Carta de Álvaro da Cunha ao Alcy Araújo

Revirando o baú de lembranças, encontramos esta carta que o Álvaro da Cunha escreveu para o Alcy Araújo em 1984:  

RJ, 27.10.84

Alcy

Eu te conheço há quase meio século. De quando te achei, te assumi e te preservo. Os anos somam mais de quatro décadas. Nenhum outro amigo data de tão longe. Nem meu casamento é tão antigo. O mais velho de meus filhos é bem mais novo que o musgo da estima que eu te tenho.

 Juntos assitimos à revoluções prodigiosas. Somos contemporâneos e clientes de acontecimentos e mistérios que transformaram o mundo. Diante de nós houve uma grande guerra, os homens foram à lua, dominaram a tecnologia nuclear e satelizaram o espaço.

 De modo que tudo que te diz respeito, comigo tem a ver. Ma chateia o fato que te enerva. Aquilo que te ofende me atinge. E quem tua boca beija, a minha adoça.

Por isso mesmo sei que me entendes, inclusive desculpando meu silêncio de meses., até porque pessoas como nós se comunicam mesmo sem palavras.

 Dito isto, Alcy, vamos a um pouco de trabalho, pela ordem:

1 – Teu próximo livro – Aos  poemas que enviaste para montagem do JARDIM CLONAL, tomei a liberdade de juntar mais 13 – todos estes poemas antigos, e que não incluístes, não sei por quê, na tua AUTOGEOGRAFIA  nem nos POEMAS DO HOMEM DO CAIS. Copiei-os das várias pastas onde guardo teus poemas e tua correspondência desde o tempo que vivias em Belém do Pará. Perpetrei pequenas revisões. Fica a teu critério aprová-las ou não. Pois os poemas são teus, não meus, infelizmente.

2 – Tua carta bêbada – Que foi como chamaste a gravação em fita que veio regravar em mim o som da tua amizade e me envolver com tua palavra talentosa e boa. Escutei-a várias vezes com a Ester, a Cere, a Hiléia e os rapazes. E ainda a ouvi com o Armando e a Nilza, que ficaram comovidos principalmente com o trecho onde falas da tua conversa com o Luis Monteiro, a respeito da doença do Armando e do falecimento do Alberto.

Obrigado Alcy

3 – Os discos dos compositores e cantores- Como sabes, esse não é bem o meu setor. Não do ramo em crítica musical. Aliás, não sei compor, não sei dançar, nem tocar, nem cantar.

4 – O livro de Obdias Araújo – É sem dúvida surpreendemente melhor, muito melhor do que outros poetas novos que estão sendo lançados no Rio de Janeiro. parece que o Obdias já sabe que a poesia deve ser humana, revolucionária e formalmente boa. Vou ler mais uma vez e depois te escreverei a respeito.

Também depois darei minha opinião sobre o caso alienação de bens da ICOMI.

Então é só. Fala bem de mim à Maridalva e a essas tuas filhas maravilhosas e recebe um demorado e afetuoso abraço do

Álvaro da Cunha”

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