Um poema de Alcy Araújo

Lembrando-me

Penso no menino solitário
com medo da noite
no silêncio escorrendo
das palavras paralíticas.

Penso no homem solitário
com medo do mundo
das aflições aflorando
nos gestos de maldade.

Bem sei: no menino e no homem
estão a necessidade de ternura
a busca/ânsia
a inquietação diante
de um Deus desconhecido.

Também nas dobras da inocência
ou no escuro dos pesadelos singulares
escuto seus passos cotidianos.

Identifico lágrimas diárias
na rua desprovida de mar
no cais retornando
no espelho matinal
nos corpos frequentados.

Neste amar crescendo
vindo azul interior
descubro desassombrado
uma saudade.
Aí apago na parede
em trânsito
o retrato em preto e branco
do menino.

(Do livro “Poemas do Homem do Cais”, de Alcy Araújo, lançado em 1983 no Rio de Janeiro)

  • que poema lindo. modernsta, moderno, contemporâneo. um mergulho adulto dento do adulto homem vislumbrando o menino que todos nós nunca deixamos de ser, mesmo apagdo o retrato em preto e branco da parede. aliás, apagar este retrato é a confirmação mesma desse nunca apagar do menino inteior.
    lembro do teu pai andando quando ao voltar da escola o via caminhando pelas ruas, magro, curvado, cigarro na mão (ele fumava mesmo ou é fantasia minha?). lembro de teu pai e que quando o via pensava: ele é poeta. mal eu sabia dos poetas e como os admirava.
    sinto não conhecer mais a obra dele. certa vez li uns poemas, e lembro que fiquei encantado e depois li em público para uns amigos. gostaria muito de er este livro dele.
    bom, este poema já copiei.
    abç
    marton

  • Eu acho lamentável porque quase não temos acesso à leitura dos autores amapaenses. Quando a Biblioteca Elcy estava funcionando, fui lá para ler Aracy de Mont’alverne, e não encontrei nenhuma obra dela. Há autores aqui, como seu pai, Alcinéa, tão bons quanto os renomados nacionais. Mas falta divulgação, ainda bem que pelo menos você cuida da memória do Alcy Araújo, parabéns!

  • Alcy Araújo é o que de melhor eu já li em termos de literatura amapaense. Pena que grande parte da nossa sociedade desconheça a sua obra.

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