Eliane Brum ganha Prêmio Rei da Espanha de Jornalismo

A jornalista Eliane Brum foi uma das vencedoras do Prêmio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha por sua reportagem “O Islã dos Manos”, publicada na revista ÉPOCA de 2 de fevereiro de 2009.

A 27ª edição do prêmio, convocado anualmente pela Agência Efe e pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID), escolheu o trabalho de Eliane porque ele “”mostra que as novas tendências religiosas na América Latina não se limitam à expansão de seitas evangélicas”.

Eis a reportagem na íntegra:

Islã cresce na periferia das cidades do Brasil

Jovens negros tornam-se ativistas islâmicos como resposta à desigualdade racial. O que pensam e o que querem os muçulmanos do gueto

Cinco vezes ao dia, os olhos ultrapassam o concreto de ruas irregulares, carentes de esgoto e de cidadania, e buscam Meca, no outro lado do mundo. É longe e, para a maioria dos brasileiros, exótico. Para homens como Honerê, Malik e Sharif, é o mais perto que conseguiram chegar de si mesmos. Eles já foram Carlos, Paulo e Ridson. Converteram-se ao islã e forjaram uma nova identidade. São pobres, são negros e, agora, são muçulmanos. Quando buscam o coração islâmico do mundo com a mente, acreditam que o Alcorão é a resposta para o que definem como um projeto de extermínio da juventude afro-brasileira: nas mãos da polícia, na guerra do tráfico, na falta de acesso à educação e à saúde. Homens como eles têm divulgado o islã nas periferias do país, especialmente em São Paulo, como instrumento de transformação política. E preparam-se para levar a mensagem do profeta Maomé aos presos nas cadeias. Ao cravar a bandeira do islã no alto da laje, vislumbram um estado muçulmano no horizonte do Brasil. E, ao explicar sua escolha, repetem uma frase com o queixo contraído e o orgulho no olhar: “Um muçulmano só baixa a cabeça para Alá – e para mais ninguém”.

Honerê, da periferia de São Bernardo do Campo, converteu Malik, da periferia de Francisco Morato, que converteu Sharif, da periferia de Taboão, que vem convertendo outros tantos. É assim que o islã cresce no anel periférico da Grande São Paulo. Os novos muçulmanos não são numerosos, mas sua presença é forte e cada vez mais constante. Nos eventos culturais ou políticos dos guetos, há sempre algumas takiahs cobrindo a cabeça de filhos do islã cheios de atitude. Há brancos, mas a maioria é negra. “O islã não cresce de baciada, mas com qualidade e com pessoas que sabem o que estão fazendo”, diz o rapper Honerê Al-Amin Oadq, na carteira de identidade Carlos Soares Correia, de 31 anos. “Em cada quebrada, alguém me aborda: ‘Já ouvi falar de você e quero conhecer o islã’. É nossa postura que divulga a religião. O islã cresce pela consciência e pelo exemplo.”

Em São Paulo, estima-se em centenas o número de brasileiros convertidos nas periferias nos últimos anos. No país, chegariam aos milhares. O número total de muçulmanos no Brasil é confuso. Pelo censo de 2000, haveria pouco mais de 27 mil adeptos. Pelas entidades islâmicas, o número varia entre 700 mil e 3 milhões. A diferença é um abismo que torna a presença do islã no Brasil uma incógnita. A verdade é que, até esta década, não havia interesse em estender uma lupa sobre uma religião que despertava mais atenção em novelas como O clone que no noticiário.

O muçulmano Feres Fares, divulgador fervoroso do islamismo, tem viajado pelo Brasil para fazer um levantamento das mesquitas e mussalas (espécie de capela). Ele apresenta dados impressionantes. Nos últimos oito anos, o número de locais de oração teria quase quadruplicado no país: de 32, em 2000, para 127, em 2008. Surgiram mesquitas até mesmo em Estados do Norte, como Amapá, Amazonas e Roraima.

Autor do livro Os muçulmanos no Brasil, o xeque iraquiano Ishan Mohammad Ali Kalandar afirma que, depois do 11 de setembro, aumentou muito o número de conversões. “Os brasileiros tomaram conhecimento da religião”, diz. “E o islã sempre foi acolhido primeiro pelos mais pobres.”

Na interpretação de Ali Hussein El Zoghbi, diretor da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil e conselheiro da União Nacional das Entidades Islâmicas, três fatores são fundamentais para entender o fenômeno: o cruzamento de ícones do islamismo com personalidades importantes da história do movimento negro, o acesso a informações instantâneas garantido pela internet e a melhoria na estrutura das entidades brasileiras. “Os filhos dos árabes que chegaram ao Brasil no pós-guerra reuniram mais condições e conhecimento. Isso permitiu nos últimos anos o aumento do proselitismo e uma aproximação maior com a cultura brasileira”, afirma.

Eles trazem ao islã a atitude hip-hop e a formação política do movimento negro

A presença do islã na mídia desde a derrubada das torres gêmeas, reforçada pela invasão americana do Afeganistão e do Iraque, teria causado um duplo efeito. Por um lado, fortalecer a identidade muçulmana de descendentes de árabes afastados da religião, ao se sentir perseguidos e difamados. Por outro, atrair brasileiros sem ligações com o islamismo, mas com forte sentimento de marginalidade. Esse último fenômeno despertou a atenção da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, que citou no Relatório de Liberdade Religiosa de 2008: “As conversões ao islamismo aumentaram recentemente entre os cidadãos não-árabes”.

Os jovens convertidos trazem ao islã a atitude do hip-hop e uma formação política forjada no movimento negro. Ao prostrar-se diante de Alá, acreditam voltar para casa depois de um longo exílio, pois as raízes do islã negro estão fincadas no Brasil escravocrata. E para aflorar no Brasil contemporâneo, percorreram um caminho intrincado. O novo islã negro foi influenciado pela luta dos direitos civis dos afro-americanos, nos anos 60 e, curiosamente, por Hollywood. Cruzou então com o hip-hop do metrô São Bento, em São Paulo, nos anos 80 e 90. E ganhou impulso no 11 de setembro de 2001.
(Fonte: Época.com)
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Eliane Brum é uma das mais premiadas jornalistas brasileiras, já ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de Jornalismo. É autora de A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O olho da rua (Globo).

Eu e Eliane Brum ano passado na minha casa
  • Eu nunca tive o privilégio de estar com ela pessoalmente, mas Eliane Brum é com toda certeza uma boa jornalista e eu aprendo muito com ela. Sou uma estudante de Jornalismo que tem uma das melhores professoras do mundo, seus textos e documentários são ricos em sabedoria, eu os carrego comigo para onde quer que eu vá.

  • Como profissional, ouvi tantas coisas boas da Eliane que não esqueci.Ela disse mais;
    “O reporter deve duvidar de sua certeza. De tando olhar uma cena, ela pode se tornar verdadeira”. E ela tem razão, me alertou em algo que as vezes passa foi dela que ouvia frase;”Nos ensinaram a confundir imagem com verdade, se o olhar está viciado, deve mudar”.
    Amei conhecer, conversar, aprender e ter um texto meu avaliado e aprovado pela Eliane. No dia que ela entrou na sala nos pediu para escrever sobre ela e eu escrevi sobre o sapato que ela usava. Ela um sapato de couro no estilo boneca, de couro, na cor vermelha e que dava um certo ar infantil. Viajei no texto e ela achou muito bacana porque as pessoas escreveram sobre ela e eu relatei o que os sapatos falavam sobre a dona, sobre a pessoa que usava. Foi 10 Néia, muito maravilhoso aprender com quem sabe de verdade.

  • Néia, ela é maravilhosa mesmo. Ano passado fiz a oficina de texto promovida pelo Itau cultural com ela. Foi super dez. Ela tem um olhar de observação na matéria como nunca tinha visto antes. Com ela aprendi dicas infalíveis do que devo explorar em um personagem. Numa conversa no intervalo do curso ela me disse algo que registrei para sempre;” Quando o entrevistado pára ele também fala por isso a escuta deve ser total, a escuta é o que existe de mais importante na profissão de jornalista, só escreve bem quem apura muito, cheiro, silêncio, textura, cor, barulho, interrupção”. Depois que ouvi isso dela Néia, nunca mais fui a mesma, mudei para melhor na hora de apurar. E segui´o conselho dela de escrever sempre para publicar depois. Tô comemorando o prêmio também.

  • Que bacana. Eliane é uma das maiores jornalistas do Brasil, e autora de grandes e interessantes reportagens.

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