Saúde

Hepatites virais: carreira brilhante, fama nem tanto!
Alessandro Nunes*

Uma das coisas que mais chama atenção na prática clínica é a forma como algumas doenças debutam de grande sucesso enquanto outras, injustiçadamente, não!

Dizer para um paciente que ele tem uma insuficiência cardíaca congestiva (ICC), de longe, não assusta tanto quanto dizer-lhe que sofre de um câncer. Pudera ele saber que este câncer pode ser uma leucemia linfóide crônica, onde a maioria vive por mais de dez anos sem receber uma única terapia especifica, e que a ICC, dificilmente, vai deixá-lo sobreviver por mais de dois anos mesmo nos melhores centros de tratamento!

Entender a origem dos mitos e vilões que penetram no imaginário popular não é difícil. Dois ingredientes básicos são necessários: o curso fatal da doença e a ausência de terapia curativa! Foi assim com a tuberculose até meados do século passado, quando a doença era uma sentença de morte por não ter cura e, por isso, vista como a “menina dos olhos” pela geração Byroniana.

Para quebrar esses mitos, a saída não é menos simplista: a descoberta da cura. Para muitos, encarada como um toque de mágica, uma tacada de mestre! Algo que, do dia para noite, mude toda a história natural da doença. O problema (ou não!) é que a medicina aprendeu com o tempo que, quando a cura não é possível, medidas de controle da doença podem ser tão eficazes quanto. E isso fez a gente chegar a incongruências maiores ainda, como o desrespeito pelas hepatites virais frente a AIDS, por exemplo.

Quem nunca viu, por ai, alguém comentando ser portador de hepatite C ou B como se estivesse gripado? “Não, hoje não posso beber porque pode atacar minha hepatite”. E o que aconteceria se este ficasse sabendo que a infecção pelo vírus da hepatite C permanece cronicamente em 85% dos pacientes e que, destes, vinte por cento evoluirão para cirrose (com sobrevida média pouco maior que dois anos) e que, dos cirróticos, dez por cento evoluirão para hepatocarcinoma (tipo de câncer com altíssima mortalidade)?  E de que lado você gostaria de ficar se soubesse que os portadores do HIV, quando interessados e acompanhados, têm uma sobrevida média muito próxima da população geral? Do lado da hepatite C ou da AIDS?

De onde viria, então, tanto estigma, mito e vergonha lançados contra os infectados pelo HIV? Pela forma de contágio? E se dissesse que a hepatite B possui transmissão predominantemente sexual, é mais comum em homossexuais e usuários de drogas injetáveis e que cerca de 5% da população da região amazônica possui essa infecção e pouco se importa (a não ser, claro, quando vai tomar aquela cervejinha)?

E então? Você já procurou vacinar-se ou saber se está infectado pelo vírus da hepatite B?

*Alessandro Nunes é médico residente de Clínica Médica da UNIFESP


  • Legal essa iniciativa de comentar sobre as hepatites,uma doença silenciosa, mas o dificil não é se testar, e sim levar o tratamento a frente diante das dificuldades impopostas pelo nosso sistema de saúde, e funcionarios dos nossos hospitais, para conferir basta ir ao LACEM tentar fazer um PCR, eles põe tanta dificuldade, parece que o dinhero que paga o exame vem somente do bolso deles, e os pacientes também não pagam, sou muito revoltada com essa situação, pois já fiz o tratamento para o tipo C e amarguei muito para poder conclui-lo, e só consegui graças ao Estado vizinho Pará.

  • Nossa, fiquei surpreso! Mas fico feliz em saber que ainda existem profissionais médicos com interesse em saúde pública. A maioria quer diagnose e cirurgia, na verdade quer mesmo é dinheiro. E tomara que persista com o interesse. Há muitas outras patologias transmissíveis ignoradas pelo sistema de saúde, que pauta o foco de suas campanhas no que as mídias de massa transmitem, exemplo foi a campanha contra o H1N1, enquanto dengue, tifo e tuberculose explodiam pelo país os governos escoavam dinheiro pelo ralo para tratar uma virose besta, que todo mundo sabe não ter tratamento específico. É seu moço, transformaram a saúde pública em show no Brasil. Quem não tem grana para tratar as doenças da moda fica perdido na fila do SUS esperando a boa vontade de não sei quem para tratar agravos que evoluíram para a cronicidade, por causa da ignorância da gravidade da doença e pela negligência dos gestores. Só a misericórdia divina salva.

    • Olá, FHC! Fico feliz pelos elogios!
      Quanto à conduta do governo frente ao H1N1, acho que foi corretíssima (e não sou governista, que fique claro…rsrs)! Quem fez a bobagem e o alarde desnecessário foi a imprensa, que não soube explicar que a preocupação do governo era epidemiológica e não relacionada à gravidade dos casos. O problema de um influenzae como o H1N1 se replicando em larga escala é a possibilidade dessa multiplicação acelerada gerar cepas mutantes de alta letalidade como o H5N1 que gerou a gripe aviária na Ásia (que matou assustadores 52% dos infectados). Veja a diferença: o H1N1 se transmite fácil mas mata pouco, já o H5N1 mata muito mas tem baixíssima transmissibilidade (só de aves para humanos). Agora, imagine a gravidade, para o mundo inteiro, do surgimento surgimento de uma cepa mutante HxNy com a mesma capacidade de replicar do H1N1 e de matar do H5N1!
      Não foi a toa que o mundo inteiro se moveu e ficou assustado!

      Abraços.

      • Hum, verdade, mas tais mutações podem mesmo ocorrer espontaneamente na natureza, não ache que sou eugenista, mas enxergo o processo como natural, seis bilhões de H. Sapiens, é muito! Mas você é profissional de saúde, um de seus motes é justamente este, salvar vidas e oportunizar a elas melhor qualidade, bem, se não forem os patógenos sobra para as ações de planejamento familiar, ausente em grande parte do mundo. O homem é quem aumenta as chances colocando espécies suscetíveis juntas, como porcos e aves, por exemplo, aí sim a mistura pode pegar, e feia. As barreiras sanitárias são necessárias, mas a festa em cima de medidas que deveriam ser de ofício não. Minha bronca é com a negligência em outros setores. E enquanto você exercer sua profissão com responsabilidade e moralidade vai continuar recebendo muitos elogios, uma das consequências de um bom trabalho, que espero que continue por muitos anos. Sorte e felicidade, nas graças do criador.

    • Fico feliz pelos elogios!
      Quanto às medidas do governo, considero que foram corretíssimas. Quem fez o alarde e a trapalhada foi a imprensa, que não soube explicar que a preocupação do governo era epidemiológica e não relacionada à gravidade da gripe H1N1. O problema de uma infecção com alto poder de propagação como a do H1N1 é a grande possibilidade desta gerar cepas mutantes com maior poder de letalidade, como o H5N1 que foi responsável pela gripe aviária e que chegou a matar impressionantes 52% dos infectados. Perceba a diferença: o H1N1 se propaga facilmente mas mata pouco, já o H5N1 é de difícil transmissão mas de alta mortalidade. Agora, imagine a gravidade frente ao surgimento de uma cepa mutante HxNy com o poder de disseminação do H1N1 e de mortalidade do H5N1! Não foi a toa que mundo inteiro não mediu esforços para conter o avanço do H1N1.
      Abçs

  • Olá Alcinéia,
    Moro em SP e acompanho diáriamente seu Blog.
    Através de seu blog a distância entre Macapá e SP se torna tão gitinha que me sinto aí com vcs.
    Muito interessante e aplausível a iniciativa do Médico Alessandro.Profissionais com este comprometimento merece todo respeito.
    Alertar, informar e tomar medidas profiláticas é o caminho.
    Parabéns Doutor Alessandro.
    Saudações Macapaenses.

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