Um conto

O conto do vigário
Joseli Dias

Um conto de réis. Foi esta quantia, enorme para a época, que o velho pároco de Catanzal perdeu para Pedro Lulu, boa vida cuja única ocupação, além de levar à perdição as mocinhas do lugar, era tocar viola para garantir, de uma casa em outra, o almoço de todos os dias.

Nenhum vendeiro, por maior esforço de memória que fizesse, lembraria o diaem que Pedro Lulutirou do bolso uma nota qualquer para comprar alguma coisa. Sempre vinha com uma conversa maneira, uma lábia enroladora e no final terminava por comprar o que queria, deixando fiado e desaparecendo por vários meses, até achar que o dono do boteco tinha esquecido a dívida, para fazer uma nova por cima.

A vida de Pedro Lulu era relativamente boa. Tocava nas festas, ganhava roupas usadas dos amigos e juras de amor de moças e solteironas de Catanzal. A vida mansa, no entanto, terminou quando o Padre Bastião chegou por ali. Homem sisudo, pregava o trabalho como meio único para progredir na vida. Ele mesmo dava o exemplo, pegando no batente de manhã cedo, preparando massa de cimento e assentando tijolos da igreja em construção. Quandodeu com Pedro Lulu, que só queria sombra e água fresca, iniciou uma verdadeira campanha contra ele. Nos sermões, pregava o trabalho árduo. Pedro Lulu era o exemplo mais formidável que dava aos fiéis. “Não tem família, não tem dinheiro, veste o que lhe dão, vive a cantar e a mendigar comida na mesa alheia”, pregava o padre, diante do rebanho.

Aos poucos Pedro Lulu foi perdendo amizades valiosas, os almoços oferecidos foram escasseando e até mesmo nas rodas de cantoria era olhado de lado por alguns. “Isso tem que acabar”, disse consigo.

Naquele dia foi até a igreja e prostrou-se diante do confessionário. Fingindo ser outra pessoa, pediu ao padre o mais absoluto segredo do que iria contar, porque havia prometido a um amigo que não o faria mesmo diante das maiores dificuldades, mas que por vê-lo em tamanha necessidade, tinha resolvido confessar-se, passando o segredo adiante.

O padre, cujo único defeito era interessar-se demais pela vida alheia, ficou todo ouvidos. E foi assim que a misteriosa figura contou que Pedro Lulu era, na verdade, riquíssimo, mas que por uma aposta que fez, não podia usufruir de seus bens na capital, que somavam milhares de contos de réis. Ele fez uma aposta das grossas, daquelas lavradas em cartório, de que durante um ano viveria apenas com a roupa do corpo, sem arrumar nenhum trabalho e tendo como único artifício a moda de viola para conseguir comida. Durante esse tempo haveria de encontrar alguém, que mesmo vendo-o como um sujeito sem eira e nem beira, lhe emprestaria um conto de réis. Caso conseguisse, não só recuperaria todos os seus bens como o amigo teria de ofertar a uma igreja cinco vezes o dinheiro que lhe tinha sido emprestado. Se por acaso não conseguisse, teria de viver mendigando o resto da vida. Mas o empréstimo deveria ser feito na frente de testemunhas, para que não houvesse margem de dúvidas sobre como foi conseguido o dinheiro.

E foi assim que os olhares do Padre Bastião mudaram para Pedro Lulu. Quando observou bem, o padre chegou mesmo a ver, na figura daquele tocador de viola, um jovem de coração soberbo e preocupado com as causas divinas. “Cinco contos de réis daria para construir a maior igreja das redondezas”, pensava consigo, sempre que ouvia o dedilhar da viola.

Dias depois, cuidava de seus afazeres diários quando ouviu uma música mais ou menos assim:

“Sou tocador de viola
Moço jovem e arrependido
O que tenho está escondido
Alcançar não posso não
Para eu ser um moço rico
Botar sandália nos pés
Preciso que um bom amigo
Me empreste um conto de réis”

O padre, depois disso, teve certeza absoluta que ajudando Pedro Lulu estaria contribuindo com a obra de Deus. Afinal, receberia cinco vezes mais. No sermão de domingo voltou a falar sobre o trabalho árduo e disse que, como pároco, tinha uma grande obrigação para com seus fiéis. Sendo Pedro Lulu o único da vila que não trabalhava, talvez por falta de oportunidade, iria lhe emprestar um conto de réis, um bom dinheiro na época, para que começasse seu próprio negócio. “Quem sabe assim não mostraria ser, na verdade, um moço bom de coração e merecedor do amor de Deus?”. E diante de todos, desfez-se do dinheiro, fruto de muitas contribuições para a igreja, entregando-o a Pedro Lulu, que agradeceu comovido, os olhos marejados de lágrimas e como ele próprio dissera, o coração bendizendo a igreja, que dava-lhe tamanha oportunidade.

Aquela foi a última vez que viram Pedro Lulu na vila do Catanzal.

Dizem que junto com ele desapareceu a mais bela cabocla do lugar. O padre ainda deu queixa à polícia dizendo ter sido enganado, mas como havia testemunhas de que tinha doado o dinheiro por livre e espontânea vontade, nada se pôde fazer contra o violeiro.

Na vila, um garoto ainda sabe cantar toda a música, aquela que o padre não se preocupou de ouvir o final:

“Sou tocador de viola
Moço jovem e arrependido
O que tenho está escondido
Alcançar não posso não
Para eu ser um moço rico
Botar sandália nos pés
Preciso que um bom amigo
Me empreste um conto de réis
Mas embora muito esperto
Bom de troça por inteiro
Não encontro algum otário
Além do nosso vigário
Que tenha tanto dinheiro”.

  • Etevaldo Batata
    Um pouco de política, ciência e tecnologia, cultura etc.

    terça-feira, 6 de setembro de 2011
    Carta (Pinheiro) da Mãe ao Filho “Desnaturado”(Sarney)
    Querido filho, gostaria de compartilhar com você esta data especial em que completo mais um ano. São 155 anos e o meu filho mais ilustre não vai vir me ver novamente. Filho, continuo abandonada, mal tratada… seus irmão, coitados, continuam a míngua, sem emprego sem saúde sem educação.
    Querido filho, minha neta querida também me renegou à minha própria sorte. Foi só assumir o governo do nosso estado, veio buscar as poucas coisas que recebo. Ganhei um hospital de alta-complexidade para seus irmãozinhos, ela levou; ganhei uma estação de tratamento de esgoto, também foi levada. Como pode ver, estou em total estado de abandono. Eu que já tive o título de Princesa da Baixada.
    Ô filho querido, as lágrimas dos teus irmãos escorrem toda vez que meu nome sai em rede nacional. A equipe do Jornal Nacional esteve aqui e pode constatar o caótico estado em que me encontro, onde até o aterro sanitário foi desviado pelo caçula que administrou meus bens por oito anos, e também deixou o esgoto a céu aberto na vala do Gabião. Filho, ele, que é teu afilhado, me deixou inadimplente com o INSS, na Caema, Cemar… criou até uma folha fantasma com os professores. Na Rede Record foram destacados casos de pedofilia e a chacina com decapitação dos presos que guardo aqui, e o pior é que nada foi feito para resolver esses problemas. Esse caçula faz tudo para macular meu nome, o nome da tua mãe filho!
    Querido filho, aqui me falam que usam da tua influência para que as coisas não funcionem, e para que nada venha amenizar o meus sofrimento e dos demais filhos que estão aqui abaixo da linha da miséria. Não quero acreditar nisso.
    Querido filho, gostaria muito da tua presença aqui para acompanhar essa passagem de ano; nem que fosse montado no jumento do deputado. Deixe o helicóptero para os irmãos que estão morrendo por falta dos 72 hospitais prometidos pela minha neta.
    Para finalizar, peço desculpas pelo desabafo. Espero receber o carinho dos meus quase oitenta mil filhos que estão aqui comigo. Com a certeza de que ouvirei Feliz Aniversario Pinheiro, teus verdadeiros filhos, estarão sempre do meu lado. Feliz aniversário, Pinheiro.

  • Parabéns, Joseli. Bem escrito e bem humorado. Serve para alegrar nosso dia. O Pedro poderia ser muito bem qualquer pessoa de hoje, dessas muito espertas em relação às coisas dos outros.

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