Artigo dominical

A Dieta
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Certo dia uma raposa viu um maravilhoso vinhedo. Pensou em se fartar com a uva. No entanto o terreno era bem protegido: tinha uma cerca ao redor. Depois de ter rodeado o vinhedo muitas vezes, a raposa encontrou, finalmente, uma brecha. Esta, porém, era muito estreita e, apesar dos seus esforços, o animal não conseguiu entrar. Então ela teve uma idéia: decidiu jejuar até conseguir passar pelo buraco da cerca. A primeira tentativa foi depois de três dias, mas não passou. Jejuou mais três dias, mas ainda estava muito gorda. Até que enfim, após nove dias, quando já não agüentava mais ficar em pé, conseguiu entrar. Com tanta fome, assaltou a uva e se fartou a vontade. “Valeu a pena tanto sacrifício” pensou a raposa, porque a uva era gostosa demais. Quando parou de comer e decidiu sair da cerca, descobriu que a sua barriga havia crescido novamente e que,  de novo, não podia passar pelo buraco. Tinha voltado à situação anterior com algo mais: agora, se quisesse reconquistar a liberdade não podia nem triscar na saborosa uva. A tentação era muito grande, mas a raposa agüentou outros nove dias de jejum até conseguir sair da cerca. A partir daquele dia, decidiu ficar bem longe daqueles prazeres que confundem os nossos sentidos e a nossa cabeça.

Mais uma vez estamos iniciando o tempo litúrgico da Quaresma. Somos convidados a acompanhar Jesus no caminho rumo a Jerusalém, onde sofrerá a paixão e a morte. Esta entrega de amor culminará com o domingo da ressurreição, quando celebraremos a passagem da morte para a vida. A vida nova de Cristo, uma vez por todas, vencedor do mal e da morte. Como cristãos deveríamos concentrar a nossa atenção nos acontecimentos da Páscoa do Senhor. Ali está o evento central da nossa fé. Se Cristo não ressuscitou, a nossa fé está sem fundamento, lembra-nos oportunamente São Paulo (cfr.1 Cor 15,14).

No meio de tantas preocupações, afazeres e tentações do mundo, como dar mais atenção à vivência da nossa fé? É neste sentido que o tempo da Quaresma nos propõe o compromisso com a esmola, a oração, e o jejum. A solidariedade com os irmãos necessitados abre o nosso coração ao amor fraterno, quebra o nosso egoísmo e nos faz perceber quanto faz bem à nossa vida experimentar a bondade e a misericórdia. A oração significa dar mais tempo à reflexão e ao agradecimento. O nosso pensamento se eleva a Deus; o reconhecemos como Pai amoroso e bondoso. Sentimo-nos filhos amados. Fazer um pouco de silêncio para louvar e agradecer ao Senhor é lucro para a nossa vida espiritual. Enfim, o jejum. Exige sacrifício, sem dúvida. Contudo é a maneira mais simples para nos educar nas escolhas, seja na própria comida e bebida, seja na maneira de administrar o nosso tempo e os nossos recursos. O jejum não é uma dieta qualquer, deve ser uma renúncia a algo que, percebemos, está nos prendendo, limitando a nossa liberdade. Todos nós entendemos que só renunciamos a algo se for para alcançar uma situação melhor. Aprender a escolher o que nos faz crescer nos relacionamentos humanos e na vida espiritual, porém, não é sempre fácil. Precisa discernimento. A motivação das escolhas não pode ser simplesmente o nosso bem estar ou a nossa vantagem. Sempre precisamos nos perguntar se os outros também estão ficando melhores, se estão aprendendo e seguindo o caminho certo. Numa família, por exemplo, se cada um decide por sua conta o que é melhor para si, antes ou depois a família se desfaz e cada um segue pelo seu caminho imaginando poder ser feliz sozinho. O mesmo vale para as nossas comunidades, para um país inteiro e até para o planeta terra. Devemos nos educar a escolher o que serve e é bom para todos e não somente para nós ou o nosso grupo. Isso exige limitações e renúncias, mas o bem que vem como conseqüência, esperamos, seja o melhor para todos. Nesse sentido um “jejum” que nos educa à solidariedade e ao amor fraterno é salutar para a nossa convivência e a enriquece de sentimentos e valores.

Voltando à historinha. A raposa jejuou duas vezes. A segunda vez, porém, foi para conquistar a liberdade e para aprender a pensar mais nas conseqüências das suas ações. Evidentemente as raposas não pensam tanto assim. Quem deve organizar a própria vida e ter mais claro o objetivo e o resultado das suas ações somos nós seres humanos, dotados de inteligência e sabedoria. Mais ainda para nós cristãos. Perder o rumo da própria vida é amargo para todos. Pior para quem foi chamado ao seguimento de Jesus, porque se afasta do próprio Senhor. A Quaresma é um tempo oportuno para retomar o rumo certo da nossa vida: seguindo os passos de Jesus, até a cruz, para estar com ele também na ressurreição.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *