Cronistas do blog

Eu e Ele
Ruben Bemerguy

Ele palmilhava meus pés com hálito de chuva. Todas as palavras estavam caladas. Zuniam sílabas imprecisas. Eu, freneticamente imóvel as tragava e as devolvia a panos que aconselhavam tórrida escravidão. É como se me adivinhasse logo dividida em hemisférios. Isso me fazia transpirar uma resina inflamável e incontida. Ele, inclemente, me subia, aos poucos, ramificando pernas. Ali também cultivava chuva.  Aquietei-me incolor. Mais rápido do que imaginei, a língua anelou-me as hastes. E enquanto ele me escavava com os lábios eu germinava o falo bem na palma da minha mão.

Prolonguei a respiração o quanto pude. Esse intervalo foi o suficiente para que eu levitasse invisível aos olhos de meu homem. Dali também bebia vagarosamente cada um de seus gestos. Atada a volúpia, logo me certifiquei que nenhum de meus cálculos era exato. Constatei também que aprendemos – eu e ele – muito com os animais não hierárquicos. Não havia macho e não havia fêmea. Só nós, nus em lã, feito forças armadas convulsivas e desordenadas. Depois voltei ao rijo esconderijo de nossos corpos.

Movíamo-nos em ziguezagues repetidos e tudo era contrário ao direito, ainda bem. Nossa ideia de justiça era sua própria abstração. Também éramos imortais naquele instante. Derivados do extinto, comprimíamos, um a um, os mais remotos poros e, assim, passeávamos famélicos e tesos.

Todas as mensagens estavam postas. Acessamo-nos. Medievais. Inexatos.

Do fole veio o sopro. A cavidade ventilada precipitou-me ao abismo dele. Latejaram os rios. Gradualmente, pernoitei, enquanto ele palmilhava meus pés com hálito de chuva.

  • Amigo Rubem: deixo aqui registrado o meu incentivo. Li, gostei e guardei. Como você bem sabe, nāo é de hoje que conheço o seu trabalho literário de muito bom gosto. Fica o convite para nos encontrar-mos na Orla do Aturiá e juntamente com o Jojoca ( Jocivaldo França ) atualizar-mos o papo. Parabéns pelo seu refinado texto.

  • Que coisa bizarra. Parece a saída de um pum. Teve um poeta daqui que rescrevendo a frente da cidade falou sobre o tamanho dos testículos dos leões da OAB. E por aí afora…

  • Oi Alcinéa. Vc pode postar no seu belo Blog? Ele foi meu professor e de muitos aqui. Mora no Rio. Ele é:

    Jader Cerqueira Campos

    Carta de alusão aos amigos amapaenses.

    Cidade moça, lugar de aventuras humanas e envolventes onde
    não há meio termo, pois estar em ti não é apenas um sentir amazônico,
    é ser um amazônida.
    Foram dez anos de convivência.
    Não perdemos tempo discutindo nossa relação, isso jamais. O que houve foi cumplicidade,
    foi paixão, entrega, dedicação. Claro que às vezes nos divergíamos, e por que não. Afinal, nossas temperaturas eram altas, mas nada que tuas águas do rio-mar não pudessem acalmar.
    Esquecer-te é impossível. Como nas grandes e verdadeiras amizades, não há a cobrança da presença
    física e meramente visual, mas o sentir estar juntos em qualquer lugar.
    Quando a falta de teu abraço é muito forte, ouço os cantos de tua gente, vejo as fotos que registrei, bebo um suco de cupuaçu ou açaí e tento sentir o cheiro que me traz lembranças tuas.
    Descrevê-la é correr o risco de ser muito vago, porém se assim o quisesse: “a amante dos plenos desejos” – “a companheiras das noites festeiras, das madrugadas sonhadoras e das manhãs de recomeço”. Macapá não é mais uma cidade por onde passei, Macapá tornou-se também minha origem, meu tempo, parte de vida que irei sempre contar por aí.
    Um forte abraço de quem nunca e jamais te esquecerá.

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