Sobre o poeta Ivo Torres

Quando, terça-feira, a filha do poeta me avisou “o papai faleceu”. Fiquei um bom tempo sem saber o que fazer. Passado o choque dei aos amigos a triste notícia. Queria escrever alguma coisa, mas travei diante da tela do computador. Ficava lembrando nossas tão boas, alegres e afetuosas conversas semanais por telefone. Era tão bom relembrar o tempo que ele morou em Macapá e ele me contava coisas dessa época e me falava de sua vida no Rio de Janeiro e conversávamos sobre o desejo que nós  tínhamos de nos reencontrar depois de tanto tempo.Quando criança, eu e meus irmãos o chamávamos de tio. Ele era padrinho do meu irmão Zoth, que ele chamava de Alcyzinho.
Estou falando do poeta Ivo Torres que faleceu aos 92 anos esta semana no Rio de Janeiro. Dos cinco primeiros poetas modernistas do Amapá, Ivo era o único que ainda estava por este plano.
No dia da sua morte não escrevi nada, mas fiquei imaginando Ivo chegando no céu, sendo recebido com festa pelos irmãos-poetas, seu compadre Alcy Araújo (meu pai), Aluízio Cunha, Álvaro da Cunha e Arthur Nery Marinho.

– Demorou, hein, poeta?
– Demorei não. Vocês é que vieram muito cedo.

E todos riram.
Sentaram em nuvenzinhas brilhantes e começaram a conversar e declamar poesias. São Pedro sentou no batente da porta celeste para apreciar e os anjos ficaram em volta deles ouvindo e aplaudindo.

“Sinto minha alma contente de me ter,
satisfeita por me viver
amada por meu amor.
Não me freio, estou entregue ao adiante.
Manhã magra de maio
sou teu adeus” (Ivo Torres)

“Do Gênesis, a alma preliminar
Depois vieram outras, outras, muitas outras
almas sobressalentes.
Umas alegres outras tristes.
E ficaram no meu corpo
até o fim da formação.
Então abandonaram a argila do poeta atual
e se dispersaram nos diferentes universos” (Alcy Araújo)

“Será sempre na mesma transparência 
que o dia de hoje
substituirá o de amanhã” (Aluízio Cunha)

“A água agora é cristalina.
Parece até com lágrima divina
se a divindade é pura como a água” (Arthur Nery Marinho)

“Não é por ti,  irmão,
que os sinos dobram.
Eles dobram (…) pelos que ficaram sós,
desfalcados de ti” (Álvaro da Cunha)

Ivo Torres nasceu em 20 de março de 1931 no Rio de Janeiro. Na década de 1950, veio para o Amapá para exercer o cargo de assessor técnico do governador. E junto com Alcy Araújo, Álvaro da Cunha e outros intelectuais e poetas fez um grande movimento cultural. Com eles fundou a revista Rumo, em 1957, considerada uma publicação de alta qualidade, identificada por críticos literários e renomados jornalistas como um veículo de comunicação dos mais importantes do país.Foi fundador e presidente do Clube de Arte Rumo e também da Editora Rumo, que lançou importantes obras como Autogeografia, de Alcy Araújo, e Quem Explorou Quem no Contrato do Manganês, de Álvaro da Cunha.
Ivo foi redator-chefe do extinto Jornal do Amapá, presidente da Associação Amapaense de Imprensa e da Sociedade Artística de Macapá. Mantinha uma coluna literária no Jornal do Amapá, fazia uma crônica diária para a Rádio Difusora de Macapá e na mesma emissora apresentava um programa cultural semanalmente.

Quando vice-presidente da CEA, Ivo morou nesta casa – que hoje só existe na lembrança

Ao deixar o Amapá voltou para o Rio de Janeiro onde continuou desenvolvendo sua atividade cultural; editou diversas antologias, foi curador de importantes exposições, assessorou a secretaria de cultura do Rio e nunca se desligou do Amapá. “Nunca esqueci o Amapá. O Amapá vive em mim”, disse-me ele há poucos dias quando, inclusive, conversávamos sobre a possibilidade de ele vir em junho a Macapá para a comemoração dos 70 anos da Academia Amapaense de Letras.

Ivo estava com 92 anos, mas lúcido, muito bem, produzindo, lançando livros, encontrando os amigos para um bate papo molhado e cultural praticamente todas as tardes num famoso bar do Jardim Botânico que frequentava há mais de 20 anos. Por isso, sua morte pegou todos de surpresa.
Ivo é autor de mais de vinte livros, entre os quais destaco Trono do Amor, O administrado do amor, Cascafruto, A cor/dando, Cromo Somos, Encadernação do Pasmo e Aicai.

Em 2020 a Prefeitura de Macapá publicou pelo projeto literário “Letras de Ápacam” seu livro Love and Love, uma reunião de cem poemas de amor escolhidos pelo próprio poeta.
Ivo faleceu na madrugada de terça-feira em seu apartamento. Infarto fulminante. Deixa dois filhos Ivo Filho e Júlia Torres.  O  velório  será nesta sexta-feira, 26, a partir das 14h30 na capela 8 do Cemitério da Penitência (R. Monsenhor Manoel Gomes 307, Caju), e o sepultamento às 17h10.

Ah, eu disse que Ivo morreu. Mas não. Ele não morreu. Poetas não morrem. Ficam encantados. Viram estrelas e lá do alto ficam soprando poesias e ternuras para nós.

Obrigada, tio Ivo, por todo carinho e afeição. Obrigada por sua poesia e por tudo que você fez pela literatura neste país e principalmente pela literatura amapaense.

Poema do Louco
Ivo Torres

Caminha o louco.
O céu do louco tem cor
permanente.

A alma do louco acoita
canções, que muitos cantam,
sem conhecer.

O louco não gosta de flores.
Aliás, nunca viu flores
genuínas.
Nem mulheres.
Nem meninos.
Nem nunca foi menino.

Não tem casa.
Não tem leito.
Não tem relógio.
Só tem a rua.

A rua branca
e sincera do seu mundo.

Neste momento, o louco chora,
porque lhe disseram que há
loucos que se curam.

(Os trechos de poesia e o Poema do Louco extraí da Antologia Modernos Poetas do Amapá)

  • Desde que se cogitou realizar o evento dos setenta anos da AAL pensei em trazer o Poeta Ivo Torres à Macapá. O último remanescente da Antologia dos poetas modernistas do Amapá. Eu o conheci através digo Alcy Araújo em 1982. No ano seguinte, no Rio, por muitas vezes nos encontramos quando fiz uma pós-graduação no IBAM. Fiz o lançamento do meu primeiro livro em 1984 a convite dele e me associaram ao Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro. Quase ele vinha parar de novo aqui na terra que tanto amava. O tempo é a distância são “doridos” , inventou ele.

  • Dois dias antes de sua morte, eu e o Fernando Canto falamos com ele por telefone. Foi um adeus! Eu lhe pedi cópias da Revista Rumo para o acervo da Biblioteca Pública Estadual Elcy Lacerda e da Academia Amapaense de Letras. Que sua alma esteja na Paz e na Luz!

  • Meu abraço carinhoso a vc querida. Abraço tbm para a família do poeta. O céu está em festa. Um sarau maravilhoso de poetas. Nossos mestres que partiram antes acolhem numa epifania de prosas e versos. O homem se vai. Sua poesia está viva entre nós. Amém!

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