Artigo dominical

O boi voador

Dom Pedro José Conti, bispo de Macapá

Certo dia dois frades brincalhões quiseram caçoar de São Tomás de Aquino e o chamaram para ver um boi voando. São Tomás saiu no quintal e ficou olhando para cima, procurando onde estava o boi voador. Enquanto isso, os dois frades riam à beça. Quando acabaram de rir, São Tomás ainda estava procurando ver o boi voando, sem se preocupar com as risadas deles. Os dois, então, perguntaram-lhe: – Frei Tomás, o senhor acreditou mesmo que um boi poderia voar?

– Ele respondeu calmamente: – Meus filhos, é mais fácil eu acreditar que um boi esteja voando do que os meus confrades estejam mentindo.

Claro que não somos obrigados a dar fé a todas as anedotas que se contam sobre as aventuras e as ingenuidades dos santos e das santas, sobretudo quando se tornaram famosos. Contudo faz bem para nós imaginar os santos e as santas um pouco, ou muito, diferentes de nós.

Basta fazer a lista de algumas bem-aventuranças do Evangelho. Começando pela pobreza. Nós sonhamos e nos preocupamos com tantas coisas materiais e eles, muitas vezes, renunciaram a tudo, ou se tiveram que administrar bens o fizeram com todo o despojamento e o desinteresse pessoal possível. Se falarmos em humildade, simplicidade e mansidão, muitos santos e santas foram campeões dessas virtudes: viveram vidas inteiras no anonimato, exercendo trabalhos humildes, buscando sempre o último lugar. Se por alguma razão ficaram famosos, na maioria dos casos, aquilo que chamaríamos “sucesso” era para eles mais um peso a ser carregado do que uma satisfação do próprio orgulho. Se algum santo ou alguma santa perdeu a paciência, foi contra coisas ou idéias erradas – alguns levantaram a voz, é verdade – foi para corrigir, implorar justiça, pedir a conversão das pessoas e das estruturas do seu tempo. Outros  clamaram pela paz, pelo fim das guerras, da miséria, da fome e da escravidão; derramaram o seu sangue acreditando mais na recompensa divina do que nas promessas dos seus perseguidores. Por fim, tantos santos e santas deram voz a um clamor silencioso feito de orações e de cânticos, no recolhimento dos mosteiros e na solidão dos eremitérios.

Os séculos passaram, mas a Igreja continua a declarar algumas pessoas santas, propondo a vida delas como modelo para os homens e as mulheres de todos os tempos. As apresenta como campeões que deveriam suscitar nos cristãos o desejo de serem imitados. Pessoas capazes de despertar em outras a vontade de gastar a própria vida para continuar as suas obra, para seguir o seu exemplo, doando tempo, inteligência e saúde, para uma grande causa, a maior de todas: o Reino de Deus.

Como educadores, pais, e sociedade em geral, devemos nos perguntar quais são os modelos de vida que apresentamos às crianças e aos jovens de hoje para que aprendam a dar um sentido grande e bonito às suas existências. Os pais de São Tomás Moro, como ele mesmo conta, queriam que ele se tornasse “grande”, isto é, crescesse bem, por isso o colocaram, desde criança, para servir como pajem em uma casa de pessoas consideradas “grandes” pela nobreza de ânimo, bondade, virtudes cristãs. Se os exemplos são mesquinhos, só podemos esperar resultados mesquinhos. Precisamos tomar coragem e apresentar à juventude pessoas que consideramos de valor, não simplesmente pelo sucesso humano, por causa do lugar que ocupam ou pelo dinheiro que ganham, mas, muito mais, por suas qualidades humanas e vivência cristã. Infelizmente, também entre nós, cristãos adultos, falamos mais dos defeitos dos outros do que das suas qualidades. Temos dificuldade de reconhecer a generosidade das pessoas, a dedicação, o esforço. Se como pais e adultos falamos mal da nossa comunidade, da nossa paróquia, com certeza não ajudamos os mais novos a querer se entrosar com os colegas da Igreja. Assim também fica difícil despertar vocações sacerdotais, religiosas e missionárias, se falamos mal de bispos, padres e freiras, ou se os únicos padres que prestam para nós são aqueles que passam, bem longe, na televisão, esbanjando charme, com pouse de estrelas. A honestidade e a sinceridade pedem que para os defeitos dos irmãos se recorra à correção fraterna; e para as virtudes se faça conhecer o exemplo deles, com alegria e entusiasmo. Tudo por amor à verdade, sem bajulação e exaltações inúteis, simplesmente felizes pelo bem realizado.

  • Que bela e encorajadora mensagem…Nossa sociedade está vivendo uma total inversão dos valores, morais, éticos, familiares. Muitos de nós, passaram a considerar um bom amigo aquele que pode oferecer um passaporte para o sucesso. Os laços de família, na maioria das vezes, não são mais baseados no amor sincero e no desejo de juntos estruturar uma vida. O que importa agora é,quanto se pode receber de pensão, caso o casamento não seja “feliz”. Assim está se estruturando nossa sociedade, baseada na cobiça, no egoísmo, na individualidade… Jesus quando passou por este planeta, também vivenciou uma sociedade completamente infeliz, porém através de seus belíssimos ensinamentos lanço no mundo sementes do amor, da paz e da solidariedade, e são essas sementes que devemos regar todos os dias para que elas se tornem árvores frondosas no jardim de nossa existência…

  • Mensagem rica em ensinamentos. Por exemplo, segundo nossa sociedade, o valor do ser humano se mede no que ele tem, e não em como ele é… Falar mal é fácil, já elogiar…Na era da destruição do planeta, deveríamos ser singelos como os religiosos que fazem votos de pobreza. Nossas vaidades são absurdas, e não combinam com a era do aquecimento global…E por fim, os nossos políticos corruptos deveriam meditar neste artigo do Bispo. O (excessivo) poder virou a cabeça deles, que prejudicaram milhares de pessoas. Esses politiqueiros deveriam se mirar no exemplo dos santos, ou nos cidadãos amapaenses honestos, que fazem as coisas certas e justas…

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