No tempo do Mobral
Milton Sapiranga Barbosa
Como falei na crônica “ RAIMUNDÃO, O PARAQUEDISTA”, no bairro da favela, tinha figuras incríveis, únicas, pode-se assim dizer. Entre elas, destaco hoje a Dona Norberta, uma das primeiras moradores do bairro. Ela morava em uma bandola construída com muito sacrifício, na avenida Presidente Vargas e depois de muito trabalhar e contando com ajuda dos filhos, foi transformada numa casa propriamente dita, dessas chamadas de tipo um. Dona Norberta, excelente dançarina de marabaixo, era muito querida entre os moradores do bairro por ser uma mulher prestativa e muito trabalhadora. Ela, como muitas de sua época, começou a pegar no pesado ainda menina, para ajudar no sustento de casa, por isso não teve a oportunidade de freqüentar , na infância e na adolescência, um banco de escola, chegando a fase adulta sem saber ler e escrever. Analfabeta de pai e mãe, dona Norberta, incentivada pelos filhos e amigas, viu sua grande oportunidade de passar a ter intimidade com as letrinhas, quando aqui foi implantado o Curso de Alfabetização para Adultos, o famoso MOBRAL, que infelizmente, foi extinto pelo MEC.
Matriculada no MOBRAL, dona Norberta, apesar do trabalho duro que enfrentava não perdia uma aula. Era uma aluna dedicada e prestava muita atenção nas explicações da professora. Certo dia, tendo realizado longa e árdua tarefa que a impediu de tirar a famosa “perereca” pós almoço, foi que a casa caiu, vamos considerar assim. Apesar do grande cansaço, nossa personagem também não faltou a aula daquele dia, para dar bom exemplo e não decepcionar seus filhos e amigas. As 19 horas, ela já estava sentadinha em sua cadeira numa das salas da escola Igreja dos Irmão, fundada pelo Sr. Eduardo Muller, e da qual os alunos eram conhecidos por PERIQUINHOS VERDES. Lembram? Dona Norberta, nos primeiros minutos de aula estava firme e atenta as explicações da mestra, até que o cansaço começou a se manifestar, fazendo pesar as pestanas de nossa heroína de hoje, que apesar de todo esforço, não conseguiu evitar de dar aquela popular “ pescada”. Era a professora na lousa explicando e dona Norberta na cadeira pescando.
Ma –ca- co, a professora escrevia no quadro e pedia para todos acompanhá-la na soletração e perguntava a uma aluna, dona Maria, por exemplo, para falar a palavra macaco. Escrevia ma-ra-cu-já, a turma soletrava e dona Joaquinha respondia Maracujá. Aula fluindo e dona Norberta dormindo. A certa altura, a professora notou que sua ótima aluna apresentava um comportamento estranho e resolveu pregar-lhe uma peça. Lembrem-se que ela sempre escolhia um aluno para dizer o que estava escrito no quadro negro. Ato seguinte, a professora escreve soletrando no quadro JA-BU-TI. Quando os alunos acabaram de soletrar a professora, de súbito, como fizera com os demais, perguntou: bem alto “ juntando as sílabas e que forma dona Norberta”., e ela , pulando da cadeira assustada e com olhos arregalados respondeu : GIJÚ PROFESSORA. Gargalhada geral e a aula acabou quando ainda faltavam 10 minutos para seu encerramento oficial, pois ninguém, nem mesmo a professora conseguia conter o riso..
Nas aulas seguintes até a conclusão do curso de alfabetização pelo MOBRAL, dona Norberta estava lá firme e forte, prestando muita atenção e nunca mais foi pra aula sem dar aquela “dormidinha” depois do boião, regado a feijão com jabá e uma boa tijelada de açaí do grosso, amassado à mão, cheia até a boca. Dá um sono danado, ela dizia.
No curso do Mobral, dona Norberta era colega de minha mãe Alzira Barbosa, que foi quem me contou sobre as “cochiladas” da amiga.
3 Comentários para "Crônica do Sapiranga"
Caro Jota Effe Esse, como autor da crônica, peço permissão da amiga Alcinéa para responder sobre o que é uma bandola: É um tipo de casa, geralmente, construída sem divisórias. Seu telhado, na maioria das vezes é tipo uma descida bem acentuada, mas pode ser também tipo caixote. É muito comum encontrar esse tipo de casa nas áreas de invasão. OK? Um abração.
Parabens. Os casos contados pelo Milton sobre a nosssa estão cada vez melhores. Grande abraço a vcs.
Alcione
Alcinéa, quanta coisa interessante para se ler no teu blog! Eu não conhecia a palavra bandola. E te peço que me expliques se é uma espécie de tenda. Meu beijo.