Artigo dominical

Os doze baús do tempo
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Era a noite de 31 de dezembro. Faltavam trinta e três minutos para a meia noite. Um avião desconhecido aterrissou num pequeno aeroporto. O piloto desceu e ordenou:
– Descarreguem os meus doze baús! Rápido! E tomem cuidado, viu!
– Peço-lhe que me apresente os seus documentos – disse o comandante do aeroporto.
– Lamento, mas não farei nada disso – respondeu o aviador.
– Se é assim, acompanhe-me – intimou-lhe o chefe.
– Veja bem – disse o misterioso viajante – eu estou sendo muito, muito, esperado. Eu sou o Tempo. Nos meus doze baús estão os doze meses que devem começar daqui a alguns minutos.
– Se o senhor é o tempo eu sou uma astronave! – Brincou o comandante – Chega de conversa, deixe-me ligar a televisão, não quero perder o anúncio da meia noite!
-Não terá nenhum anúncio se o senhor insistir em me prender aqui. O tempo deixará de correr. Olhe para o seu relógio.
– O comandante obedeceu e percebeu que o ponteiro dos segundos estava parado. Assim também no grande relógio da TV, os ponteiros estavam imóveis. O comandante pulou da cadeira e comunicou às autoridades a notícia do que estava acontecendo. O mundo inteiro foi rapidamente informado da situação.
– Viva! – gritaram muitas pessoas, em todas as línguas
– Não ficaremos nunca mais velhos, não iremos mais morrer! – De tantos lugares do mundo chegaram ordens:
– Não solte o cara, prenda-o com algemas, faça-o dormir… Porém uma criança, acordada pelo barulho, pensou:
– Então eu não vou mais crescer, vou continuar a apanhar cascudos? – Deu o alarme a todos os seus amigos e juntos organizaram, imediatamente, uma manifestação de protesto. Pensando melhor, os adultos também começaram a entender que ficaria sempre dezembro e sempre meia noite. Quem estava viajando nunca iria voltar para casa. Nunca mais chegaria o tempo da colheita, e quem estava doente nunca ficaria curado. Chegaram para o comandante tantos telefonemas que ele foi obrigado a liberar o Tempo, também se não tinha documento nenhum.
Mais uma historinha para iniciarmos o novo ano alegres e esperançosos, mas também refletindo sobre o tempo da vida que passa. Se alguns de nós gostariam  de parar o tempo, outros pediriam que passasse o mais rápido possível. Assim, para não fazer injustiça a ninguém, o tempo vai passando igual para todos, um instante após o outro, inexoravelmente.  No entanto com ele passam também as nossas vidas; as horas alegres e as horas tristes; as decisões tomadas e as suas conseqüências; as indecisões deixadas para depois, sem saber se teremos ou não uma nova chance.
Para quem acredita, o tempo da vida é um dom de Deus. Para os outros também é algo que é dado, impossível de se comprar, vender ou trocar. Só se pode receber e gastar, enquanto durar, com a diferença de não ter ninguém para agradecer ou para reclamar.
Pensando assim o tempo da vida se torna precioso, não pode ser dilapidado de qualquer jeito, porque é um bem não-renovável, para usar a linguagem na moda. Contudo não devemos nos deixar tomar pelo desespero de quem não quer desperdiçar nenhuma oportunidade, ou de quem chora porque acha que já perdeu o melhor da vida.
Ao contrário, talvez devêssemos aprender a gastar, ou até mesmo a “jogar fora” mais tempo em busca de bens que não dão retorno econômico, lucro ou vantagem. Falo do tempo para as amizades, para refletir sobre as grandes questões da vida e da história humana. Falo também da oração e da contemplação. Quem disse que buscar a Deus seja tempo perdido? E se fosse o nosso tempo melhor aproveitado? Como também juntar tesouros no céu, juntar as pérolas preciosas da bondade e do amor. Poderia ser o pior negócio. E se fosse, ao contrario, o único e o verdadeiro investimento para o qual vale a pena arriscar?
“Há um tempo para tudo” reza o livro do Eclesiaste.  Verdade, porque todas as coisas acontecem no seu devido momento. Contudo nós não temos todo o tempo a nossa disposição. Temos somente a nossa vida e nem conhecemos bem a sua duração. Já que o tempo não pára para ninguém, resta-nos esperar, confiar, entregar ao coração do Pai misericordioso todo instante de nossa vida, do primeiro ao último. Sem medo algum porque nós não sabemos, mas Ele sabe e nos ama sempre.

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