Um truque
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá
No tempo em que os hotéis ainda não eram avaliados pelo número de estrelas como sinal de qualidade, um homem tinha dado o nome de “Cinco Estrelas” ao seu estabelecimento. O lugar era bonito, o serviço impecável e os preços concorrenciais, no entanto o nosso amigo não conseguia clientes suficientes. Algo não funcionava. Já estava à beira da falência e do desespero quando um colega brincalhão o aconselhou, simplesmente, a mudar o nome do hotel. As cinco estrelas ficariam pintadas na fachada, chamando a atenção das pessoas, mas o nome passaria a ser “Hotel Quatro Estrelas”. O dono achou tudo isso perda de tempo, mas seguiu à risca a sugestão. Dito e feito. As pessoas que passavam contavam as cinco estrelas pintadas, mas, vendo o nome, per cebiam o erro. Assim, bem educadas, entravam para perguntar se o dono – ou o pintor – sabia contar direito. Nesta brincadeira conheciam o ambiente, eram bem acolhidas, apreciavam a comida e, muitas delas, acabavam ficando hospedadas. O dono, evidentemente, esmerava-se em agradecer a todos os que o ajudavam a corrigir o erro.
Nem sempre as coisas e as correções funcionam tão bem. É muito fácil apontar os defeitos dos outros, muito mais difícil é aceitar a correção, sobretudo quando somos nós que devemos reconhecer o quanto estamos errados. Mais difícil ainda é agradecer quem nos corrige e considerá-lo como um irmão e verdadeiro amigo. Sem a vontade de sermos melhores, toda correção pode ser interpretada como intromissão na vida dos outros. É por isso que bem poucas vezes conseguimos exercer a virtude cristã da correção fraterna.
No entanto Jesus, no evangelho deste domingo, ensina-nos os passos necessários para vivermos em comunidade a verdadeira correção. As condições são claras. A primeira é que entre as pessoas tenham laços de fraternidade. Somente se confio no irmão e acredito que ele esteja me corrigindo para o meu bem, e não com outras finalidades, consigo aceitar a correção. Outra virtude indispensável de ambos os lados é a humildade. Quem corrige não pode ser arrogante usando palavras de condenação. Isso porque quem corrige sabe ser tão pecador como aquele que está sendo corrigido. Nada de superioridade, somente atenção e paciência. Também quem recebe a correção precisa de humildade. Talvez tenha alguma explicação ou desculpa por ter cometido o erro, porém a vontade de melhorar e a bondade do coração fazem com que acolha com simplicidade a correção. “Se ele te ouvir, tu ganhaste o teu irmão” diz ainda Jesus.
A correção verdadeiramente fraterna e humilde nos faz crescer na fraternidade e na amizade. Deveríamos ser gratos a quem nos ensina a sermos melhores. O contrário disso são as críticas ferozes, as fofocas debochadas e todas as formas, mais ou menos sutis, de zombar do outro. Nesse caso, criaremos inimizade, ódio e ressentimentos. Ganharemos um inimigo e não um amigo.
Nesta altura, entra em jogo também a comunidade, mas só depois de exaurir as tentativas pessoais. Como a dizer que não devemos tornar público o possível erro do nosso irmão, sem antes ter esclarecido a sós com ele as razões do pecado ou da ofensa. Isso porque o que nos parece tão errado, pode não sê-lo tanto assim e, quem sabe, quem deva emendar-se e pedir perdão sejamos nós. O diálogo pessoal e o entendimento fraterno devem ser sempre o primeiro passo. Espalhar os erros do outro, acusá-lo na frente da comunidade sem a clareza da situação pode ser uma grave injustiça, pior do que o próprio erro do irmão.
Poderíamos continuar muito sobre o assunto. Nas nossas comunidades, no nosso ambiente de trabalho, muitas vezes achamos impossível a correção fraterna ou chegamos a ficar contentes com os erros dos outros nos iludindo de sermos melhores. Não poderíamos – ou deveríamos – tê-los avisado antes? Pior ainda quando a correção fraterna não funciona mais nem nas nossas famílias entre esposo e esposa, entre pais e filhos. O que deveria ser um exercício de virtude e de humildade fere tanto o nosso orgulho que achamos insuportável quem tenta nos corrigir. Somos e criamos cobras venenosas.
Fazemos tantos pedidos interesseiros ao Senhor. Por que não pedirmos, todos juntos, a Ele o dom da correção fraterna tendo como objetivo o nosso crescimento humano e espiritual? Ele vai nos atender porque sempre está no meio dos irmãos reunidos no seu nome.
Fique claro, portanto, que a correção fraterna é para ganhar irmãos e não clientes como no hotel do nosso amigo. Aquele foi apenas um truque.
1 Comentário para "Artigo dominical"
Ainda há pouco estava com Dom Pedro na Festa em honra a São Benedito e falávamos sobre a correção fraterna.
Que bom que Alcinéa nos prestigia todos os domingos com a palavra de Deus. Parabéns!