Cronistas do blog

O início da televisão
Cléo Farias de Araújo

Antes de 1974, só assistia televisão quem viajasse pra fora de Macapá. Belém era o lugar mais próximo. Era comum alguém, “querendo aparecer” pros outros, dizer que assistiu tal programa ou tal novela em Belém. Imagem, mesmo, só nos cines João XXXIII, Macapá e Paroquial, pois ainda estávamos na era da novela de rádio.

Depois de algum tempo, surgiram boatos de que, na casa do Seu Assis da SEVEL, a antena era tão poderosa que pegava uma emissora de Caracas, na Venezuela. Aí começou a multiplicação de antenas na cidade. Lembro que tinha uma na casa do Pachequinho e outra, na casa do seu José Maria Papaléo, da CAESA. Motivado, meu pai chegou até a comprar uma TV p/b, Colorado RQ, com pernas girafa. Papai, eu e meu irmão mais velho, instalamos a antena. Pra conseguirmos alguma possibilidade de imagem, a antena teria que ficar em lugar bem alto. Assim fizemos. Era um monte de cano de ferro, cheio de argolas, por onde passávamos umas cordas, a fim de sustentá-la. No dia da inauguração da nossa “retransmissora”, parece que o mundo todo estava fora do ar, pois só apareceu chuvisco. E a gente ficou com “cara de burro na frente da igreja”. Descobrimos que, ao menos lá em casa, esse empreendimento foi mera balela. Ainda assim, ficamos vários dias, olhando a TV, enquanto um de nós ia lá fora, para mudar a antena de posição.

Imagem e som inteligíveis, só mesmo com a criação da TV, em nosso pedaço tucuju, no ano de 1974, para a transmissão da copa do mundo da Alemanha. Posteriormente, em 1975, virou TV Amapá. Ali, por algum tempo, trabalhei indiretamente, pois eu tocava numa banda (na época, chamavam-se conjuntos) que fazia a parte musical do programa “Tabajara Família Show”, nas manhãs de sábado, com supervisão de Damião Jucá de Lima.

Porém, há um fato a registrar, pois, em certo lugar de Macapá as transmissões começaram quase dez anos antes.

Em 1967, tal qual Chico Orellana, em relação a Cabral, vindo da Leopoldo Machado, aportou na Av. Mendonça Furtado, ao lado da casa do Sr. Milton Barbosa, um inventor que antecipou o sonho da imagem e som, fora do cinema, ou seja, reproduzidos, conjuntamente, em um aparelho portátil. Esse garoto, com apenas 11 anos criou, de maneira econômica, o invento que revolucionou sua família: uma televisão.

A peça criada, consistia numa caixa de papelão (daquelas nas quais se acondicionavam latas de leite daquela marca famosa) com o fundo cortado, como se fosse uma TV de verdade. No lugar, colava-se papel de seda branco ou amarelo-claro. Atravessando horizontalmente a caixa, a fim de segurar os artistas, um pedaço de fio grosso ou barbante. Para iluminar o invento e fazer com que as figuras aparecessem na TV, era usada uma vela ou lamparina (casa de pobre tinha muito disso). Além disso, o garoto cortou uma figurinhas em papel de embrulho, daqueles rosa ou cinza, das compras feitas nas tabernas do seu Nabi, seu Manoel da Estrela, no Borracha ou no seu Ladico, pois antigamente não havia supermercado e, geralmente, todo dia tinha que se fazer compra para atender as necessidades caseiras.

Como todos os filhos daquela família estudavam pela manhã, suas tardes, após o almoço, eram nas sessões de TV, já que os moleques daquele tempo não dormiam à tarde.

Passearam pela telinha vários heróis. Da Branca de Neve ao Zorro, pois o inventor, copiando o som das novelas de rádio (O Direito de Nascer e Jerônimo, o Herói do Sertão), aprendeu a fazer bem o barulho dos tiros, tropel de cavalos, água jorrando e trovão. Todos os dias a TV era ligada, para alegria da molecada daquela casa. Tempo em que a imaginação transportava os “telespectadores” aos níveis mais altos dos sonhos infantis. Tudo ia muito bem, até o dia em que a mãe da família chegou em casa, à tardinha e nenhuma tarefa doméstica fora feita.

Camas por arrumar,

Casa por varrer,

Louça por lavar,

Tudo por fazer!

Naquele dia ficou fácil se ver pedaço de zorro, Roy Rogers, seus cavalos, Noviça Voadora, Tarcísio Meira e Glória Menezes de papel por todo lado. Até o Batman e o Superman sucumbiram, pois agindo igual ao pessoal da ditadura, quando acabou com o “Jornal do Povo”, a dona da casa não só destruiu a emissora, como distribuiu “aplausos” pelas “mãos” de um famoso “artista”: um galho de goiabeira retirado naquele momento e destinado a “reger a orquestra de ociosos”.

Depois, “de couro quente”, após realizarem as tarefas domésticas, a meninada foi autorizada a construir outra emissora, com a seguinte lição: “Primeiro a obrigação. Depois, a devoção”!

  • amiga alcinea pena que nao podemos compartilhar com voces nesse primeiro dia de julho da nossa poesia na boca da noite! Mas creio que iremos nos vê em breve,gostei muito da cronica de meu amigo Cléo Araújo beijoa e saudades…Déborah e Marcia

  • Oi amigo Cleo,acredito que posso chama-lo assim,pois amigo de minha mae é amigo meu também.Li sua cronica e comecei a sorrir lembrando que meus tios e a mamae (Débora)comentam sobre essa época da tv pb,taberna,surra com g.de goiabeira,pesca no utinga la em Belém,canto e violao etc…precisamos recordar mais abraços.

    • Oi, Márcia e Débora. Obrigado pelo post. Realmente… parte desta crônica tem a ver com aquela etapa que vc cita, principalmente porque nossas famílias sempre foram muita amigas. E… concordo contigo: é maravilhoso recordar coisas boas. Saudade de vocês. Voltem logo!

  • Gostei do texto especialmente dos recursos metafóricos usados para expressar a fúria da mãe.Rsrsrsr.
    Na ausência de bons livros que nos façam visualizar o Amapá de outrora suas crônicas torna essa ausência fato dispensável. À la prochaine.

    • Obrigado, Naná. Mas o melhor presente ficou por conta do teu blog, recém criado, com ótimos textos. Vc vai loooongeeee!

  • Olá, Cléo.
    Bom texto, inclusive a contextualização. Bem lembradas as “tabernas”; eram famosas, Inclusive a outra denominação: “mercearia”. O interessante é que quando nossas mães nos mandavam fazer as pequenas compras diárias (tipo meio quilo de farinha, uma quarta de manteiga, e por aí vai), a referência não era ao nome do estabelecimento comercial, e sim ao dono ou até o empregado: “vai lá no ‘seu’ Nabi, vai lá no Acapú, vai lá no seu Manuel, vai lá na Lôra, vai lá ….
    Bem lembrado o “couro quente”. Às vezes, é porque a gente, animado com a bola na rua, demorava a atender ao chamado pra ir à taberna.
    Um abraço, amigo.

    • Obrigado, Mestre Aloísio. Este texto também tem o desejo de elogiar os quatro taberneiros (ou merceeiros, como bem lembrastes), que fizeram história na nossa Favela, com uma folha corrida de honestidade. Sei que o seu Ladico e o Nabi ainda estão por aqui. “Couro quente” era algo que não dava pra esquecer, pois moleque vivia aprontando e tendo o couro esquentado pelos pais. Fico feliz que tenhas gostado. O eterno aluno tenta seguir os passos dos Mestres e espera conseguir. Deus te abençoe sempre.

  • Grande Cléo!! Excelentes memórias. Assisti muito chuvisco da Venezuela e de Trinidad y Tobago e cinema de caixa. Haja imaginação! Linda crônica! Um abraço meu amigo.

    • Amigo Róbson, creio que todos nós assistimos chuviscos, ou em casa, ou na casa de algum vizinho. E ainda havia as primeiras televisões coloridas… com papel celofane, lembras? Um abraço, caro amigo.

  • Gostei da história, antigamente as crianças tinham mais imaginação, graças aos recrusos escassos. Poderias falar em um próximo texto sobre a aproximação do amapaense com os ídolos do rock (Elvis, Beatles, etc).
    Forte abraço.

    • Obrigado pela dica, meu querido filho. Aproveito para desejar tudo de bom neste teu aniversário, amanhã. Deus te abençoe!

  • Querido Cléo, li e fiquei emocionada! Gostosas lembranças foram rememorizadas… Um tempo de quintais sem muros, de portas abertas, de solidariedade. Era comum os vizinhos partilharem o almoço, era um prato pra lá, outros pra cá.
    Nosso vizinho do lado cuidava de nós quando nossos pais saiam para trabalhar. Havia comunhão, havia um elo de parentesco entre os vizinhos, é claro que havia brigas, mas o Amor era era uma linda flor no jardim da Vida.
    Cléo, a partir de quais fatos começamos a cimentar os muros dentros de nos? Por que estamos ficando cada vez mais aprisionados e solitários? Quais as belezas que estamos gerando e regando para as gerações que virão?
    Grande abraço meu querido!

    • Querida Deusa das Letras… realmente os adultos de antigamente desempenhavam, sim, o papel de pais dos moleques da vizinhança e tudo com a permissão dos próprios pais da criançada. O troca-prato era outra prática interessante. O intramuros, na minha opinião, começa a ocorrer, quando a pessoa percebe que paga impostos, mas não tem o retorno esperado, principalmente no quesito segurança. Além disso, todo mundo desconfia de todo mundo e haja filmagem. É cada um querendo ter o dossiê mais completo sobre o outro, para significar mais. Obrigado pelas dicas, querida amiga.

  • Amigo Cleo, aqui em Londres sentei em um pub para tomar um chopp e ler sua crônica as 11 e trinta da manha desta sexta feira. Bela, muito bela, faz lembrarmos o passado e a historia da televisão no Amapá. Vc escreve muito cara, parabens, um grande abarço.
    Helder Ferreira

    • Caro Helder, vc também escreve muito. Grande poeta! Tive a honra de declamar um poema teu. Curta bem essas férias e registre Abbey Road para, ao retornar à Macapá, nos brindar com as lindas fotos que vc sabe fazer. Abração!

  • Eita Pai, depois dessa surra o programa que foi apresentado na TV foi o “Plantão Médico” ou o “Anos Rebeldes”? hahahahaha!

    • Oi, Filipe. Gostei do trocadilho… mas continuamos a passar os mesmos programas de antes da emissora ser destruída. Bjão!

  • Cleo, o gibe tinha duas finalidades: a leitura e a imaginação na caixa disfaçada de telinha.Sua memória continua boa, então lembra ai de umas passagens do nosso tempo no IETA. Um grande abraço.

    • Oi, João. Obrigado pelas palavras. Partilhamos muitas coisas, no tempo de IETA e Favela e não há como esquecer. Abração.

  • Tu és bamba.Gostei muito e ri pra valer. Nossa infância foi simples, pobre,mas feliz, graças à Deus.Parabéns, Forte abraço do amigo Sapiranga

    • Mestre Milton, sigo os passos de um Mestre. Logo, não posso me arrepender. Com insígne orgulho, morei ao lado da tua casa e tenho imenso prazer em publicar essas etapas da vida. Abração do eterno fã. Aproveitando o ensejo: qual o teu time de coração? mende um email para: [email protected]

      • Creio que aí êle também era Juventus, no Rio todos sabem a sua paixão pelo Flu.
        Milon, domingo passado eu e o Caica tentamos falar com você e seu tlf só dava fora de área, deduzimos que estivesses pescando.
        Um abraço e saudações juventinas.

        • Amigo Ruy, sei que ele é tricolor das laranjeiras. É que não me expressei bem, mas mataste a parada: igual a nós, um Juventino da melhor espécie! Obrigado pela ajuda.

  • Belíssimo texto e ótimas lembranças Cléo. Lembro que as novelas aqui em Macapá, passavam com um dia de atraso em relação a Belém. Quem chegava de Belém, sentia prazer em contar o que iria acontecer naquele capítulo.
    Cléo, vc estudou no Azevedo Costa? Tens lembrança da garapa com donzela do seu Bil? Grande abraço.
    Jeremias.

    • êhh Jeremias. Já tô escrevendo algo a esse respeito, pois estudei no Azevedo, sim. A taberna do Pastor Bill era parada obrigatória. Homem de bondoso coração. Aguarde só!

  • Ah, Cléo! Estou rindo lendo sua crônica e lembrando de fatos parecidos ocorridos la na casa da minha infância! Que grandes e salutares sonhos tinha a meninada de antes! abrção

  • Oi Cléo, adoro ler suas crônicas, principalmente quando relembram nosso passado. Quer dizer que você tocava e cantava ” Tv Amapá canal 6, agora vai apresentar, Tabajara Família Show, o melhor programa do Amapá…”, eu assitia sempre na colorado rq. Obrigada meu amigo. Parabéns e até sexta. Beijos meus e da Júlia.

    • Maravilha, Fernanda! Só quero ver quando vc começar a abrir o bau. Sim, toquei na TV Amapá, canal 6, bem como acompanhamos o Mágico Tabajara em algumas apresentações fora da telinha. Obrigado pela força e até amanhã, com a graça de Deus.

  • Cleo, além de ter uma voz maravilhosa pra declamar (lembro das poesias no Boca da Noite, na margem do Rio Amazonas), seu texto é tão criativo, ritmo gostoso! Fiquei encantada, li com prazer até o fim. Agradeço e parabenizo por compartilhar tanta informação interessante sobre o início da TV no Amapá.

    • Obrigado, querida. As lembranças são a de um ávido telespectador, feliz quando pode, realmente, ver imagens na tv. parabéns, que merece, são os pioneiros que fizeram essa história cine-foto-som acontecer: Ruy Guarani, Humberto Moreira, Damião Jucá, Julinho, Bira, Correa Neto e tantos outros. Esperamos vocês amanhã (sexta), no próximo encontro.

  • Quando chegou a televisão aqui em Macapá, meu pai não tinha dinheiro para comprar uma. Um dos primeiros a comprar televisão na nossa rua foi o seu Guedes. Todos íamos assistir na casa dele. A sala ficava lotada de moleques e, além de não se ver quase nada na tela, pois só se viam chuviscos, a molecada não calava a boca, Hoje eu imagino como deveriam se sentir os donos da casa, com aquela bagunça toda. E nós não estávamos “”nem aí””, pois aquilo era uma grande novidade. Vale ressaltar que nessa época o seu Guedes já tinha mais de uma dúzia de filhos.

  • Que maravilha!!!Parabéns cléo, mais uma vez nos deliciando com ótimos textos, eu fico com uma vontade de ter vivido naquela época.

    • Mara… você também contribui para que os sonhos se tornem verdade. Minha querida grandíssima escritora!

  • Lição meio histórica, meio cômica, ao relatar a longa espera do povo pela televisão, tal qual se espera hoje pela banda larga. O lado cômico é a questão do nada-fazer a não ser se divertir em frente à telinha. Excelente texto!

  • Beleza Cléo,
    Como sempre, as palavras simples e bem definidas nos faz acreditar que estamos vendo um filme de nossa infância/juventude.
    Deixei a terrinha indo para Belém buscando novos ares, pois, ainda não tínhamos universidade naquele inicio de 1971 e como você citou lá já tinha TV e passava Irmãos Coragem, creio que na extinta TV TUPY, porém, ainda me comuniquei muito com aqueles “telefones” com uma linha com duas caixas de fósforo nas extremidades, era um barato.
    PS. Conforme conversamos naquele almoço, já estou integrado à obra da Arena Amazônia em Manaus.
    Saudações e viva o Juventus.

    • Caro Ruy, a novela Irmãos Coragem passou na TV Globo e varou de 70 pra 71, dado o índice de audiência de Janete Clair. Sobre os telefones, belíssima lembrança. Éramos pobres, mas sabíamos nos divertir, inventar. Parabéns por laborar na obra da Copa do Mundo. Você é um jovem amapaense que enriquece o nome do Amapá e deixa feliz aqueles que te conhecem e sabem da tua inteligência e honestidade. Juventus sempre!

  • Amigo Cléo. Com certeza possuis “memória fotográfica” para lembrar de munuciosos detalhes daquela saudosa época. Tempo de janelas abertas a noite, pessoas nas calçadas, nossas andanças noite a dentro e, às vezes de bairro em bairro, de bicicleta. Lembro-me que nas casas em que possuiam TV, aglomerava-se na sala toda molecada da rua e os moradores já cochilando e outros até roncando…rssssssssssssssssssssss…e a galera nem aí (nem piscavam)….rsssssssssssssssssss… muito legal querido amigo, que traga ao discurso essas pérolas da nossa Feliz Infância. BJS no coração de todos.

    • Grande artista e pescador Almir, obrigado pelo incentivo. Retratar a nossa infância me alegra, pois, como dizes, foi um tempo de despreocupação e felicidade. Valeu!

  • A título de ilustração, assistimos aos jogos da Copa do Mundo de 1974 através de video tape, que chegava em Macapá depois de 02 ou 03 dias depois do jogo. Apenas em 1978 o amapaense pôde assistir aos jogos de um mundial “direto”, via Embratel, como se dia naquela época. Um abraço Cléo. Gosto também de recordar algumas coisas de minha infância.

  • E, haja a rapaziada consumir picolé do “seu Winter”, hoje, Jesus de Nazaré. Que saudade do bairro “Jacará Acanga!”. Fui novamente no Túnel do Tempo. Maravilha,viu, meu amigo Cléo Araújo.

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