Artigo dominical

O diamante e o pó da estrada
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Um casal de esposos, depois de renunciar ao mundo, juntou-se a um grupo de peregrinos que se dirigiam aos lugares santos. Um dia, caminhando à margem da estrada, o marido seguia à frente da esposa há uma boa distância e viu um diamante brilhar no meio da poeira. Imediatamente começou a cavar um buraco para esconder a pedra preciosa. Tentou fazer isso o mais rápido possível com medo que a sua esposa chegasse e, vendo o diamante, pudesse desejá-lo, e assim perdesse todo o merecimento da renúncia ao mundo que juntos haviam feito. Ainda estava enterrando o diamante quando a mulher chegou e logo perguntou o que estava fazendo. O homem deu uma resposta evasiva, como alguém que procura uma desculpa. Naquele momento, a esposa viu o diamante; percebeu logo o pensamento do marido e a sua desastrada tentativa. Com amargura disse a ele:

– Como é que você diz que renunciou ao mundo se ainda sabe distinguir um diamante do pó da estrada?
É fácil entender por essa história da sabedoria oriental que conseguir dar às coisas – e às pessoas – o valor que merecem, sem transformá-las em ídolos a serem adorados, não é nada simples. O brilho do poder, das riquezas e do sucesso fascina qualquer um. Jesus, com as palavras do evangelho deste domingo: “Dai, pois a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, não admite nem trocas e nem confusões. César poderia até ser o homem mais poderoso deste mundo (do Império Romano naquele tempo) no entanto nunca poderia ser Deus. No máximo tornou-se um dos mais famosos deste mundo, bajulado e idolatrado, mas Deus, que fique bem claro, é outra coisa. Jesus, com a sua surpreendente resposta, não nega a obrigação de pagar os impostos, por isso não incentiva nenhuma revolução, mas também não dá espaço à adoração de um pobre mortal, cujo único poder estava na arrogância das armas e do medo que elas conseguiam criar. Jesus é fiel ao primeiro mandamento: “Não terás outros deuses além de mim” (Ex 20,3).

Com isso, Jesus nos ensina não somente a não endeusar ninguém, como recorda aos poderosos deste mundo, aos que se acham acima de tudo e de todos, que isso é uma ilusão: acima de todos somente Deus e a ele todos nós, inclusive os grandes, teremos que responder. Grande lição de humanidade. Com efeito, somente com a consciência clara das nossas limitações e obrigações talvez consigamos organizar melhor a nossa vida e a própria sociedade. Quem se exalta, ou é exaltado demais, perde e faz perder a cabeça. Nesses casos, infelizmente, a história humana já registrou grandes desastres, grandes injustiças e grandes sofrimentos.

Gostaria, porém, de fazer uma leitura menos dramática – me perdoem a palavra – desta frase tão famosa de Jesus. Penso, sobretudo, em tantos irmãos e irmãs que exercem cotidianamente o seu trabalho. Se o ofício não é simplesmente o ganha-pão para aquela pessoa, ela deve sentir alegria e satisfação em exercer as suas funções. Vale para as profissões mais prestigiadas, de grande responsabilidade e competência, e também para qualquer operário que possa ver o resultado do seu esforço. Até um simples olhar para trás e ver a rua limpa, porque varrida com esforço e paciência, deve dar alguma satisfação ao gari que suou tanto para conseguir aquele resultado. Quero dizer que sem um pouco, ou muita, paixão, é difícil trabalhar. Procurar cumprir bem as próprias tarefas e fazer as coisas funcionarem nos enche de alegria. Gostar do próprio trabalho, profissionalizar-se mais, acreditar na própria capacidade de superação e de melhoria, é dar a César o que é de César, ou é dar a Deus o que é de Deus? Cabe a cada um dar a sua resposta. Contudo é fácil entender que se o nosso trabalho nos ocupa tanto a ponto de esquecermos a família, a comunidade, o próprio Deus, significa que fizemos dele o nosso ídolo, um caminho fechado para a nossa exclusiva satisfação. Podemos, porém, usar bem da nossa profissão, do nosso suor, para o bem de todos, para que outros também cresçam em sabedoria e dignidade, experimentem o lado fraterno, simpático e agradável da vida. Servir a Deus pode significar para alguns renunciar a tudo, é verdade, mas para a grande maioria das pessoas pode ser simplesmente usar bem das coisas e das capacidades que o Senhor lhes deu e colocá-las a serviço dos irmãos, com coragem e desprendimento, sem orgulho e auto-exaltação. Porque servindo aos irmãos serviremos também a Deus. Bons resultados, cada vez mais humanos e fraternos também são dons de Deus.

O casal da história queria enterrar a pedra preciosa. Afinal o diamante não era como o pó da estrada. Podiam sempre doá-lo aos pobres ou fazer alguma obra boa, em nome de Deus. Talento enterrado não serve. Mas essa já é outra página do Evangelho.

  • O Bispo escreve muitíssimo bem, com muita profundidade, e nós agrade3cemos a este blog por estas postagens…

Deixe um comentário para beth zhalouth Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *