BATE LATA
Milton Sapiranga Barbosa
Um dia, passando em frente a uma residência localizada na avenida Pedro Baião, no bairro do Trem, deparei-me com uma cena que há muito não via. Lá, um senhor, aparentando ter entre 85 e 90 anos de idade, proseava com um garoto de 8 anos de idade. Curioso, freei a bike, fingindo verificar algum problema em um dos pneus, pois queria ouvir o que a dupla conversava.
O senhor idoso contava ao garoto sobre casos de assombração que vivera em sua juventude, em andanças pela mata fechada, realizando caçadas noturnas. O menino ouvia atento, mostrando ao mesmo tempo em seu semblante, admiração e medo.
Sai de lá lembrando as histórias que os queridos pretos velhos de minha infância contavam, entre eles, tio Congó, Antonio Cirino, Bulivino, Pirico, Félix, Zeca Caiano, as Antônias Duarte e Mangabeira, os irmãos Casemiro, Bernardo e Margarida, dona Juliana, (mãe desse trio) e tantos outros, que cercados por dezenas de moleques da Favela, contavam histórias maravilhosas e em sua maioria, assombrosas. Em algumas delas eles diziam de pessoas, que em noite de lua cheia se transformavam em animais, geralmente porcos, que vagavam pela cidade em busca de crianças choronas, desobedientes e também aquelas que não gostavam de estudar e/ou de tomar banho.
E nos ouvíamos atentos, sem piscar. E o pior, acreditávamos. Eles também contavam que durante um eclipse, todo mundo tinha que fazer muito barulho para não deixar a Lua dormir, pois se ela adormecesse as crianças iam nascer defeituosas, as galinhas deixariam de por ovos, os cabritos não mais berrariam, a cachaça ficaria envenenada, o mundo acabaria. Aliás, que eclipses solares e lunares, no tempo de antigamente, eram reportados como maus presságios e causavam sustos ao acontecer.
Sempre que ocorria um eclipse lunar (ocorre quando a Lua e o Sol ficam em lados opostos da terra), a boa e velha Macapá era sacudida por um BATE LATA infernal, com crianças, jovens e adultos percorrendo ruas e avenidas batucando sem parar, no Centro, Trem, Laguinho, Favela, Igarapé das Mulheres.
Tudo que fazia barulho era usado pela população tucuju. Podia ser lata, panela, frigideira, ferro com ferro, não importava. Só não podia deixar a lua nem ao menos cochilar, quanto mais dormir, pois aí seria o caos, o mundo acabaria.
Depois que o eclipse terminava, devolvendo o brilho e o maravilhoso luar da lua cheia, era aquela festa. Todo mundo pulava, se abraçava, soltava fogos, pois para a alegria de todos, a lua continuava acordada. Depois que o eclipse terminava, tinha até quem se gabava de ter feito mais barulho , achando-se o mais responsável pelo despertar do satélite da terra.
A minha mãe, Dona Alzira, contava que em maio de 1947, eu então com 2 anos, um eclipse total do sol (só ocorre na fase da Lua Nova, quando a Lua se interpõe entre o Sol e a Terra), deixou todo mundo apavorado em Macapá. Foi uma loucura. Em plena 10 horas da manhã, o dia virou noite . Escuridão total. Todo mundo se abraçando e chorando, pensando ser aquilo um aviso de Deus que o mundo ia acabar.
Dizia ela que o Bate Lata para despertar o astro rei foi intenso, quase ensurdecedor. Até tiros de espingardas para o alto foram disparados. Os velhos canhões da Fortaleza de São José também troaram por várias vezes. No fim de alguns minutos, todos sorriam felizes, o mundo não acabara, afinal o sol voltara a brilhar intensamente para todos e assim está até hoje.
Bons tempos e de muita felicidade na Macapá de outrora. Como era divertido o BATE LATA na cidade, em especial, na minha querida e amada FAVELA.
Daquele tempo de bate lata, ainda estão por aí muitos amigos e conhecidos, entre os quais, Adelmo Caxias, Mauro Vilhena, Arideu Dias, Zuleide Farias, Barata, Paulo Armando, Moacir, Alcinéa e Alcione Cavalcante, Pilão, Carrapeta, etc…
PS: Todos os outros que fizeram barulho para acordar a lua, e que não tiveram seus nomes citados na crônica, sintam-se também lembrados e homenageados.
Você bateu lata? Então comente aí!
16 Comentários para "Crônica do Sapiranga"
Olá Milton,e quem da nossa época não bateu lata para acordar a lua?Seu comentário trouxe como sempre a lembrança de pessoas as quais, mesmo não sendo parentes, devíamos obediência. Minha madrinha Antonia Mangabeira (o melhor tacacá daí),Dona Antonia Duarte e seu Chiquinho Caiana,( consertavam nossos dedos torcidos), seu Félix, que aos 90 ainda tomava seu goró. Voltando ao tema, das estórias que nos eram contadas, com certeza a que mais impacto causava eram das pessoas que viravam animais( porco, matinta pereira,…). Sds,
Com certeza. Mamãe dizia se não batessemos as latas, o mundo ia acabar. Nós morávamos na Henrique Galúcio e tinha muita criança por lá. Bons tempos
Ahhhhh… você me fez lembrar, em 1994 ou 1995, passo umas pessoas correndo batendo penelas e varias coisas deste tipo, não entedi nada, mas minha mãe me falo que era pra acorda a LUA, so que não lembro se era bem um eclipse. No outro dia olhei p/ a LUA (acho que nunca tinha prestado tanta atenção na lua) e vi a lua se mechendo, pensava que ela estava caindo, chemei minha mãe e ela me explico que a terra era quem estava se mechendo e não a lua. Ai pronto so estudando mesmo pra entender hahaha. OBS tinha 05 (cinco) anos. Me lembrei agora deste fato.
Milton, sem comentários. Vc é d+. Manda outra crônica pra gente se deliciar e sacudir a memória. Um abraço.
Obrigado caro Milton, por fazer voltarmos ao passado, que era simples, humilde, cheio de crendices populares, mas repleto de felicidade. O próximo tema: Boi Bumbá e Aracuã, tradicionais das festas juninas.
Oi, Milton,é fantástico ler suas crônicas.
Parabéns!
Se não me engano, no final dos anos 60 ou inicio de 70 ocorreu um eclipse total que escureceu a cidade de macapá as 11:00 horas da manhã
É verdade, isso tudo nos faz voltar a infância que esta aí mesmo ao lado, completando com um bocadinho das minhas lembranças… quando eu não queria entrar para casa, já estava escuro, e não havia luz eletrica naquela época no laguinho, minha mãe dizi: anda… entra, senão o velho do figo vai te levar!! eita que era rapidinho que eu entrava… velho do figo era um homem que andava com uma saca nas costas e levava os moleques que estavam nas ruas para simplesmente lhes tirar o fígado e comer…rss. velha infância que não volta, mas caminha lado a lado comigo, que bom ter alguém com quem lembrar e caminhar junto.
o que mais encanta nas Crônicas do Sapiranga é o estreito laço com o regionalismo, muito bacana mesmo.
A freada da Bike pra ouvir foi demais!!
Por falar em acabar o mundo, algo do tamanho de um Titanic acaba de atingir Júpiter.
Parente, quando eu era moleque, que tinha esses eclipses, era a maior festa pra gente que nem tinha energia elétrica lá na Hildermar Maia, no buritizal. Eu lembro de um tambor de água furado (que a gente chamava tamburão) que sofria nos eclipses, pois a molecada metia a porrada nele. E também tinha a dona Zulmira, vizinha, que aparecia com uma garrafa cheia de água, na qual ela soprava e fazia um som interessante, que era também pra acordar a lua.
Olha sapiranga tenho que tirar o chapéu, pois e de ficar de queixo caído.
Mestre como se diz no nosso domino se eu tivesse agora eu tiraria o chapéu, minha mãe vai ter muito o que contar essa noite para filhos e netos, e acaba de lembrar que jogava pedras em tua casa quando ia fazer mandados comportamento de zuleide farias, já sei pra quem eu puxo valeu sapiranga velho de guerra.
Adorei, voce me fez voltar aos meus tempos de criança, quanta saudade da Tia Margarida, Arideu, obrigada.
Mestre Milton, que bom ler o que vc escreve. A coisa era assim mesmo: meio esperançosa, meio fatasmagórica. No tempo em que criança respeitava os mais velhos e acreditavam na palavra deles, o mundo era diferente. O tempo passava mais lentamente e se saboreava cada dia, de maneira intensa. Que legal lembrar dessa tradição que sucumbiu à modernidade. Parabéns, MESTRE. Que Deus te abençoe sempre!
Delícia de Crônica, Sapiranga..
Meu Caro Sapiranga…
Você, sempre fantástico com esses “causos” inusitados e únicos,
que só você sabe contar de uma forma clara e lúcida.
Me permita – por nossa amizade – fazer uma brincadeira (de incentivo ) com você.
O tema maravilhoso, bem explanado, indefectível.
Mas gostei mesmo, de sua sagacidade de detetive. Dígna de um Sherlock Holmes.
“Elementar,Meu caro”…Milton.
Parabéns amigo!
Continue mandando…
Grande abraço