POR ISTO HOUVE SILÊNCIO
Alcy Araújo Cavalcante
O homem havia sido feito assim: bom, humilde, terno para viver dentro de um mundo cheio de revolta. E o mundo foi angustiando o homem, rasurando a sua ternura, arranhando a sua bondade. Por isto que o homem, vítima de muitos desencantos, começou a fazer o que não devia, a andar de cabelos ao vento, telefonar, freqüentar o cais.
A cada sofrimento, o homem fazia mais uma tolice e magoava o seu Anjo. E o Anjo, pobre Anjo aflito, chorava lágrimas imensas, que cresciam em seus olhos como pássaros de luz.
Daí então o Anjo não pôde ter mais um minuto de distração. Mal ele se distraía e lá ia o homem por aí, pés descalços, braços nus em direção ao seu desconhecido, pisando espinhos que nasciam das rosas vermelhas.
Mesmo assim o homem sabia que não estava só, como naquele começo de tarde em que teve vontade de comprar uma bicicleta azul e um cavaquinho. Sabia também que não estava só como naquele poema em que o amor morria por falta de azul e os pássaros brancos deixaram de nascer.
E por ser assim o homem falou ao Anjo que a felicidade existia. Apenas estava além das lágrimas contemporâneas, colocada depois da dor, na continuidade da espera, na renovação de todas as esperanças.
E falou isto quando as estrelas gotejavam silêncio dentro da noite. A música se enovelava no coração e o poema era uma oração nascente.
Então o Anjo pegou o homem pela mão e caminharam em direção ao mar. Foi quando Deus sorriu e achou que o que tinha feito era bom. E descansou, porque era chegado o sétimo dia e na distância Anjo e homem se integravam no azul do mar. Por isto houve um grande silêncio no coração das coisas…
(Alcy Araújo Cavalcante, poeta, jornalista e escritor, nasceu no Pará em 7 de janeiro de 1924 e morreu no Amapá em 22 de abril de 1989. Fundou jornais, revistas, clubes de arte. Figura na Antologia Modernos Poetas do Amapá, na Grande Enciclopédia da Amazônia, na Brasil e Brasileiros de Hoje e na Enciclopédia Portuguesa Brasileira, entre outras. Publicou os livros Autogeografia, Poemas do Homem do Cais e Jardim Clonal. Ao morrer deixou mais de dez obras inéditas, entre elas o romance Terra Molhada e o livro de crônicas e poemas Ave Ternura)
4 Comentários para "Bom dia!"
Trabalhei com ele na Câmara de Vereadores, quando fui Procurador e ele, redator. Mas o que me veio à mente, foram, também, aqueles quadros pintados, na sala da tua casa, ao lado da casa do Balalão, na Almirante Barroso.
Eu não conheci Alcy, eu via Alcy… Nos cantos da vida no Gato Azul, Ponto Certo, Lenno… E por aí vai. Mas “Lembrando-me” (poema de Alcy) dêle me vem à cabeça Vinicius de Moraes. Sim na poesia. Fantástico Alcy! Não sei não, mas, este poema é sobre êle, assim como “Lembrando-me”.
Nossa, vou t confessar q sempre achei q poema amazônida, especialmente amapaense, sempre se resumisse a alusões a açaí, farinha e índios (nada contra, tá?mas é q eu odeio estereótipos), mas agora pude notar que há mais do q isso. Parabéns pelo lindo poema!!!
Muito lindo, sou fã incondicional do poeta.