Cronistas do blog

31 de março de 1964: onde você estava?
O golpe de 1964 visto  por um aluno recém-chegado ao Ginásio.

Aloisio Cantuária

Tomei conhecimento sobre o 31 de março de 1964 através de um convite (ou intimação) para participação em uma missa. O início do golpe que derrubou o governo de João Goulart e instalou o regime militar no Brasil – entrou em minha vida um ano após sua chegada.

Em 1964, ainda menino (tinha eu meus 13 anos), estava no último ano do antigo Curso Primário, lá no Grupo Escolar Coaracy Nunes. Lembro que ainda cheguei a ouvir em casa rumores sobre algumas prisões (“fulano prendeu tantos ontem à noite”), mas meus interesses infanto-juvenis não me concentraram naqueles assuntos.

No ano seguinte, lá estava eu, no Colégio Amapaense, iniciando o Curso Ginasial (para os menos antigos, o Ensino Fundamental de 5ª. a 8ª. Série). Na véspera do 31 de Março a professora Caty ou Katy (não lembro a grafia exata) – misto de secretária do colégio e professora de religião – entrou nas salas de aula para avisar que no domingo seria realizada uma missa em homenagem…  à Revolução, advertindo que nossa presença era obrigatória – havia formas de controlar essa presença.  E aí, nos perguntávamos? Que revolução era essa? A missa foi realizada no Cinema João XXIII. Não lembro se esse domingo da missa foi no dia 31 de março – afinal, de lá pra cá se passaram 47 anos.

A partir de abril – no início do ano estudava à tarde –, fui transferido para o turno da noite, e obtive mais informações sobre o golpe militar. Em minha turma estudava o Antonio Montoril, que esteve preso com outras pessoas nas masmorras da Fortaleza de São José de Macapá, e relatava do inchaço em suas pernas, resultado daquela hospedagem forçada, obrigando-o a rasgar as pernas da calça. Em 1966, o 31 de março assumiu ares de data cívica. Um desfile foi realizado na Avenida FAB, da mesma forma como ocorria no dia 7 de setembro, mas sem a presença de grande público.

  • Aloísio, este texto trouxe algumas lembranças. Algumas são boas, pois havia pouco bandido na rua e a gente de bem podia andar legal. As tristes, são pelas atrocidades que o excesso permitiu cometerem, em nome da revolução.

    • Oi, Maria José. Fiquei pensando antes de lhe responder. Antes de escrever o texto fiquei tentanto imaginar as reações, considerando-se que cada um de nós tem as suas vivências, experiências, nas quais muitas vezes somos afetados ou pessoas que de alguma forma estão ligadas a nós.
      A tranquilidade de Macapá daquela época é sempre relembrada, porque, em razão da segurança que desfrutávamos com relação á violência urbana que se vê hoje. Infelizmente, as mudanças decorrentes do progresso nos fazem conviver com novos costumes, novas atitudes, inversão de valores, que muitas vezes geram insegurança e violência.
      Quanto às coisas tristes às quais você se refere, vivíamos um momento em que, devido a juventude que experimentávamos, podíamos não ter certeza do que queríamos, mas sabíamos bem do que não queríamos. Cada um de nós possuía seus ideais, e muitos foram mais corajosos. Mas aprendemos com as experiências, daqueles tempos e dos de hoje.

  • Ôi, Aluísio:
    Quanta felicidade em te encontrar.
    Lembro de um trio histórico que vocês fizeram no CA (Colégio Amapaense). Você, o Josué e o Oreco.
    Participei de uma farra com esses três mosqueteiros no Bar Cacique. Ele ainda existe?
    Levamos o Josué carregado pra casa e enfiamos ele pela porta da cozinha, porque se a Dona Raquel, mãe dele, nos pegasse, ia comer o nosso fígado, pensando que estávamos levando o filho mais querido dela pro mau caminho. Rsrsrs.
    Como você mesmo disse, o tempo passou.
    Escreva pra mim. Vai ser muito legal restabelecermos o contato tanto tempo depois. Moro em São Paulo há 11 anos. Em julho vou me aposentar. Grande abraço, meu amigo.

    • Oi, Waldemar.
      Lembro bem desse fato da nossa juventude. O nosso amigo Josué realmente era fraco para bebida alcoólica, não podia exagerar. O bar não existe mais.
      Estou em Belém a 36 anos, vou a Macapá eventualmente (minha família ainda mora lá), estou aguardando aposentadoria, e estou concluindo nova graduação, em História, na UFPA.
      e-mail para contato: [email protected]
      Um abraço.

  • Taí, é uma grande dúvia pessoal, minha amoralidade não me deixa saber se vestiria uma camisa vermelha, uma preta, ou a maldita cáqui. Tive muita sorte de não me entender por gente naquele tempo. Mas ia ser pauleira! Meu reconhecimento aos bravos brasileiros com coragem para dizer não a aberração política da época. E olha que até hoje rastejam serpentes daquele passado, pior são os que caíram na propaganda fajuta do regime, acham que os milicos realmente mandavam e que havia algum progresso econômico, não conseguiram enxergar o grotesco individademento adquirido e nem milhares de empreendedores estrangeiros abandonando máquinas e quipamentos e voltando para casa com os bolsos estufados. Putz, vinte anos para começar a acordar!

    • Olá, FHC.
      A dúvida é sinal de incerteza quanto à uma idéia, referente a uma decisão. Ela está presente quando existe suspeita em relação a alguma coisa, adiando alguma decisão de nossa parte. Há até um ditado popular que diz: na dúvida, é melhor não fazer. Na ausência de convicção, de certeza, é melhor não fazer. Eu tenho um anjo que durante muito me acompanhou com seus conselhos: minha mãe. E até hoje, sempre lembro dela em determjinadas situações. Isso se aplica a qualquer decisão que precisamos tomar: vestir uma camisa pólítica, trocar de emprego ou de namorada, viajar, enfim, um monte de coisas, pelas quais você já ter passado.
      Acredito que nesses vinte anos você já percebeu muita coisa.
      Um abraço.

      • Parabéns, Mestre Aloísio, por mais essa lição. Caramba! Você disse TUUUDOOO! Um abraço do fã: Cléo.

      • Senhor Aloízio Cantuária, minha dúvida não é atual, hoje vejo de forma clara o contexto da época, como coloquei na conclusão. Era uma criança no começo da década de 80, se tivesse seguido as tendências conservadoras da minha família românica, certamente minha camisa seria cáqui. Daí destacar a importância de um elemento ainda ausente, a educação formal. Esta célula social, familia, foi o principal alvo da propagada de massas do regime de excessão. Para quebrar paradigmas criados por tais influências só com outros meios externos. Voltamos ao começo da roda, o resultado, minha conduta final, dependeria de como a realidade me seria apresentada de forma mais tangível. Caos. Não tem como saber. Só se descobrir-mos um meio de cavalgar o tempo, se ele for realmente simultâneo, como acreditam alguns. Agradeço novamente por sua disposição e por sua colaboração.

  • A D. Katy era a mesma que media as saias das alunas, para saber se estavam de acordo com o tamanho definido por ela mesma.

    • Não me lembrava desse detalhe, Luiz. Bem lembrado. O diretor Tinilo também verificava o tamanho do cabelo dos alunos (o general Ivanhoé, governador, não gostava de aluno cabeludo, lembra?), e se o uniforme estava completo (cinto, meia preta etc).

  • Mestre Aloísio,o texto é histórico, principalmente pelos aspectos locais do sentimento quanto à revolução. Lembro que a gente até decorava aquele “conceito”: “A revolução é irreversível e consolidará…”. Pegou muita gente de surpresa. Parabéns pela distinta colaboração.

    • Oi, Cléo.
      De lá pra cá, muita água já passou por debaixo da ponte e, como você diz, hoje é história. Os contemporâneos (cinquentões, sessentões) viu e sentiu esse momento de alguma forma.
      Um abraço.

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