaram pela valorização da nossa cultura, que produziram desafiando todos os obstáculos, enfrentaram a ditadura e aplainaram o caminho para os que vieram depois estão relegados ao esquecimento. Não são lembrados pelos órgãos de cultura, quer estadual ou municipal, pelos professores de literatura (com raríssimas exceções) e por neo-artistas que acham que eles é que estão começando a história cultural do Amapá (santa ignorância!). A esses eu recomendo a leitura de um parecer do Conselho de Cultura, dado há cerca de 20 anos, que diz que “Isnard Lima é um marco importante na cidade, como a Catedral, a Fortaleza de São José, o Colégio Amapaense…”

“Minha lira de poeta
já não vale nada
Perdi meu sangue de esteta
no orvalho da madrugada”

2012
71 anos do nascimento de Isnard
44 anos do lançamento de “Rosas para a Madrugada”
17 anos do lançamento de Malabar Azul
10 anos da morte de Isnard

  • Quando Isnar foi a Sede dos Escoteiros do Laguinho, para mostrar ao Chefe Humberto o Rosas para a Madrugada, ficou sentado na Barbearia que existia em um dos miniboxes , na frente da Sede…e enquanto o Chefe não chegava , leu alguns dos versos que faziam parte do referido livro… fiquei impressionado, estava vendo ao vivo , em carne e osso, um Poeta…coisa que só conhecia das aulas de Português e Literatura, dadas pelo Mestre Munhoz.
    Poucos anos depois o reencontrei em Belém do Pará, na casa do Mario Banhos, hospedado, por alguns dias, e como eu ia estudar a noite com Mário e outros colegas, visando o Vestibular para Medicina, reencontramos o fio da meada de nosso papo, ainda em Macapá…Neste tempo, já fazia letras para Músicas de Mário Banhos, e outros colegas do Cursinho do Colégio
    Nazaré…ele ouvia, analisava e incentivava…
    Muitas noites nos acompanhava acordado, enquanto estudávamos na Sala, lá fora sentado sobre a luz da lua, criando versos, como quem desenha anjos!
    Ave! Poeta Isnard!

  • Um grande poeta que tive a oportunidade de te-lo como amigo
    Em memoriam ao meu saudoso amigo e poeta Isnard .
    Assim digo
    “ A arte é a mais bela expressão em forma e cor
    Tudo que tem vida morre, porem suas lembranças jamais.
    O poeta burila o sangue na arte e expressa o ser de corpo e alma
    Como um trabalho justo e perfeito”

  • Que linda homenagem!!!! Alcinéia, Isnard morou em minha casa por um tempo, meu saudoso pai Professor Gerson Trindade Pereira e ele eram amigos de longas datas. Hoje os dois já não estão conosco. Foi um aprendizado imenso conviver com uma criatura tão desprovida de qualquee tipo de luxo, vaidade ou qualquer coisa parecida. Vou procurar e vê se acho as fotos dele com meu pai e mando pra você. Bjo de luz no coração….

  • Conheci o poeta quando morei em Macapá de 1965 a 1976, quando ele frequentava o bar e mercearia do João do Roque, próximo de sua casa, onde eu trabalhava e onde Alcy Araújo e Pedro Silveira iam bater um papo molhado quando saiam dos estúdios da Rádio Educadora. Estudamos no Colégio Amapaense e, depois, na UFPa, tempo em que ele frequentava minha casa e varávamos a tarde consumindo louras na passagem Felicidade. A felicidade continua no mesmo lugar, a casa, também. Só a saudade é que naquele tempo não pintava por lá, mas agora…

  • Conheci Isnard através da advocacia, mas pouco falávamos de direito. A literatura e a poesia dominavam o bate-papo, claro, sempre molhando a garganta.

  • Um grande poeta que há 10 anos nos deixou,tive o prazer de conhece-lo quando ele foi na antiga fundecap solicitar ao diretor da época um colaborador para que digitasse seu livro “Seiva da Energia Radiante”, e tive o prazer de ser contemplado para realizar o referido trabalho.Saudações à família.

  • Alcinea,li a muitos anos em uma das edições do jornal a Voz Católica,um poema que o Isnard fez quando estudava para duas jovens que também estudavam em Belém.O nome é DUAS DAMAS E UM CORINGA.Homenageava você Alcinéa e a Maria Benigna,tenta resgatar.
    Poetas não morrem,viram jardim.

  • Muito e muito obrigada pelo carinho. Amei! O nome do livro que foi apreendido pela PF é Poemas de um Amor Cigano. Bjs

  • Que história maravilhosa. Vc, Alcinéa deixa a nossa vida mais poética, nos faz ver o mundo de uma forma sonhadora.

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