Dengue – a opinião do especialista

São Pedro e a Dengue
MSc. Arnaldo J. Ballarini

As chuvas prenunciam a chegada do verão em boa parte do Brasil e na região Amazônica o início do inverno. Precedendo as chuvas começam as propagandas governamentais para a prevenção da Dengue. São vinte anos de convívio com a doença no Brasil e oito no Amapá. São vinte anos de esparsas epidemias em diferentes cidades e oito anos de consecutivas no Amapá nas cidades de Macapá e Santana. O que fizemos para deter as epidemias? e o que aprendemos com elas? Este é o tema desta crítica.

Para entender melhor as epidemias de dengue temos que analisar diversos fatores que favorecem o surgimento das mesmas como a questão da desorganização espacial de nossas cidades, com áreas de habitação inadequadas como nas ressacas e favelas, o elevado número de terrenos baldios, facilidade de transporte, a disposição, coleta e destino do lixo, o apelo mercadológico pelo uso de descartável plástico, a limpeza dos quintais, o aspecto cultural da população, a destinação de pneus, a temperatura, umidade e altitude, saneamento básico e ambiental e tantos outros fatores importantes, quais citarei também, a ignorância, descaso do poder público, uso das epidemias como ferramenta política, recursos financeiros insuficientes para o setor Saúde, uso da mídia como mecanismo de desviar a atenção a outros problemas da saúde pública, além de minimizar as tensões veiculando falsas informações e lógico, a presença do mosquito e do vírus.
Percebemos que vários desses fatores são de controle pelos órgãos públicos e nestes que devemos intensificar as atividades. Os que não temos como controlar, como as chuvas e altitude têm que ter o conhecimento para intervir em condições melhores superando as adversidades.

São vários anos de epidemias em Macapá e Santana concentrando a grande maioria dos casos no primeiro semestre ( 80% dos casos). Neste largo período tendo em média 3000 casos anuais notificados, creio ser no Amapá o estado que houve a mais rápida circulação de diferentes sorotipos do vírus (três sorotipos) determinando crescentes epidemias e surgimento de dengue graves e hemorrágicas.

Criminosamente, os casos de dengue são relatados. Digo criminosa a forma, por ser omisso ou intencional a subnotificação dos casos. Os Municípios não incentivam as notificações e a investigação de casos e o Estado por questões de alinhamento político não verifica. Os dados epidemiológicos da dengue no Estado do Amapá são falsos, poucos servem como parâmetros para auxilio ao controle.

Aprendemos nestes últimos anos, devido as sucessivas epidemias mesmo subnotificadas, que houve um descontrole na saúde da população que ninguém pode negar. Políticas inexistentes ou equivocadas fizeram a consolidação das epidemias e irão se perpetuar nos anos posteriores, caso haja manutenção dessas mesmas políticas de falso controle. As epidemias provam o descaso e ineficiência da gestão pública.

Impossível prever o comportamento da doença sem conhecermos os sorotipos circulantes. Esses exames são realizados em Belém e demoram meses para terem-se os resultados. Alertamos em varias oportunidades a possibilidade de introdução de novo sorotipo através da fronteira. Fundamental é realizarmos exames básicos aos pacientes como hemograma simples, que indica ao clínico o estado atual do paciente e possível evolução da doença, coisa rara nas unidades de saúde. Importante também o exame sorológico no princípio de um surto epidêmico. Aliás, boa parte dos pacientes recorre aos prontos socorros visto que não conseguem atendimento nas Unidades Básicas de Saúde. As unidades de emergência não são os locais melhores indicados para atendimento ambulatorial ao paciente dengoso.

Também e impeditivo ao conhecimento do caminhar da doença saber os índices vetoriais. O Amapá recorre ao cálculo dos índices vetoriais rápidos que já se mostraram ineficazes em todo o Brasil, utilizando essa ferramenta inútil para pesquisa do mosquito. Já há conhecimento de métodos de melhor precisão como o uso de armadilhas de ovoposição. Enfim há uma série de coisas técnicas a serem implementadas no Amapá e outras, acredito que foram superadas como o diagnóstico clínico e tratamento, pois os médicos foram capacitados para o atendimento ambulatorial e hospitalar.

Mas a Dengue não é um problema exclusivo dos orgãos de saúde pública, envolve outros setores de governo e da sociedade. Ai está o maior entrave.
Os setores governamentais ficam discutindo no Amapá de quem é a culpa ou a responsabilidade. Agarra-se em portarias do Ministério da Saúde para tal e começa o jogo de empurra. União, estados e municípios devem trabalhar harmonicamente, dividindo tarefas, complementando e suplementando as falhas dos parceiros, sem, contudo deixar ao campo político sobrepor-se ao conhecimento técnico. Sem essa de fingir que repassa os recursos suficientes, que executa as ações como deveriam e supervisionam com intuito de auxilio e com imparcialidade. Para que isso ocorra a coordenação das atividades deve ser impositiva sem melindres de ferir com posições firmes.

Medidas coercitivas têm que ser tomadas. Nesses anos epidêmicos não houve nenhuma punição aos proprietários de lixeiras urbanas, criadouros potencial do mosquito, como terrenos baldios, sucatarias, ferro velho, borracharia ou mesmo moradores que repetem o ato de jogar lixo nas esquinas. Os quintais onde surgiram os primeiros casos em 2001 continuam sendo criadouros nos bairros do Trem, Santa Inês e Central. Quanto a isso não foi feito absolutamente nada!
Em atitudes politiqueiras de panfletagem nas esquinas tempo e dinheiro foram desperdiçados. Assistimos políticos enganando a população, travestidos de educadores de saúde.

Buscar saberes técnicos, e ter ousadia e radicalizar o controle com a meta de erradicar tem que ser o objetivo. Pensar pequeno, acomodar-se com a situação, acreditar no determinismo histórico do ex-Território, fatalidades e descoberta da vacina, deixa-me convicto de que se libertarmos desses conceitos teremos que conviver com a dengue pelo resto de nossas vidas. Pensem que o isolamento geográfico do Amapá pode ser benéfico para erradicação. Outras ilhas assim fizeram com êxito. Não podemos achar que está nas mãos de São Pedro quando inicia ou termina os ciclos da dengue.

  • Estou fazendo uma pós em gestão e na disciplina de po´liticas públicas tem uma atividade que solicita que fale sobre um ‘estado de coisas’ na saúde. Na sua opinião a dengue seria um “estado de coisas”

  • Muito bom esse comentário,gostaria de pedi permissão ao autor para usar em minhas aulas de saúde pública,me mande o email dele se possivel,obrigado.

    • Sinto-me feliz por ter gostado do artigo,pode usar a vontade. O meu e-mail é este mesmo as outras coisas ditas ñão são tão confiaveis, ela é minha mulher e me ama. Tudo de bom.

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