Uma vovozinha muito peralta

Aída Gemaque Mendes, a Ví Iaiá
Aída Gemaque Mendes, a Vó Iaiá

Aos 100 anos, completados em novembro passado, ela dança, caminha, joga vôlei, basquete e futebol. “O que eu gosto mais é de dançar. Ihhhhh adoooro dançar”, diz com os olhos brilhando e dando uns requebros.
Falta alguma coisa? Faltava. Faltava saltar de paraquedas. Peraltice que ela realizou ontem em Macapá. “Quero passear no céu, me sentir mais pertinho de Deus”, disse.

Estou falando de dona Aída Gemaque Mendes, a Vó Iaiá, nascida em 20 de novembro de 1909, no município de Chaves (PA) e que desde 1959 mora em Macapá.

Ao saltar ontem de paraquedas ele ficou famosa. Sua façanha está nos principais sítios e blogs do país e foi notícia até na Rede Globo. “Não fiquei famosa quando era nova, tinha que ficar agora depois de velha”, diz. E ela está a-do-ran-dooooooo a fama. Para  “bater retrato” com os fãs, faz pose e abre um largo sorriso.

Baixinha, magrinha, se gaba do corpinho que tem e da saúde. “A única doença que eu pego é gripe”. Não usa óculos. “Só não vejo direito as letras gitinhas, mas as letras graúdas eu vejo bem”, conta. Ouve bem, fala ao telefone. Deu várias entrevistas pelo celular nos últimos dias. O segredo de tanta vitalidade? Simples. “Trabalhar muito e beber muito açaí”.

Paraquedistas - os novos colegas de Vó Iaiá
Paraquedistas – os novos colegas de Vó Iaiá

Vó Iaiá teve cinco filhos (três morreram), tem um monte de netos e vários bisnetos. “Criei meus filhos na bacia de roupa e no ferro de brasa”, conta. Traduzindo: separada do marido, Vó Iaiá para manter a família teve que lavar muita roupa em casas de família. E engomar (passar) usando o ferro a brasa, que naquele tempo não tinha ferro elétrico. Até hoje gosta de lavar roupa. “Quando a gente se dá conta, lá está a vovó na bacia de roupa. Ela diz que máquina de lavar não tira sujo”, relata a neta Josilene Santos.

Irrequieta, a vovozinha não para. “A gente não gosta que ela saia sozinha. Mas de vez em quando ela dá um dribla na gente e sai sozinha para visitar os netos, a pé ou de ônibus. E pega o ônibus certinho”, conta a filha Gracinda de Jesus Vaz dos Santos.

Quando está em casa não fica sossegada. Está sempre procurando alguma coisa pra fazer. “Ela gosta de costurar e de fazer colchas de fuxico (um tipo de colcha de cama enfeitada com flores feitas com retalhos). E faz cada uma mais linda que a outra”, diz a filha.

– Tem medo de alguma coisa, Vó Iaiá?
– Só de onça
– Já viu uma onça de perto?

– Nunca vi e nem quero ver.

A filha Gracinda
A filha Gracinda

O salto estava marcado para às 10 horas da manhã. Na véspera ela dançou até meia noite na festa de confraternização do “Vida Feliz”, o grupo da terceira idade do qual ela faz parte e por onde já ganhou várias medalhas disputando vôlei, basquete e natação nos jogos da melhor idade. “Quando ela começa a dançar não quer mais parar. Eu chamava ‘mãe, vamos embora que a senhora tem que descansar’ e ela respondia: ‘não te preocupa, minha filha, que amanhã eu tô firme e forte pra saltar’”, conta Gracinda.

Às 9 horas, Vó Iaiá já estava no hangar prontinha e animada.

– Tá cansada, Vó?
– Nem um pouquinho. Essa juventude de hoje que quando dança numa noite no outro dia passa o dia inteiro dormindo. Eu não.

O evento sofreu um atraso de quase quatro horas. Enquanto Iaiá vive intensamente, a filha do piloto – uma jovem linda de 29 anos – cometeu o suicídio. O clube de paraquedista teve que providenciar outro piloto e isso levou horas.

O atraso não tirou o ânimo nem a alegria de Iaiá. Ela aproveitou para fazer  fotos, contar histórias, de vez em quando dava uma dançadinha e animava a família e os amigos. “Estou firme e forte. Fé em Deus que vai dar tudo certo” e dava uns passinhos de dança fazendo o “V” de vitória.

Com o neto Vavá

Ela contou que a idéia de saltar de paraquedas foi do neto Josivaldo dos Santos, o Vavá, um rapaz de 27 anos que está fazendo curso de paraquedismo.

– Ele chegou em casa e perguntou: “Vovó, a senhora quer saltar de paraquedas?”. Aí eu respondi na hora que queria. Ele disse: “A senhora topa mesmo?” Eu respondi: topo. E aqui estou pra pular lá do alto.

Durante uma semana ela fez um cursinho de preparação e os exames médicos. “Ela está ótima”, garantiu o geriatra Cláudio Leão.

O vice-governador Pedro Paulo Dias, que é médico, padrinho do grupo da terceira idade Vida Feliz e amigo de Vó Iaiá contou que quando ela foi dizer a ele que ia saltar de paraquedas ele levou um susto. Durante a conversa, sentiu que nada ia fazer Iaiá mudar de idéia. Reuniu um grupo de médicos para fazer uma avaliação do estado de saúde da vozinha, que foi submetida a uma bateria de exames. Resultado: saúde ótima. Mas ele se cercou de outros cuidados também. Foi pedir a opinião da Promotoria da Cidadania. “Se ela quer, a família concorda e o estado de saúde dela é favorável, não há motivo para que ela deixe de realizar esse sonho”, disse o promotor ao vice-governador.

Corajosa – desde que não apareça uma onça na frente dela – ela contava numa roda como ia

O instrutor Paulo Roberto Pinto, o PG
O instrutor Paulo Roberto Pinto, o PG

saltar e até ensinava o procedimento na hora da descida: “Tem que cruzar os braços e encolher as pernas”. O filho, um homem alto e forte, de 64 anos olhava preocupado. Ela vira-se pra ele e pergunta: “E tu, meu filho, tá com medo? Fé em Deus que vai dar tudo certo e eu tô muito feliz”. Nisso passa perto da roda o PG. Ela aponta pra ele e diz: “É nesse que eu venho atracada lá de cima”. PG é o instrutor Paulo Roberto Pinto, 45 anos de idade, 30 deles dedicados ao paraquedismo. Já foram seis mil e quinhentos saltos. No verão ele costuma ir para os Estados Unidos dar aulas . É a primeira vez que vai saltar com uma vovozinha de cem anos. A pessoa mais velha com quem já saltou foi um homem de 89 anos em setembro do ano passado nos Estados Unidos.

Alguém pergunta se ele está tranqüilo. “Ela está mais tranqüila do que eu”, responde.

– Qual o momento mais perigoso?
– Não tem perigo. O único perigo é estar dentro do avião, diz rindo. E acrescenta: saltar de paraquedas é muito simples e seguro. Acidentes só acontecem quando se negligencia a segurança.

Está quase chegando a hora. Isso por volta das 13h. Vó Iaiá é chamada pela equipe do Samu para verificar a pressão. “Não sei pra que isso. Tenho pressão de menina”. Dito e certo. Pressão arterial: 13 x 7.

– Tá tudo tranqüilo, Vó?
– Eu tô muito feliz. Uhhhhhhhhhh vou saltar de paraquedas.

Hora de fazer mais uma foto. Desta vez com a família e os amigos. E ela pede pra todo mundo

Vó Iaiá com a família e amigos
Vó Iaiá com a família e amigos

fazer o “V” da vitória. Ouve o que parece ser um choro discreto. Vira-se e pergunta pra prima:

– Tu tá chorando, prima?
– Não.
– Tu tá chorando, sim. Prima, deixa de besteira, eu tô feliz, tá todo mundo aqui feliz, meus amigos, toda minha família, fé em Deus, prima.

No caminho para o avião, ela distribuiu sorrisos e repetiu o gesto da vitória. Olhou pro alto e exclamou: “Eu vou passear no céu!”.

E lá se foi a vovozinha, feliz da vida e acenando pra quem ficou embaixo. Uns boquiabertos, outros rezando, mas todos felizes, embora se percebesse uma ponta de preocupação mal disfarçada em alguns familiares.

E vó Iaiá saltou. Foi presente de Natal do neto Vavá. De acordo com o instrutor Paulo Roberto Pinto, o PG, com quem ela saltou agarradinha, o salto foi de uma altura de 8 mil pés, 22 segundos de queda livre e 10 minutos de navegação. Por alguns segundos ela dirigiu o paraquedas.

Quando desceu, Vó Iaiá era o retrato da maior felicidade do mundo. Ergueu os braços para o céu e agradeceu a Deus. Deu entrevista coletiva contando que “foi bom demais”, que “é muito legal”, que não sentiu nenhum tantinho de medo, só uma “coisa estranha no ouvido por causa do vento forte” e que quer saltar de novo.

– O que pensou lá em cima?
– Pensei em Deus. Me senti mais perto Dele.

Abraçou e foi muito abraçada. Beijou e foi muito beijada. Mas o abraço mais apertadinho, o beijo mais especial ela deu no neto Vavá, o responsável por ela ter se metido nesta aventura inesquecível para ela e para todos que assistiram.

Eu também "bati retrato" com ela
Eu também “bati retrato” com ela

– Vai festejar como, Vovó?
– Tomando uma cervejinha.
– E a senhora bebe?
– Aqui e acolá eu tomo uma, mas só em datas especiais.

E se você tá achando que Vó Iaiá vai sossegar agora, tá muito enganado. Ela já está pensando em novas peraltices.

“Quero aprender a andar de bicicleta e talvez até de moto.”

É… Vó Iaiá não fica quieta mesmo.

(Texto e fotos: Alcinéa Cavalcante)

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