Uma poesia de Alcy Araújo

MINHA POESIA
Alcy Araújo


A minha poesia, senhor, é a poesia desmembrada
dos homens que olharam o mundo
pela primeira vez;
dos homens que ouviram o rumor do mundo
pela primeira vez.
É a poesia das mãos sem trato
na ânsia do progresso.
Ídolos, crenças, tabus, por que?
Se os homens choram suor
na construção do mundo
e bocas se comprimem em massa
clamando pelo pão?
A minha poesia tem o ritmo gritante
da sinfonia dos porões e dos guindastes,
do grito do estivador vitimado
sob a lingada que se desprendeu,
do desespero sem nome
da prostituta pobre e mãe,
do suor meloso da gafieira
do meu bairro sem bangalôs
onde todo mundo diz nomes feios,
bebe cachaça, briga e ama
sem fiscal de salão.
– Já viu, senhor, os peitos amolecidos
da empregada da fábrica
que gosta do soldado da polícia?
Pois aqueles seios amamentaram
a caboclinha suja e descalça
que vai com a cuia de açaí
no meio da rua poeirenta.
Cuidado, senhor, para o seu automóvel
não atropelar a menina!…

Poeta, jornalista e escritor Alcy Araújo Cavalcante, meu pai, nasceu em Peixe-Boi, no Pará, no dia 7 de janeiro de 1924 e faleceu em Macapá em 22 de abril de 1989. Publicou vários livros de poesia e crônicas e figura em importantes antologias e enciclopédias brasileiras e estrangeiras.

  • O nível elevadíssimo desse poema me faz perceber que eu escrevo apenas versos e que eu jamais chegarei a ser um poeta. Alcy Araújo, esse sim um POETA de verdade!

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