Artigo dominical

A erva venenosa
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Um eremita passou sessenta anos afastado de tudo e de todos. Até então tinha levado uma vida de mortificações, alimentando-se somente de legumes e de uma erva venenosa, que crescia perto de sua choupana. Após tanto tempo, estava perdendo a coragem porque não fazia nenhum dos milagres extraordinários que, como haviam lhe contado, faziam os outros Padres do deserto. Resolveu, portanto, deixar a solidão e ir morar na cidade para conduzir uma vida mais cômoda. Mas Deus vigiava e, antes que realizasse o seu plano, enviou-lhe um anjo que lhe disse: “O que você pensa e o que você fala? Quais maravilhas podem superar o milagre da sua vida? Quem lhe deu as forças para agüentar todos estes anos neste lugar? Quem abençoou a erva venenosa com a qual se alimenta e faz que se torne inofensiva? Fique no lugar onde está e rogue a Deus que lhe dê a humildade”.

Fortalecido pelas palavras do anjo, o santo eremita ficou naquele lugar até o dia de sua morte.

O evangelho deste domingo nos diz que Jesus “nada lhes falava sem usar parábolas” (Mt 13,34). Cumpre-se, assim, a palavra do salmo 78 no versículo 2. Das três parábolas apresentadas, a mais conhecida e discutida, talvez, seja a do joio e do trigo. Quantas vezes essas palavras são usadas para explicar que o bem e o mal existem, juntos, na vida e é muito difícil separá-los, e que  também não cabe a nós julgar e condenar? Sem dúvida seríamos completamente cegos se não enxergássemos as tantas coisas erradas que acontecem, como também se não reconhecêssemos as boas. A nossa existência é uma mistura de bondade e de maldade, de virtudes e de defeitos, de alegrias e de tristezas, de vida e de morte. Cada pessoa, que se considera boa, precisa ficar alerta para não tornar-se m á. Mas também ninguém é tão mau que não possa fazer alguma coisa boa, em algum momento da sua vida. Depende das circunstâncias, das ocasiões e dos exemplos que temos à nossa frente. Contudo a parábola, parece-me, pode nos revelar, como sempre, muito mais.

Se de um lado Jesus quer nos dizer para sermos conscientes do mal que nos atenta e que também cresce conosco e ao nosso redor, do outro lado em nenhum momento da parábola o joio e o trigo se confundem. Tanto é verdade que os empregados se oferecem para arrancar o joio. É sinal que o joio e o trigo são bem visíveis e reconhecíveis. A separação, o julgamento e a fogueira acontecerão só no final. Por enquanto, o joio e o trigo crescem juntos, mas não se confundem ao ponto de não conseguirmos distingui-los mais. Com isso, penso que o Senhor nos ensina a sermos realistas, ainda se não vivemos no céu onde só há coisas boas) mas também não estamos ainda no inferno (onde há somente coisas más). Cabe a nós, neste tempo da história humana que nos é doado, fazer crescer o bem, isto é, construir um mundo melhor. Mais d o que ficarmos reparando as ervas daninhas o tempo todo – em geral sempre são os defeitos e as culpas dos outros – devemos nos esforçar para crescermos bem como o bom trigo, fruto da boa semente. Muitas vezes perdemos tempo para falar mal dos outros, querendo arrancar o que julgamos estar errado no mundo. Deus tem mais paciência e esperança do que nós. Ele é o dono do tempo e dá chance a todos. A questão, portanto, é procurarmos ser, cada vez mais e melhor, o bom trigo que cresce, nunca desanima e firma as suas raízes perseverando até o momento final.

Talvez a maior tentação que experimentamos hoje seja o desânimo, no sentido de achar já perdida a luta contra o mal. Nesse caso, é sinal que o joio já contaminou a nossa esperança. Ao contrário, ser cristãos realistas significa ter consciência da força do bem, mas, ao mesmo tempo, da força do mal e, com isso, das nossas limitações humanas. Podemos errar e deixar crescer em nós mesmos mais o joio do que o trigo.

Ainda bem que o Senhor, na sua bondade, nos dá o tempo necessário para crescermos. E, sobretudo nos garante que a semente é boa e os frutos também serão bons. Ele nos dá a força para continuarmos no caminho certo apesar das dificuldades, das tentações e dos fracassos. É como a erva venenosa do eremita da história. Quem dava um jeito para que não o matasse? O bom Deus! Conviver com as coisas erradas é difícil, mas não ser sufocados e nem desanimar é mais obra de Deus do que nossa. “Não tenhais medo” repetiu tantas vezes Jesus.

Nada de desejar uma vida mais cômoda, com menos dificuldades. Vamos nós também ficar onde estamos, enraizados no Senhor Jesus, combatendo o bom combate do amor, da justiça e da paz. O Reino é de Deus e vai crescer como a semente de mostarda que se torna árvore e a massa que recebe o fermento. Mas essas são as outras parábolas do Evangelho deste domingo.

  • O ceu é um lugar muito bom pra onde ninguém quer ir.
    Digo isso porque não conheço um cristão, por mais puro que seja (ou pareça), que queira morrer.

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