Artigo dominical

O jovem, os ladrões e a agulha
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

            Uma história do Sudão. Certo jovem andava pela floresta sempre desarmado. Todas as vezes, o pai o repreendia por causa dessa imprudência e dizia:

– Você não tem nem uma agulha para se defender. Se for atacado por alguém ou por algum animal o que vai fazer? Mas o jovem não dava ouvido e sorria com o que o pai lhe dizia. Certo dia, porém, quando estava no meio da mata, foi circundado por ladrões que o capturaram sem nenhuma dificuldade. Então o jovem lembrou-se das palavras do pai e disse com tristeza:

– Ah! Se tivesse ao menos uma agulha, vocês com certeza não me teriam pegado.

– Uma agulha? – repetiu o seu guardião, rindo – Se é por isso, eis aqui a agulha, toma!

– O jovem pegou a agulha e gritou: – Esta agulha não tem ponta!

– Não é verdade – replicou o ladrão e aproximou-se para conferir mais de perto. O jovem não perdeu tempo. Bem rápido, espetou com a agulha o nariz do cara. O ladrão deu um grito de dor, segurou o seu nariz com ambas as mãos e deixou cair a espingarda. O jovem, mais rápido ainda, pegou a arma e botou todos os ladrões para correr. Quando chegou em sua casa, são e salvo, disse ao pai:

– Meu pai, o senhor tinha mesmo razão. Hoje fui capturado por um bando de assaltantes e uma simples agulha salvou a minha vida. Até uma pobre agulha pode servir para uma grande façanha quando está nas mãos de um homem corajoso.

Essa história não é um incentivo para andar armados como a parábola dos talentos, do evangelho deste domingo; nem é um convite a nos tornarmos homens ou mulheres de negócios. A questão é outra. Para multiplicar os talentos, não basta tê-los, é preciso vencer a desconfiança, a preguiça e ter coragem de arriscar. O patrão chamou o servo, que enterrou o talento, de mau, preguiçoso e inútil! Ao contrário, os outros foram elogiados; foram chamados de servos bons e fiéis! Por isso, também a questão não diz a respeito à quantidade dos talentos recebidos. Podem ser muitos e não serem multiplicados, como pode ser um só e ser bem aproveitado. Tudo isso é uma verdade que está debaixo dos nossos olhos. Quantas pessoas têm muitas capacidades, mas as guardam a sete chaves, sempre reclamando de nunca terem oportunidades para usá-las? Provavelmente elas têm preguiça – ou medo – de colocar os dons recebidos a serviço dos outros, da comunidade, enfim, de partilhá-los para que se transformem em gestos de bondade e alegria para si e para os outros. Mas também existem pessoas com limitações e, no entanto, são corajosas e generosas, a ponto de não se pouparem. Fazem o bem e, com o seu exemplo, ajudam outros a fazê-lo também. Portanto não estamos falando de dinheiro, mas da bondade que, quando semeada e cultivada, nunca deixa de produzir frutos surpreendentes.

O grande economista dos pobres, prêmio Nobel da Paz, Muhammad Yunus, incentiva também os mais fracos, financeiramente falando, a escolher uma atividade, uma só, da qual, porém, dêem conta e consigam diferenciar-se dos outros. Nem que seja um tipo de bolinho de arroz, um enfeite especial, ou o toque de um instrumento musical. Segundo ele, todos nós temos ao menos uma coisa na qual podemos nos tornar, digamos, insuperáveis! Seria o famoso talento que não deve ficar escondido. Essa “virtude” pode servir, com certeza, para não morrer de fome e, às vezes, até para iniciar uma pequena empresa. Yunus sabe muito bem que o pobre precisa absolutamente de dinheiro para sobreviver, para sustentar a família, para não depender dos outros e também para ajudar quem está pior ainda. Um talento, um só, pode fazer milagres nas mãos de quem tiver coragem, boa vontade, criatividade e paciência.

Se falarmos dos dons espirituais, das qualidades humanas, das capacidades de convivência, quantas ocasiões maravilhosas temos para multiplicar os nossos talentos quando os colocamos a serviço da comunidade social e eclesial!  Mas também quanto desperdício por causa do comodismo, do orgulho, da disputa dos primeiros lugares! Quantas pessoas com tantos dons acabam se afastando por uma simples observação ou uma crítica! Nem todos somos campeões de caridade e de boas maneiras – eu, por exemplo – mas se essa é a nossa desculpa para guardar o talento enterrado, é muito fraca. Um dia teremos que prestar contas, não ao bispo, ao pároco ou a alguma autoridade humana, mas ao próprio Deus. Para não sermos chamados de servo mau, preguiçoso e inútil vamos aproveitar de todas as oportunidades para fazer o bem. Vamos atrás, vamos nos oferecer, se for necessário.

– Quero ajudar! – são palavras mágicas que nos fazem acordar do nosso torpor. Quem sabe se nós também precisamos carregar conosco uma agulha. Não como arma, contra os outros, mas para espetar o nariz da nossa preguiça. E rápido, por favor, ante que seja tarde demais.

  • Parabenizo e agradeço à Alcinea Cavalcante por publicar esta mensagem muito oportuna e bem consciente de Dom Pedro Conti.Dizia um escritor ingles : “Santo, neste mundo, é a REALIZAÇÃO PLENA DE SUA VERDADEIRA NATUREZA”. Realmente, prezado Bispo, temos que reconhecer nossos talentos…o pô-los a serviço do BEM COMUM.

  • Parabéns para o Bispo pela significante mensagem.
    E começamos a semana com o Amapá na mira da imprensa nacional, mais um escândalo está estourando, sindicatos falsos…meu Deus, esse poço não tem fim, salve-nos…

Deixe um comentário para Marcilio Oliveira Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *