O filho de lavadeira e o neto indagador
Milton Sapiranga Barbosa
Todas as manhãs, de segunda à sexta, sempre que estou em frente ao prédio da Rádio Difusora de Macapá, aguardando a hora de iniciar minha jornada de trabalho no setor de mensagens para o interior, fico observando as meninas e os meninos que passam rumo aos diversos estabelecimentos de ensino existentes as proximidades (Barão do Rio Branco, Escola Integrada, Emílio Médice, Colégio Amapaense e outros).
Na minha observação constato que, de cada 10 alunos que passam, 9 estão com fones entupindo os ouvidos, na certa, eu suponho, escutando um “batidão”, um Rap ou um meloso técno bréga, que eles adoram, mas que eu, particularmente, acho horrível (mas não condeno e nem discrimino quem gosta) pois curto um boa música romântica, um pagode legal e um samba de primeira, além de merengue e tango.
Vendo a garotada passar, me vem no pensamento que as crianças de hoje podem desfrutar de uma infinidade de brinquedos eletrônicos, cada um mais sofisticado que o outro. Bem diferente, e bota diferença nisso, dos brinquedos do meu tempo de criança. E é daí que me vem uma preocupação, de quando meus netos, que estão em fase de crescimento e já envolvidos nessa parafernália de brinquedos movidos à distância por controle remoto, começarem a perguntas embaraçosas, principalmente o caçula dos netos, o Pedro Caíque, que se mostra mais sagaz e o mais sapeca , entre os três netinhos que minhas filhas Ana Paula e Elinne, me deram. Perguntas do tipo: Vô (mostrando sua enorme caçamba basculante), o senhor quando criança tinha uma caçamba igual a essa? Este avô babão vai responder que não e dizer que minha caçamba era uma lata de óleo, que juntava no quintal da vizinha Marieta Amorim (a mamãe só mandava comprar óleo a retalho na casa Duas Estrelas ). Eu abria um dos lado da lata na parte mais larga e fazia uma dobra na ponta da folha cortada, imitando uma cabine e que presa por um fio era arrastada por ruas e avenidas do Favela. E o moleque com certeza vai continuar perguntando, mostrando o seu automóvel que acende os faróis e faz manobras: “o senhor tinha um carrinho assim?” Outra negativa, será minha resposta e com a seguinte explicação: Meu carrinho era uma lata de sardinha (que não faltava no jiraus de casa), aberta do modo tradicional e também com a dobra representando a cabine, com quatro furos nos lados, por onde eram enfiados dois talos de vassoura de piaçava ou um arame, com 4 tampinhas de borracha de vidros de penicilina, colocados em suas extremidades, que serviam de pneus. Olhando seu barquinho ancorado na piscina inflável, lá vem o moleque indagando. E barco, vovô, o senhor tinha? Lá vem o não de novo e a resposta: Igual ao teu não O meu era feito de miriti, que conseguia no vasto igapó da Favela (ida da baixa do hospital até próximo a Mendonça Júnior, no local denominado de MALOCA, anexo do bairro da Favela.) O miriti era cortado em sua parte mais grossa, em formas de ripinhas e num total de três, que colocadas lado a lado eram traspassadas por três talas e a vala da Mendonça Furtado, que começava próximo a casa da professora Violeta, na Leopoldo Machado e terminava na Jovino Dinoá, servia de rio, onde eu apostava corrida com os outros moleques do bairro, quando estava chovendo. Era uma festa.
Daí em diante, antes que ele continue com suas indagações, vou logo dizendo direto: que minha Carreta era formada com 5 latas de leite ninho, com furos nos lados, cheias de pedras e presas uma na outra com arames. E sem dar tempo dele retrucar, falarei que meu telefone era composto por duas latas de leite moça, com furos nos fundos e por onde era introduzido um barbante prendendo pregos em suas extremidades por dentro das latas, para falar com outro moleque à 10 metros de distância. Se falava tão alto que era impossível quem estivesse com uma das latas no ouvido não escutar. Direi que meu avião também era feito de miriti, tinha hélice e três talas espetadas em baixo que representavam trens de pouso. Mas vou dizer também, que no meu tempo de criança eu brinquei de racha pião, de caveira, de pira, de camões, baladeira, bola no meio da rua de piçarra, soldado e ladrão, etc, etc.. Para finalizar e não permitir gozação do moleque indagador, direi que com meus rústicos brinquedos, em podia brincar livremente pelas ruas e avenidas do bairro, coisa que ele, com seus sofisticados brinquedos não pode fazer. Tem que ficar confinado em casa, pois se for brincar na rua corre o risco de ser agredido por outros moleques, ter os brinquedos roubados e dar graças a Deus, se não for morto. E completarei: é moleque, teu avô quando criança não sabia o que era controle remoto. Mas com certeza tinha mais liberdade e era muito mais feliz.
E tem mais, no meu tempo existia carrinhos movidos a fricção ou corda. Mas esse luxo da época não era para um FILHO DE LAVADEIRA, que tinha ainda que amassar açaí e vender mingau para sustentar seus filhos.
34 Comentários para "Crônica do Sapiranga"
Sapiranga, você me fez voltar ao tempo do meu telefone de lata. Você me fez voltar ao tempo em que eu brincava de barquinho de papel e de aviaozinho de miriti. Meu irmão mais novo fez um barquinho de lata de oleo e ele colocava um negocio que dava propulsão ao barquinho e a gente ficava olhando o barquinho “voar” na agua. Com todos esses brinquedos modernos e, hoje, importados fico lamentando aqui a criatividade que se deixou de passar às crianças. Que tal montar uma oficina para a molecada com todo esse seu conhecimento? Certamente você tera voluntarios entre nossos aposentados. um gde abraço
Sapiranga, o filme tá passando na cebeça de muitos daquela época , Gil e Gilberto não dispensavam as latas de óelo e tinham muitas na Taberna, nas Duas Estrelas, mas a confusão mesmo era por causa das tampas de vazelhina , pra formar time de botão , Remo e Payssandu
Sapiranga, sempre nos presenteando,em casa Gil e Gilberto disputavam latas de óleo e tinham muitas , por causa da venda à retalho na Taberna – Duas Estrelas. o problema é que não vendiamos vazelina pra cabelo no retalho , e eles queriam pra montar o time de botão , Remo e Payssandu , times do papai e tio Zito respectivamente
O Sapiranga demora mas quando vem é p/arrebentar. Fiquei com os olhos marejados de lembrar da minha infância nos bairos do Laguinho, Jesus de Nazaré e um pouco na Favela. Lembro que a gente enchia uma meia preta de areia p/parecer uma cobra. Esticava uma linha de um lado para outro da rua, e quando passava alguém a gente ia puxando bem devagar. Era uma gritaria geral. Levei uns bons cascudos do sr. Bandeira (meu pai), por causa dessa brincadeira. Bons tempos que não voltam mais. Valeu Sapiranga.
Milton, existem dois tipos de gente que mexe com as letras: o escritor e o escrivinhador. Você é um talentoso escritor. Eu jamais saberia decifrar que aquela pessoa calada, de passos silenciosos poderia nos brindar com páginas maravilhosas. Veja sempre com orgulho, o fato de ser filho de lavadeira. O mais importante que a D. Alzira passou pra vc, foi o fato de viver com dignidade e não ter a mão, ou o bolso, maior que os olhos. Vida longa, mestre!
Realmente, chegou de mansinho e foi tomando conta da memória e da emoção. As brincadeiras eram tão gostosas e nos faziam gastar tanta energia, que a tv, que não existia, nem fazia falta, acabávamos dormindo cedo, para acordar cedo e aproveitar novamente o dia. Brinquei muito de queimada e bole-bole. Doces lembranças…
Oi, Alcinéa.
O texto do Sapiranga me levou de volta à infância e à adolescência. Lembrei de minha prancha (que ele chama de “carreta”) feita com várias latas de leite Ninho; as pedras dentro das latas era para dar equilíbrio e não tombarem logo. Mas a bola na rua de piçarra é a lembrança mais forte; muitas vezes só acabava quando escurecia e não dava mais enxergar a bola. O bom mesmo era quando chovia. Ah, sim, perdí várias unhas do pé direito, aquela do dedo ao lado do dedão do pé.
É muita coisa nas lembranças e o Sapiranga acebou esquecendo do time de botão. Algumas peças eram de madeira, mas o meu preferido era com tampa de pomada pra cabelo, da marca Gessy. Alguns usavam pente para deslocar os “jogadores”, mas eu preferia dar um peteleco com o dedo indicador passando pela lateral do dedão da mão; a bola, geralmente era de lã. Bom, o nome do time variava: Juventus, Paissandú e Flamengo.
Um abraço do amigo.
Oi Aloísio, que bom ler seus comentários no blog. O “esquecimento” é proposital, para que os amigos possam puxar pela memória e contar sobre os brinquedos de infância. Faltou falar da cangula, das manobras feitas com um aro de bicileta impulsionada por um arame dobrado em forma de U na extremidade inferior: do carrinho de rolimã, no qual os pés serviam de abs. Meu time de botão era formado por uma caixa de fósforo cheia com areia e pedrinhas para o vento ou a bola não derubar, a bola podia ser também de miriti ou cortiça: faltou não falei da bola de meia cheia de milho,Por isso tasquei o etc, etc. Um abraço. Sapiranga
Oi, Milton. Lembrei também das petecas, aquelas bolinhas de vidro colorido que alguns chamam de bola de gude.
Na falta das petecas, ou de dinheiro para comprar, aparecia uma solução local: caroços de tucumã. Criatividade na improvisação não faltava e ninguém ficava sem a brincadeira.
Um abraço.
Aloisio, ainda tinha as petecas de aço, tiradas dos rolamentos de caminhões e máquinas pesadas. Jogar com um aço,significava mais poder e o prazer de espatifar as petecas do adversário, numa “alpuada” perfeita.
Perdão, Aloisio! Errei a conjugação verbal. Onde se lê: “tinha as petecas”, leia-se: “tinham”. Desculpe.
Oi, Cléo.
Não se avexe, como diriam os nossos irmãos nordestinos. Aqui prevalecem tanto o latim do Cícero como o dos soldados romanos. Tenho certeza que a nossa amiga Alcinéa não vai se chatear por causa disso. Na verdade, esses tropeços são frutos do entusiasmo provocado pelas lembranças que emergiram por causa da crônica do Sapiranga.
Um abraço.
Aluísio, faltou completar o time: os zagueiros eram duas tampas grandes do remédio Pepsamar: o meio campo por tampas de pomada glostora e o ataque mesclado por tampas de talco palmolive e brilhantina gessy( essas raspadas no cimento para ficarem bem baixinhas e empinarem melhor a maricota.
Porra, Aloisio. Assim não vale! Lembraste logo dos meus três times? Ah, Às vezes, fazíamos a bola de miriti ou de cortiça. Que Deus te abençoe.
Pois é, Cléo. E por conta do desaparecimento do Juventus, fiquei sem time em Macapá. Tentei torcer pelo São José (pelo fato de muitos ex-juventinos terem migrado para lá), às vezes ia para o Glicerão junto com a torcida do Ipiranga (além da Favela e Santa Rita – antes bairro da CEA – também morei no Trem), mas não adiantou.
Um abraço.
Aloisio, o mais incrivel é que isso ocorreu comigo, também. Cheguei a jogar volei no E.C.Macapá e Guarani, mas não consegui transferir meus sentimentos juventinos a qualquer outra agremiação. Abração.
Gosto de nostalgia e este texto me lembrou algumas peripécias de minha época no inicio da década de 80. Saiba que também senti o gostinho de brincar com alguns brinquedinhos, desses que você citou. Era uma alegria, igual aquela imagino ser dificil para as crianças de hoje. Paraabéns pelo ótimo texto.
Valeu Sapiranga, passou um filme da minha infância na minha cabeça lendo este emocionante texto.
Seu Sapiranga, que sutileza! Antigamente ainda havia brincadeira masculina e brincadeira feminina. Existiam as da noite e as do dia. Poucas eram as brincadeiras que envolviam meninos e meninas, mas tudo se arranjava. Brinquei muito de bole-bole, macaca, elástico e outras. Éramos muito felizes, apesar de pobres. E tem mais: os moleques de antigamente eram mais sadios, pois se exercitavam mais. Então, na guerra contra o controle remoto, mais vale a simplicidade e a saúde. Que o controle seja apenas para a tv, principalmente quando já estamos quase dormindo e queremos desligar o aparelho. Felicidade e saúde a vc. Parabéns!
Lindo esse texto de Milton Sapiranga, muito me emocionei alias me deu até vontade de chorar, tenho apenas 29 anos, mas muito me lembra a minha infancia tudo o que esse maravilhoso autor escreveu.
Eramos felizes e nâo sabiamos.
Cacete, Sapiranga! Assim não vale!! O velho não aguenta!!
Que texto gostoso! Éramos desprovidos de bens materias, mas eramos crianças felizes. Lembrei da minha infância,qdo minha boneca era um sabugo de milho, vestida com uma roupinha feita por minha vó na velha máquina à pedal. Hoje meus filhos tem de td, desde Play 3, PSP, computador, celular e tantas outras tecnologias…Mas não tem a infância que eu tive…. senti saudades.
Maravilha!
Estou movido por uma felicidade tremenda, em poder dizer que, ainda com meus 32 anos de idade, tiver a oportunidade de brincar, valendo-me destes itens que ora foi gentilmente evidenciado pelo autor.
Conheço o Milton há muitos anos e ele é assim mansinho, mansinho…. E apesar de não ter tanta idade mas vivenciei as dificuldades que a minha família humilde passava. Me lembro da cx de lápis de cor de 24 cores que era coisa de rico e hj se compra por 5 reais nas importadoras. Realmente, tínhamos pouco mas éramos extremamente felizes! E essas lembranças eu nunca esqueço e faço questão de contar para meus filhos para que eles vejam que as conquistas são fruto de muito trabalho, determinação e perseverança.
Seu Sapiranga pegou pesado…
Faz-me ficar entalado… engolindo uma vontade de chorar, pois todos esses brinquedos fizeram obrigatoriamente parte de minha pobre infância. E olha que acho que ainda nem tenho a idade dele.
É como um filme que volta a passar em minha mente, só que acontecendo na rua Hildemar Maia (quando ainda não existia sequer rua, da igreja Coração de Jesus até a emissora de tv) brincando com todos esses maravilhosos brinquedos. Só ficou faltando a pequena curica e a perna de pau (improvisada em dois pedaços de pernamanca).
Não sinto saudade das privações daquela época, mas era maravilhoso o tempo em que fazia até friozinho quando começava a chover em dezembro e ia até julho em Macapá.
Você tem razaão, e ainda faltou comentar o aro da bicicleta , que o condutor tinha que ser profissional.
Dias passados fiquei a matutar e forçando para lembrar de você, e lembrando do Heitoe, irmão do picolé, do jacaré e etc.., veio a recordação do quanto era assíduo e batia o ponto quase que diariamente na casa dele ou no Glicério Marques, pedalando um bicicleta e semprea trazendo um bom bom humor.Gostei de saber que vc. gosta de uma pescaria, li aquela prezepada sua com o finado Mucura pescando com isca de bustela na Lagoa dos Índios, e aproveito para dizer que sou apaixonado por uma pescaria, principalmente a de barranco. Hoje moro em Brasília, estou com 53 anos e lembro de muitos causos da nossa querida Macapá. Um abraço. João Henrique Maciel Santos (meu Pai era o Seu Bené que trabalhou no Garapa azeda e no IETA e minha mãe foi professora(IRACEMA) no Coaracy Nunes.
Oi, Joao
Minha mae, professora Delzuite Cavalcante, era muito amiga da professora Iracema. Trabalharam juntas no Coaracy. Frequentamos muito a casa de voc^es.
Por onde andam tuas irmas?
Alcinéa,que bom ler sua resposta.Minhas irmãs: A Nazaré mora aqui em Brasília, Graça e Lintete em Belém, Fátima e Noves no em Colares no interior do Pará e a Ilka mora no Sul da França.
Tenho acompnhado sua página falando de nossa cidade. Admiro sua atenção especial à família, o quanto é bacana falar bem e sentir orgulho doAlcione, Alcilene(a cara da mãe) e o Alcizinho (acho que é assim),com sua cara redondinha e as vezes zangado, ia esqucendo de você, com aquele olhar angelical, é a lembrança que tenho da família do Poeta Alcy e da Professora Delzuite.O bom dia acompanhado de flores é 1.000…….um belo dia p/vc.
Ei João, que bom saber que vc está bem. Será que é João, filho daquele senhor amável dos cabelos grisalhos? Gostei do seu comentário. João,o Ceará e o Romeu irmãos do Heitor estão no Rio, assim como o Boquinha, o Branco, o Pedro irmão do Orlando doBrandão. Um abração. Valeu
Ei, João! Qnto tempo. Estudei c vc, no IETA. Certa vez, treinando basquete, foi o seu Bené, uma alma caridosa, quem me socorreu, medicou (quando eu quebrei a cabeça, num choque com outro colega, numa disputa de bola)e me fezescapar duma surra do papai, ao me levar em casa, na favela, dizendo ao papai que aquilo tinha ocorrido em razão dos treinamentos para os jogos escolares.
Olá Cleo, estava matutando para recordar de vc. e consegui.Acho que sua mãe ,como a minha, era professora (me confirma). Mas o legal foi tentar lembrar de vc., e, sabe como é que foi! pelas pintas no seu rosto. Quanto ao meu pai, ele tinha esse lada caridoso. Um grande abraço (como é bom lembrar dessa terra maravilhosa e dos velhos amigos).
Verdade, João. Minha mãe é profª. aposentada (Zenaide, o nome dela)e trabalhou c a tua mãe e c a profª Delzuith, no Coaracy. Prazer em falar com vc.
Que delicia ler um texto assim… suave e gostoso chega mansinho , invadindo e fazendo a reflexão da verdadeira qualidade de vida.
Obrigado Néa, você como sempre nos alegrando com sua gentileza, adoro o que selecionas para nós.
Quando criança também vivenciei isso. Com a criatividade superávamos as dificuldades que pra nós aquela altura inexistia. Graças às crianças dsprovidas de vaidades e preconceitos. Eram alegres, divertidos e felizes. Emocionei-me com esse artigo.Obrigado ao autor pelas lembranças.
Josenildo Mends