Artigo dominical

Uma planície maravilhosa
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Um estudioso, um comerciante e um governador foram assaltados por ladrões durante uma viagem no deserto. Ficaram sem nada e perdidos por não conhecer o lugar. Finalmente foram socorridos por um eremita que morava naqueles lugares íngremes. Ele os levou à sua cabana e depois de tê-los alimentados e curados, disse-lhes:

– Aqui estamos fora do mundo; daqui a alguns dias chegará o pior frio do inverno. A minha cabana é muito pequena, portanto cada um de vocês trate de construir a sua se não quiser morrer congelado.
Os três responderam juntos: – Mas nós queremos continuar a viagem!
– Impossível – encurtou o eremita – a neve já está alta e todos os caminhos para sair deste vale estão bloqueados.
– Como viverei sem os meus livros? – chorou o estudioso.
– Como viverei sem os meus negócios? – exclamou o comerciante.
– Como viverei sem os meus súditos? – perguntou o governador.

Apesar das reclamações, os três começaram a trabalhar, construíram três casinhas de pedra e conseguiram cobri-las antes que as tempestades de neve chegassem. O inverno foi longo, mas aos três pareceu breve. Não tendo mais nada para fazer redescobriram o prazer de estar juntos, conversar, rachar a lenha, limpar os caminhos, sentarem-se ao redor do fogo deixando correr a memória pelas lembranças alegres e tristes. O eremita ficava observando, algumas vezes participava e lhes falava de Deus com palavras que faziam palpitar os seus corações. A primavera voltou, mas os três sempre adiavam a partida. Uma vez queriam ajudar o eremita a semear, outra precisava tosar as ovelhas e o céu azul era cada vez mais bonito para se contemplar. Certo dia, porém, o eremita os chamou e disse:
– Não escuto mais vocês falarem de livros, de negócios e de súditos. O que esta acontecendo?

Os três baixaram a cabeça e ficaram calados.

– Eu sei como vocês se sentem e ficariam por aqui, se escutassem a voz do seu coração. Mas não é possível, devem voltar aos seus livros, aos seus negócios e aos seus súditos. Mas não sejam mais escravos deles como antes! Sejam livres, sejam os donos das suas vidas e se quiserem mesmo ter um patrão, escolham o meu que vos deixa a maior liberdade!

– Os três partiram no mesmo dia. No caminho descobriram que não tinha vale algum. Era tudo uma planície maravilhosa onde resplandecia o sol de Deus.

No evangelho deste domingo, Jesus repreende os mestres da lei e os fariseus por serem falsos mestres. Isso porque ensinavam, mas não colocavam em prática o que transmitiam. Exigiam dos outros, mas se esquivavam do compromisso. As palavras do Senhor serão sempre pesadas para quem, ainda hoje, pretende transmitir aos outros, por exemplo, a Palavra de Deus. Quem quer ensinar, mas não dá o exemplo, deixa muitas dúvidas e não convence mais ninguém. Todo educador sabe disso, a começar pelos próprios pais que querem impor a sua autoridade aos filhos que carecem de exemplo e carinho.
Jesus, porém, quer nos conduzir a reconhecer nele o único mestre e guia, porque, simplesmente, viveu o que ensinou. A esta altura, poderíamos nos perguntar se entendemos a mensagem dele. Isto porque hoje parece que gostamos mais de ensinar do que de aprender. Esquecemos que qualquer um de nós, antes de ensinar, deve aprender muito e por muitos anos, além de ter experimentado em sua própria vida o que pretende ensinar. Mas não é assim. Consideramo-nos mestres e pretendemos transmitir os segredos da vida. Dar conselhos – aos outros, lógico – é extremamente gratificante,  sentimo-nos úteis e, afinal, não custa nada.
Ser mestre de verdade é outra coisa. Primeiro é preciso dar o exemplo e falar mais com a vida do que com as palavras. Segundo, o exemplo oferecido não pode ser uma imposição e sim um abrir caminhos para que o outro, atraído e convencido, prossiga com liberdade, autonomia e responsabilidade. Ao contrário, os falsos mestres são os ídolos de sempre – o dinheiro, o poder e o sucesso – que dominam a nossa vida e, também, o nosso orgulho, o querer sempre estar no centro das atenções, a nossa autopromoção. Hoje é infeliz quem não chama atenção. Falsos mestres são aqueles e aquelas que precisamos imitar no vestir, no falar, no consumir, conforme as modas.  Isso nos faz sentir importantes ou, ao menos, como todos os outros. Assim ficamos escrav os das falsas necessidades, trocamos o indispensável pelo supérfluo.
Jesus não deixou nenhuma moda, não vendeu nenhum produto, não arrebanhou ninguém para se promover. Deixou as pessoas livres de segui-lo como também de recusá-lo e até de crucificá-lo. Seguir o Mestre é encontrar a liberdade de amar e servir. É continuar a mexer com livros, negócios e responsabilidades, mas com a liberdade de quem enxerga mais longe, muito mais longe. A liberdade de quem enxerga Deus, o único Pai de todos.

  • Boa tarde,Dom Pedro! Bonita e sábia a sua mensagem. Eu tenho muito cuidado com essa coisa “tempo”. Em tudo que faço busco fazer com amor, sensibizar o olhar para não cegar para a beleza que há na simplicidade, nessa Casa linda chamada de Planeta Terra.
    Sou educadora e tenho a responsabilidade de me fazer bela, para que as pessoas possam sentir em mim a beleza da qual falo. Vejo Deus em todos os lugares, em todas as pessoas e em toda obra de criação Divina. A Vida para mim é um templo Sagrado. Deus anda comigo nas praças,nas margens dos rios,por todos os lugares, mas para sentí-lo é necessário silenciar… Obrigada! Sua mensagem gerou em mim singelas reflexôes.
    Paz e luz!

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