Artigo dominical

Único manto verde
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Um discípulo e o seu mestre estavam atravessando uma planície verdejante no meio da qual se destacavam árvores majestosas.

– Mestre, disse o jovem discípulo, nós, homens espirituais, não somos talvez como estas grandes árvores que se elevam tanto sobre o tapete de grama que está de baixo delas?

– Não sei, respondeu o mestre, deveríamos perguntar a Deus. Ele vê as coisas do alto. Para ele árvores e grama são um único manto verde!

A tradição africana do Quênia nos deixou essa boa resposta do mestre espiritual ao aluno vaidoso. Deus vê as coisas de maneira diferente. O nosso enxergar é humano, curto, orgulhoso e interesseiro. O olhar de Deus é amoroso e misericordioso para com todos. Essas palavras já poderiam ser suficientes para acolher a novidade da parábola dos trabalhadores da vinha que o Senhor Jesus conta no evangelho deste domingo. Mais uma vez, precisamos ir além de uma leitura imediata, onde prevalece o critério do merecimento pelo esforço dos operários da primeira hora. Com efeito, somos conduzidos pela própria parábola, a partilhar a reclamação dos trabalhadores que acham injusto receber a mesma moeda, como os últimos que trabalharam só a última hora do dia. Evidentemente o misterioso patrão da vinha pensa e age com outros parâmetros.

Em primeiro lugar, o dono da vinha gostaria que todos trabalhassem para ele. Alguns não foram contratados? “Ide vós também trabalhar na minha vinha”, diz-lhes o patrão. Nesse caso, a nossa atenção deve orientar-se pelo chamado. A parábola está nos falando do Reino dos céus; seria impensável acreditar que alguns sejam chamados e outros não. Dar um sentido bom à própria vida, ficar ocupados fazendo o bem é a vocação de todos. Ou será que alguns têm vocação para fazer o mal? Dar um grande sentido a própria vida, perceber as possibilidades do bem, da bondade e da justiça que temos é o primeiro passo para colaborar com a construção do Reino de Deus. Ficar sem saber o que fazer com a própria vida não é nada bom; pior ainda deve ser entregar a vida à violência, à mentira e à corrupção. Decidir-se para o bem sempre será o primeiro e fundamental passo a ser dado por nós. Não decidir ou optar pelo mal já seria a outra possibilidade, mas, sem dúvida, não a melhor.

Deveríamos nos deixar tocar pela bondade de Deus e não buscar privilégios ou merecimentos indevidos. Deveríamos nos alegrar com todos aqueles que, de uma forma ou de outra, buscam colaborar na construção do Reino de Deus. Ter inveja porque Deus é bom corresponde a negar a própria bondade de Deus. Os que aparecem  como privilegiados nos evangelhos não são os que se achavam justos, mas sim os pecadores, os afastados, os sofredores, os excluídos. Mais uma manifestação da grandeza do amor de Deus e da mesquinhez de quem quer ensinar a quem Deus deve amar e a quem não.

Devemos concluir, então, não haver merecimento nenhum por serem operários da primeira hora? Também não. Eles devem se cuidar para não serem os últimos, em razão da inveja e da incapacidade de alegrarem-se com a bondade do Senhor. Contudo o prêmio não será o resultado de uma simples contagem de horas de trabalho ou de um contrato a ser cumprido. O prêmio sempre será um dom gratuito de Deus. Um dom que, a princípio, ninguém mereceria, por causa dos nossos pecados, contudo poderá ser recebido conforme a grandeza, também, do nosso coração. Quem souber se alegrar com os pecadores arrependidos (e quem sabe se os primeiros não somos nós mesmos) quem souber  se alegrar com qualquer gesto de bondade e de perdão, participará da própria alegria de Deus. Não tenho dúvida. Mais nos assemelhamos com a generosidade e a bondade de Deus, mais também seremos recompensados com a alegria de entender o valor do bem “bem feito”, da caridade vivida e não somente badalada.

O contrário dessa alegria é, evidentemente, a infelicidade de quem só enxerga defeitos nos outros; de quem reclama por se achar não adequadamente reconhecido nas suas extraordinárias qualidades. E quem disse que aos olhos de Deus essas qualidades são tão “extraordinárias” assim? Perdemos muito tempo disputando entre nós para aparecer melhores do que os outros. Deveríamos ficar felizes por qualquer gesto de bondade. Seria mais um passo na construção do Reino. Não deveríamos ficar somente olhando “a nossa altura” – muitas vezes imaginária – mas aprender a enxergar com o olhar de Deus. Trabalhemos por uma humanidade que seja “um grande manto verde” de amor e de paz. Começando pela grama láem baixo. Semdisputas e sem invejas.

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