Artigo dominical

O piloto do barco
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

 Certo dia Yen Huei apresentou ao mestre Tchong-ni a seguinte pergunta:

– Tempo atrás passei pelas correntezas do rio Chang-chen. O piloto do barco dirigia o bote com grande maestria. Então, perguntei para ele: É fácil aprender a dirigir o teu barco? Ele respondeu: “É muito fácil para quem sabe nadar. Aliás, um bom nadador consegue guiá-lo por instinto. Mas, tem mais: um excelente mergulhador saberia pilotá-lo sem nunca o ter visto”. Na realidade, o piloto do barco não respondeu a minha pergunta. O senhor saberia me dizer o sentido daquelas palavras?

Tchog-ni respondeu:

– Aqueles que sabem nadar podem aprender a dirigir o barco porque não têm medo das águas. O mergulhador, por sua vez, apesar de nunca ter visto o barco, sabe logo conduzi-lo porque para ele as águas profundas são como a terra firme. Assim, meu amigo, é fácil dirigir a tua alma se conheces o que é o céu. Por isso, em lugar de ficar discutindo sobre as coisas espirituais, procura conhecer e adorar a Deus.

Mais uma história da sabedoria chinesa. Não sei se os barqueiros dos imensos rios da Amazônia estariam todos de acordo com a opinião do sábio chinês, contudo é verdade que o medo tanto pode colaborar com o agir humano como paralisá-lo. Um pouco de medo serve, por exemplo, quando somos prudentes e evitamos arriscar inutilmente a nossa vida ou a dos outros. Ao contrário, em certas circunstâncias, os novatos morrem de medo, ao passo que os mais experientes agem com a maior tranquilidade e segurança. Não é por acaso que, em certas profissões, a prática vale mais do que os conhecimentos teóricos, ou, no mínimo, é decisiva para um bom desempenho. Sem dúvida, em certas ocasiões, a coragem, mais do que ausência do medo, é o resultado da experiência aliada às habilidades pessoais.

No evangelho deste domingo, Jesus nos exorta, por três vezes, a “não ter medo”. Os seus discípulos não devem temer aqueles “homens” que distorcem, manipulam e escondem a verdade. Um dia, tudo será revelado. Também os cristãos não devem ter medo “daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma”. Como não pensar nos tantos mártires da fé, mas também da justiça e da paz? Quantos pagaram com a própria vida a fidelidade àquilo que acreditavam ser o bem mais precioso para si e para os outros. Perderam o corpo, mas salvaram o sentido de suas vidas. Com o seu sacrifício, exaltaram aqueles princípios que dão valor à própria existência humana. Por isso, Jesus nos diz para ter medo, sim, daquele que pode matar, além do corpo, a alma, porque pode acabar com tudo aquilo que alimenta e motiva o nosso amar, sofrer, lutar: a nossa fé, as nossas esperanças e ideais. Para o Pai, conclui Jesus, toda criatura tem valor, portanto, porque ter medo? A confiança em Deus, pai amoroso, deve nos sustentar sempre nos momentos felizes, mas sobretudo nas provações, na hora da perseguição, da calúnia e da solidão. Quem tiver a coragem de testemunhar a sua fé, de declarar-se a favor de Jesus diante dos homens, será também defendido por ele diante do Pai.

Graças a Deus nunca faltaram, ao longo dos séculos, pessoas capazes de professar com coragem a fé cristã; deles e delas devemos guardar a memória e o exemplo. No entanto, em nossos dias, percebemos o esfriamento do entusiasmo a respeito da defesa corajosa dos próprios princípios e ideais éticos, morais e religiosos. O fanatismo ou a intolerância não devem ser confundidos com a defesa honesta das próprias convicções. Essa defesa deve acontecer no respeito aos direitos de todos, na liberdade de expressão para que não seja prejudicial aos que pensam diferente, mas sempre na firme certeza de estar contribuindo para o bem de todos.

Quando os católicos insistem sobre o valor da vida, da família, da liberdade religiosa e do bem comum, não o fazem para sustentar privilégios, mas porque acreditam que o abandono de certos valores seria gravemente prejudicial para todos. Estamos precisando de corajosos mergulhadores da realidade de Deus e do coração humano, capazes de dirigir o barco da história com mãos seguras e firmes. Sem medo.

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