Artigo dominical

O peregrino
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá   

 Certa vez, uma mulher muito pobre socorreu um santo mestre hindu, disfarçado de peregrino. Ela lhe deu hospitalidade, ao passo que muitos da aldeia o tinham enxotado. Na hora de se despedir, o peregrino lhe disse:

– Possa o teu primeiro trabalho de amanhã continuar para o dia inteiro

A boa mulher não entendeu este agradecimento e logo esqueceu as palavras do hóspede desconhecido. No dia seguinte, uma moça que ia se casar lhe trouxe um fio de ouro pedindo que bordasse o seu vestido de noiva. Com efeito, quando aparecia algum trabalho, a pobre mulher bordava. Ela desenrolou o fio e caprichou na encomenda. Quando acabou o serviço, percebeu que no chão tinha se juntado mais fios do que tinha no começo. Começou a recolhê-lo, mas quanto mais o enrolava, mais o fio se alongava. Passou o dia inteiro enrolando o fio. No final do dia, o novelo era de bom tamanho e sendo que, por tradição, a sobra do fio cabia de direito à bordadeira, ela pode vender o fio de ouro e, assim, ajeitar a sua casa e abrir uma pequena venda.

A notícia do caso extraordinário se espalhou pela vila. Dias depois, um rico comerciante encontrou o peregrino que estava voltando por aquelas bandas e o reconheceu pelas palavras da bordadeira. Convidou-o para ir à sua casa e o acolheu com todas as atenções. Pensou: “Se vou me mostrar generoso, com certeza, ganharei alguma coisa”.

Quando o santo homem se despediu, o comerciante pediu a bênção dele. O peregrino respondeu:

– Eu não dou bênçãos, mas lhe desejo que a sua primeira ocupação de hoje continue para uma semana inteira.

O homem correu imediatamente para o jardim da sua casa, onde estava escondido o cofre com o dinheiro. Pensava que se, naquele dia, estivesse começado a contar as moedas, iria contá-las a semana inteira e, desse jeito, elas se multiplicariam. No entanto, atravessando o quintal, teve sede. Parou no poço e encheu o balde de água. Não conseguiu mais parar. Tirou água do poço por sete dias. De tanta água, o jardim alagou e a casa dele ficou destruída.

É muito fácil entender que o amor quando é interesseiro deixa de ser tal, torna-se uma troca e perde o seu valor. No evangelho deste domingo, Jesus não dá uma simples resposta a uma pergunta – Qual é o maior mandamento da lei? – ele ensina mesmo o sentido do amor, ao menos como ele mesmo o entendeu, o viveu e quis transmiti-lo a todos nós.  O amor verdadeiro não se mede pela quantidade, porque de outra forma quem pode mais amaria mais, mede-se pela qualidade, ou seja, pela gratuidade. O amor verdadeiro só pode ser um dom, algo que sai do nosso coração e é oferecido, porque serve e faz bem ao outro e ao mesmo tempo a nós mesmos. O amor verdadeiro não deixa nenhum vazio, não faz sentir falta daquilo que doamos, pelo contrário, preenche outro vazio, aquele de um coração egoísta, incapaz de amar, cheio só de si mesmo, ao ponto que nele não cabe mais ninguém.

É por isso que Jesus une num só grande preceito o amor a Deus e ao próximo para que aprendamos a amar a Deus amando o próximo e, amando os nossos irmãos, comecemos a conhecer e a experimentar um pouco mais da realidade do nosso Deus, que é puro dom, pura generosidade, nada pede em troca, somente ama porque o amor é a natureza dele. Ele, Deus, somente pode amar.

É difícil entender isso, porque vivemos numa sociedade marcada por relacionamentos interesseiros; quase sempre pensamos que, cedo ou tarde, iremos ganhar alguma coisa em troca. Essa maneira de pensar está junto com o medo de doar, porque também temos medo de perder as coisas, de ficar sem elas. Sobretudo quando os bens que temos nos custaram algum esforço e um pouco de sacrifício.  Não queremos doar e depois reclamamos quando ninguém nos ajuda. Mas nós já ajudamos alguém pela simples felicidade de fazer uma obra boa, de fazer um irmão feliz? Por esse caminho vai ser difícil acreditar e confiar num Deus Pai bondoso, providente e generoso. Por isso, amparamo-nos, às vezes, com a “lei” do amor, cuidando de manter atualizada a lista das nossas boas ações. Ma o amor verdadeiro nunca será uma “lei” para ser meramente obedecida. Não se ama por medo do castigo. Não se ama para juntar pontos até conseguir o prêmio final. O amor verdadeiro só pode brotar de um coração livre, que sabe amar e fazer o bem, sem cálculo algum. Porque o amor se paga por si mesmo. É Deus amor em comunhão conosco e nós com Ele. Não tem recompensa melhor.

  • Alcinéa,

    O que está acontecendo em Macapá? Bloquearam o site da revista Veja e da editora Abril no Estado. Atentado grave contra a livre imprensa e liberdade de expressão. Desde sábado, ninguém consegue acessar. No resto do Brasil está normal.

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