Minha mãe era linda

Eu no colinho da minha amada, adorada e saudosa mãe professora Delzuite Cavalcante.
Mãe, na saudade dos que te amam descansas na paz de Deus.

Ano passado escrevi aqui neste blog “Mãe, tô com saudade de ti”. Me deu vontade de republicá-lo. Então, aí vai:

Mãe, tô com saudade de ti

Eu sempre sinto saudade de ti, uma saudade suave, terna. Mas em algumas datas essa saudade vem acompanhada de uma dorzinha. É sempre assim quando maio chega com suas vitrines coloridas, laços de fita, pacotes de presente, promoções e correria no comércio, mensagens de Feliz Dia das Mães no rádio, na TV, nos jornais, revistas.

Não fui ao comércio esta semana. Embora ache bonita e alegre aquela correria nas lojas, o amor estampado no rosto do filho que compra um presente, o carinho com que escolhe o melhor presente (e aí não importa o preço nem o tamanho, pois o melhor presente é aquele recheadinho de amor), pois bem, embora goste de tudo isso, me sinto uma estranha. É assim desde aquele maio em que entrei numa loja de roupas e uma balconista sorridente se prontificou a me ajudar . “Qual o estilo de sua mãe?”, perguntou-me. “Obrigada. Eu estava só dando uma olhadinha. Acho que não tem nada que eu possa levar pra ela”, respondi e saí. Na outra loja, um animado vendedor me disse que você ia a-do-rar ganhar uma televisão nova pra assistir sua novela preferida. Em mais outra, a vendedora muito prestativa deu-me uma série de sugestões: bolsa, perfume, maquiagem, brinco, colares etc etc. Tadinha dela, mãe. Ela não sabia que você não está mais aqui e só queria me ajudar na escolha. Desisti de entrar em mais uma loja para comprar o presente da minha colega de trabalho que estava aniversariando naquele sábado. Voltei pra casa fazendo uma oração, pedindo a Deus que proteja e abençoe todas as mães e seus filhos sempre, seja maio ou não. No caminho de volta vim lembrando de quantas e quantas vezes bati perna naquele comércio de baixo pra cima e de cima pra baixo procurando o melhor presente pra te dar. Às vezes a grana tava boa, às vezes tava vasqueira. Mas você nunca se importou com isso. “O que vale é a lembrança”, nos ensinou desde cedo. “Pode ser uma lixa de unha embrulhadinha num papel de presente porque o que vale mesmo é o amor que vem junto”, dizia-nos.

Pois é, mãe, eu tô aqui lembrando que foi contigo que aprendi que o sentimento é o que mais importa. Sabias, mãe, que na Igreja Messiânica também se aprende isso? Quando eu cheguei lá eu já sabia porque aprendi contigo.

Sabe, mãe, esta semana eu lembrei mais de ti do que em outras. Lembrei do primeiro dia que me levaste para a escola. Eu tinha cinco anos. Ai, meu Deus, como eu chorei tanto pra não ficar longe de ti. E chorei também nos dias seguintes. Durante uma semana ou mais eu abria o berreiro no portão da escola quando me deixavas lá, até que um dia a madre superiora do Bartoloméa te disse que se eu continuasse chorando não me aceitaria mais lá.

Lembro também das tantas vezes que participei das festinhas de Dia das Mães no Bartoloméa e no Colégio Amapaense declamando versinhos, fazendo teatro, me apresentando no coral e tu,  sentada na primeira fila da platéia, ficavas com os olhos marejados de emoção, alegria e orgulho.

E a primeira vez que eu tirei uma nota vermelha, lembras? Foi em geografia, no primeiro ano ginasial. Fiz um rodeio sem tamanho pra te contar o que tu já sabias. Ouvi o ralho calada e envergonhada, mas depois do ralho – como sempre – veio o carinho, o apoio, os conselhos, mas também a promessa de castigo se o fato se repetisse.

E eu fui crescendo e tu sempre ao meu lado. Me amando, me apoiando, me dando teu colo e teu ombro, festejando as minhas conquistas, aprovando minhas escolhas e desaprovando algumas (desaprovando para o meu bem, claro). Tu estavas comigo no portão da minha primeira escola, na minha primeira comunhão, nos meus 15 anos,  no meu casamento, na hora que me tornei mãe. Estavas em todos os momentos importantes da minha vida. Foram tantos!

Rimos tanto juntas. E choramos abraçadas também. Tu conhecias todas as minhas dores e todas as minhas alegrias.

Já te contei que esta semana não fui ao comércio, né? Ontem quando o movimento deve ter sido bem maior (aquela velha mania que quase todo mundo tem de deixar pra comprar presente em cima da hora) não fui mesmo. Pra que levar minha dor pra olhar as vitrines e examinar os presentes um por um? Fui à Igreja rezar por nós e por todas as mães (sempre faço isso) e ainda assisti uma cerimônia de noivado. Lembras do meu noivado? Claro, né? Que pergunta!

Bom, mas o que eu queria te contar é que fiquei lembrando de tantos segundos sábados de maio. Eu adorava limpar a casa, arrumar tudo, lavar os bibelôs, passar óleo de peroba nos móveis e trocar as toalhinhas de crochê. Queria que a casa amanhecesse mais linda e mais cheirosa no teu dia. Os manos ajudavam também. Cada um fazia uma coisa. De manhã estávamos todos reunidos para o café e a gente arrumava a mesa com as porcelanas que guardavas para os dias especiais. O almoço também era uma festa. Tudo muito bonito, gostoso, alegre. E eu passava a manhã inteira colocando naquela vitrola um long-play (hoje isso não existe mais, hoje é CD) só com músicas para as mãezinhas. A que eu mais gostava e tu também era aquela assim: “ela é a dona de tudo, ela é a rainha do lar, ela vale mais para mim que o céu, que a terra e que o mar”.
Nossa! Tocava essa música umas cem vezes. E a gente foi crescendo, casando, cada um indo pra sua casa. Mas Dia das Mães tava todo mundo na tua casa fazendo a festa. E em outros dias também. Lembro que toda tarde ias na minha casa quando voltavas do trabalho e toda noite eu ia na tua. Quase onze horas da noite, depois de dar cinco aulas na Escola Integrada, na volta pra minha casa eu parava na tua. E tu estavas no pátio ou na sala, às vezes já de camisola, me esperando pra me abençoar.

Mãe, a gente era tão feliz! “Se eu pudesse eu queria outra vez, mamãe, começar tudo tudo de novo”.

Mãe, tem dias que sinto tanta falta de ti. Alguém pode até dizer “ah, não tem nem graça tamanha mulher de 54 anos querer colinho da mãe”. Mas é verdade, mãe. Vem aquele desejo imenso de descansar a cabeça no teu ombro e deixar que teus dedos arrumem meus cabelos que alguma aflição despenteou.

Não sei se devo te contar que algumas tristezas foram inauguradas, que sofrimentos machucaram meu verso e desencantos arranharam meu poema, que alguns sonhos não passaram de sonhos mesmo. As maldades estão soltas por aí e há tanto desamor, egoísmo, rancor, injustiça… Mas uma coisa eu te asseguro: embora tenha cruzado com tudo isso no caminho, não me tornei má. Continuo simples, terna, amorosa. Estou sempre com as mãos cheias de perdão e o coração pleno de amor para dar ao meu semelhante. Do jeitinho que tu e papai me ensinaram.

Já é madrugada, mãe. Fui lá fora e olhei pro céu. Vi aquela imensa estrela azul que habitas e nela te vi e senti o teu sorriso e recebi tua bênção. Ok, mãe, vou dormir. Pode ficar tranqüila que não vou regar as minhas roseiras com lágrimas.

Vou dormir. Quando amanhecer quero acordar sorrindo, afinal segundo domingo de maio também é meu dia.

Alcinéa

P.S. Ontem encontrei na Igreja a professora Ana Cantuária, que trabalhou contigo na escola Coaracy Nunes. Ela está aposentada há mais de 20 anos. Vive viajando e cuidando dos netos. Me disse que está sempre lembrando de ti, da tua alegria, das piadas que contavas. Ela falou que nunca te esqueceu. Aliás, mãe, todas as vezes que encontro com tuas amigas elas me dizem que não te esquecem. Mamãe, você é inesquecível. Te amo!

(Escrito em 8 de maio de 2010)

 

  • Alcinéa estou a procura de fotos da professora Deuzuite pois gostaria muito de fazer uma homenagem pra ela em nossa escola.

  • Alcinéa, você é demais…terminei de ler, com a blusa molhada de lágrimas. Muito emocionante seu texto. Obrigada por nos presentear com mensagens tão profundas e bem escritas. Parabéns!

  • Voce é unica!
    Muito lindo ler… Magico!… Parabens por tudo, é muito bom saber/ler sobre voce! Fique cm Deus…Um abraço.

  • Lamento não ter conseguido ler, as lagrimas não permitiram, vou retornar outro dia, hoje estou muito sensivel. Felicidades a voce e sua familia.

  • Que lindo! Eiiii eu estudei na escola que homenageia sua mãe, na Escola Estadual Deuzuite Mª Carvalho Cavalcante.

  • , meu bem! Ainda bem que a Dona Zenaide está aqui na terra e com ótima saúde, para nos aconselhar, sempre com sabedoria. Deus transformou a Profª Delzuite numa estrela, para continuar brilhando no caminho dos tantos alunos a si confiados, nos tantos anos aqui no planeta. Deus te abençoe.

  • obrigada Alcinéa pelo texto, minha mãe não conheceu a sua, mas lá no céu todas as mães hoje se encontram para fazerem preces à todos os filhos e filhas. Benção mãe…

  • AMADA !! COMEÇEI A LER TEU DESABAFO E POESIA SEM LÁGRIMAS NOS OLHOS. ACABEI COM UMA ENXURRADA. TENHO CERTEZA QUE A SUA E MINHA MÃE ESTÃO JUNTAS NO PARAÍSO. NOS DANDO OURO TIPO DE COLO, DE AFAGO, DE..,DE..DE..
    PORQUE MÃE , É SEMPRE MÃE,EM QUALQUER LUGAR !!!
    BJS AMADA NO SEU GIGANTE CORAÇÃO.

  • Oi, amiga.
    Eu ia começar dizendo “hoje é dia de lembrar…”. Na verdade, a gente lembra sempre. Principalmente dos bons momentos, daquelas frases de advertência, mas cheias de sabedoria, das quais muitas vezes nem dávamos conta da importância que elas possuiam. É assim que nós, filhos da “dona” Nini, lembramos dela. Sem tristeza, só saudade. Saudade de alguém que veio antes de nós e foi na frente, aguardando o momento de nos reencontrarmos. Nesse intervalo, nos comunicamos com ela, sempre que em nos sonhos ela aparece. Creio que assim se passa com você e seus irmãos, e com muita gente.
    Continuamos a lembrar sempre. As frase brotam espontaneamente diante de várias situações: “a mamãe dizia …” Lembramos sempre. A diferença é que hoje a lembrança é mais forte.
    Um abraço.
    P.S. Obrigado pela referência à minha irmã, professora Ana.

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