Artigo dominical

O muro das lamentações
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Conta uma lenda que quando o Rei Salomão decidiu construir o Templo de Jerusalém para que fosse grandioso e, portanto, uma das sete maravilhas do mundo de então, entregou a construção a quatro grupos diferentes de pessoas: aos donos das terras, aos artesãos, aos mercadores e aos pobres. As três primeiras  categorias pagaram pedreiros, carpinteiros e todo tipo de operários, ao passo que os pobres construíram o lado ocidental com as suas próprias mãos.

 

O muro foi construído com muito sacrifício e muitas vidas humanas. Tudo ficou muito bonito, mas Deus se agradou mais do muro ocidental; abençoou-o e o salvou de toda destruição. É o “muro das lamentações”, ao qual, ainda hoje, os hebreus vão para rezar.

 

Nada de especial contra os donos das terras, os artesãos e os mercadores, mas a lenda, expressão da sabedoria popular, conduz-nos a pensar nas lágrimas e nos gritos por socorro de todos os sofredores da história humana. Choro que, muitas vezes, transformou-se e se transforma em oração e em fé naquele Deus que, ensina a Bíblia, vê e ouve o clamor do seu povo (cfr. Ex 3,7).

 

Ao leproso do evangelho deste domingo, que grita ao Senhor Jesus para ser curado, podemos associar tantos sofredores que pedem ajuda. Homens, mulheres e crianças do passado e do presente que viram e vêem as suas vidas mudadas tragicamente pelas doenças, pelos abalos da natureza, pelas situações violentas criadas pelos “faraós” da história humana. Ouso chamar esses irmãos e irmãs de vítimas inocentes. Vez por outra, voltam à memória e são divulgados relatos de genocídios do passado, perpetrados pelos dominadores da época; são os antigos e os novos “holocaustos” da história humana que não podem e não devem ser esquecidos.

 

Nos nossos dias, também ouvimos falar de “massas sobrantes”, de “excluídos”. Seriam os pobres mais pobres, aqueles que não produzem nada de significativo para o mercado, aqueles que não tem poder aquisitivo e, portanto, não consomem e não dão lucro para ninguém. Esses nossos irmãos e irmãs não são autossuficientes. Na opinião de muitos, eles são somente um peso para a sociedade, porque dependem dos planos de assistência social dos governos ou da caridade dos outros. Muitas vezes quem, diretamente ou indiretamente, sempre foi indicado como um peso para a sociedade acaba se convencendo da sua própria inutilidade, perde a sua autoestima, desiste de dar um sentido à sua vida.

 

Em Jerusalém, ainda está de pé o “muro das lamentações”, mas muitos outros “muros” existem para quem somente pode chorar sobre a própria condição. Quem, hoje, sabe ouvir o clamor dos sofredores, dos injustiçados, das vítimas inocentes?

 

Posso ter carregado as cores deste panorama sombrio da história humana de ontem e ainda de hoje, mas só assim talvez possamos entender o pedido do leproso a Jesus: – Se queres, tens o poder de me curar. Jesus, cheio de compaixão, estende a mão, toca o leproso sem medo de ser contagiado pela doença, e declara: – Eu quero, fica curado! .

Com essas palavras Jesus associa a sua vontade com a compaixão. Dessa maneira, ele nos ensina o que falta para enxugar as lágrimas de tantos sofredores, para transformar em justa e fraterna uma sociedade que ainda gera violência, exclusão e sofrimentos.

Falta vontade? Sem dúvida. Muitos dizem que, se quiséssemos, não haveria tanta fome e tanta miséria no mundo. Os recursos do planeta dariam água e comida de sobra para todos. Mas ainda não resolvemos o problema da fome, por exemplo. Com os avanços da ciência médica, muitas doenças já deveriam ter sido vencidas. Também existem saídas para superar a violência, o tráfico de drogas, de pessoas e de órgãos. Tantos declaram que querem melhorar as coisas. Mas, afinal, o que está faltando?

Não nego a boa vontade de alguns e as lutas de muitos, mas não é apenas a vontade que falta. Em minha opinião, falta sobretudo a compaixão. Esta talvez seja a maior pobreza da nossa sociedade. A indiferença não motiva ninguém, menos ainda o egoísmo e a cegueira em não querer reconhecer as injustiças sociais evidentes e gritantes. Sem compaixão, as promessas não são cumpridas e os planos não saem do papel; o dinheiro público desaparece e o que poderia ser melhorado fica para depois. Somente a compaixão permite ouvir o grito dos sofredores e dos excluídos de hoje e de sempre. Somente a compaixão nos faz seguidores do Deus que Jesus Cristo veio nos fazer conhecer e experimentar. Talvez sempre exista algum “muro das lamentações”, mas poderão ser sempre menos os irmãos e irmãs que ali irão para chorar. Bastaria colocar em nossos corações a compaixão no lugar do cinismo.

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