Verde pretérito

VERDE PRETÉRITO
Alcy Araújo

O sapo era verde
no lago verde.
O lodo era verde
no mar tão verde.
Eu era verde
ao poema verde.
A amada era verde
de olhos verdes.
O amor era verde
nos anos verdes.
A fonte era verde
a esperança era verde
e logo secou.
O sinal era verde
o carro era verde
a infância era verde
e se apagou.
(Do livro Autogeografia – 1965)

Aero-anjos

AERO-ANJOS
Alcy Araújo (1924-1989)

As aeromoças tem alguma coisa que fazem o cronista lembrar os anjos. Poderiam ser chamadas de aero-anjos. São delicadas, solícitas, atenciosas, azuis. Comovem o mísero mortal, o vivente desta terra, o habitante do sub-nuvens.

As aeromoças são tranquilizantes. Tiram o pavor que afeta os que têm medo de viajar, os que não entendem o mundo a jato, os que são como eu, que viajo com o terço na mão.

Pegado a terra, enraizado ao chão de todo o dia, mal compreendo as moças que cruzam os céus, que cavalgam nuvens no corcel alado que Santos Dumont, aquele mágico maluco criou, num momento de inspiração magnífica.

As aeromoças não são criaturas humanas como nós outros. Pelo menos quando estão no céu, praticando gentilezas, sorrindo, inventando simpatia.

São anjos de uniforme, aero-anjos-moças. Elas comovem este poeta, pela ternura que oferecem a 9.000 metros de altura, a 850 quilômetros horários dentro da cabine pressurizada.

Aceita cigarros? Não quero fumar, mas aceito. Aceita um drinque? Não quero beber, mas aceito fico humilde e sem vontade diante das aeromoças. Tenho medo de contrariar, de ofender, ao menos de raspão, a gentileza com que me cercam. Tenho medo que o aero-anjo volte, de repente, à sua condição humana e terráquea. de gente deste planeta e acabe a magia, o encantamento que dura o breve instante de uma viagem a jato.

Que as aeromoças realizem todos os seus sonhos e se transformem em anjos. E me levem pela mão, num gesto ternural.

(Do livro Ave Ternura)

Hoje – Centenário do nascimento do poeta e jornalista Alcy Araújo

Alcy Araújo Cavalcante – o poeta do cais, dos anjos, das borboletas, do jardim clonal, dos marinheiros e de tudo que merece ser amado – nasceu no distrito de Peixe Boi (PA), no dia 7 de janeiro de 1924.
Criança ainda transferiu-se com a família para Belém, vivendo depois em pequenas cidades da região norte para onde seu pai, Nicolau Cavalcante, era destacado para implantar os serviços de Correios e Telégrafos.
De retorno a Belém, Alcy cursou a Escola Industrial tornando-se mestre marceneiro e de outras especialidades relacionados ao ofício, que exerceu por algum tempo.

“Canto a terra, a dor dos aflitos
e a inútil esperança dos desesperançados.
Também os negros, os índios e o verde
e presto relevantes serviços topográficos
demarcando itinerários de poesia.”
Alcy Araújo

No entanto o talento literário, a vocação pelo jornalismo e um precoce desenvolvimento intelectual levaram Alcy a trocar a bancada da oficina pela escrivaninha do jornal, em 1941, com 17 anos de idade. Por mais de uma década trabalhou nos principais jornais do Pará como repórter, articulista, redator e chefe de reportagem, entre eles a Folha do Norte, O Estado do Pará e O Liberal.
Veio para o Amapá na década de 1950 a convite do governador. Aqui exerceu importantes cargos, assessorou vários governadores, dirigiu jornais, lutou pela emancipação política e administrativa desta região, combateu a exploração dos recursos naturais, fez importantes trabalhos de pesquisa sobre rizicultura, erosão dos solos, pesca no litoral, entre outros.
Ele foi o primeiro jornalista amapaense a participar como delegado de um Congresso Nacional de Jornalistas. Isso aconteceu em setembro de 1957. Foi VII Congresso que marcou o cinqüentenário da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
Contudo, acredito que a maior contribuição dele ao Amapá deve ser aferida pela sua imensa e constante participação na vida intelectual e artística – tanto através da imprensa, como nos demais instrumentos e instâncias da cultura amapaense.
Amante das artes, foi ele que lutou, ao lado de R.Peixe, pela criação da Escola de Artes Cândido Portinari e do Teatro das Bacabeiras.
Fez parte da Academia Amapaense de Letras ocupando a cadeira 25.
Na música, Alcy – tendo como parceiro Nonato Leal – venceu vários festivais, inclusive o I Festival Amapaense da Canção.
No carnaval, compôs belíssimos sambas de enredo para a Embaixada Cidade de Macapá e Maracatu da Favela, recebendo, todas as vezes, a nota máxima dos jurados.
“Aqui estão as minhas mãos, falando palavras feitas de pássaros e
de ausências e cantando canções sonhadas em segredo.” (Alcy Araújo)
Junto com Álvaro da Cunha, Ivo Torres, Arthur Nery Marinho e Aluízio da Cunha, movimentou o segmento cultural amapaense criando clubes de arte, promovendo noites lítero-musicais, apoiando artistas plásticos, músicos, poetas e escritores, fundando e dirigindo revistas culturais difundindo a cultura do Amapá por este Brasilsão, entre mais tantas coisas que deixariam imenso este texto se fossem listadas aqui.
“Ele foi um dos mais macapaenses de todos os paraenses que ajudaram a desenvolver o Amapá”, escreveu certa vez o jornalista Hélio Penafort.
Foi editor, noticiarista, diretor, colunista, articulista e editorialista de vários jornais amapaenses. Jornalista emérito, arguto analista  dos problemas sócio-econômicos do Amapá, foi na poesia que Alcy Araújo universalizou mais profundamente seu talento. É um dos poucos poetas do Norte a figurar na “Grande Enciclopédia Brasileira Portuguesa”, editada em Lisboa. Está também nas enciclopédias “Brasil e Brasileiros de Hoje” e “Grande Enciclopédia da Amazônia” e em tantas outras obras como “Introdução à Literatura”, “Poesia do Grão Pará”, Antologia Internacional Del Secchi, Coletânea Amapaense de Poesia e Crônica, Antologia Modernos Poetas do Amapá e coletânea “Contistas do Meio do Mundo”.
Em 1965, pela Editora Rumo, foi lançado seu primeiro livro: Autogeografia (poemas e crônicas). Em 1983, comemorando os 40 anos de Alcy dedicados à poesia, a Editora do MEC lançou no Rio de Janeiro seu livro “Poemas do Homem do Cais” e em 1997 foi lançado pela Associação Amapaense de Escritores o livro “Jardim Clonal”.
Em 2021 a Prefeitura de Macapá editou e lançou o seu livro “Ave Ternura” e reeditou o “Autogeografia”.
Numa noite de sábado, 22 de abril de 1989, Alcy Araújo partiu para o cais definitivo levado pelas mãos do seu Anjo da Guarda. Partiu deixando inéditos, prontinhos para publicação, os livros “Histórias Tranquilas”, “Cartas pro Anjo”, “Mundo Partido”, “Terra Molhada”, “Tempo de Esperança”, “Poemas pro Anjo do Natal”, entre outros.
Alcy Araújo Cavalcante, meu pai, tinha a alma pura, de criança que acredita no Natal e na Esperança e assim cheio de esperança colocou sua poesia a favor da luta por um sociedade melhor, livre das desigualdades e das injustiças.
Participação
Alcy Araújo
Estou convosco.
Participo dos vossos anseios coletivos.
Vim unir meu grito de protesto
ao suor dos que suaram
nos campos e nas fábricas.
Aqui estou
para juntar minha boca
às vossas bocas no clamor pelo pão
sancionar com este rumor que vai crescendo
a petição de liberdade.
Estou convosco.
Para unir meu sangue ao sangue
dos que tombaram
na luta contra a fome e a injustiça
foram vilipendiados em sua glória
de mártires
de heróis.
Vim de longe
percorrendo desesperos.
Das docas agitadas de Hamburgo
das plantações de banana da Guatemala
dos seringais quentes do Haiti.
Vim do cais angustiado de Belém
dos poços de petróleo do Kuwait
das minas de salitre do Chile
Passei fome nos arrozais da China
nos canaviais de Cuba
entre as vacas sagradas da Índia
ouvindo música de jazz no Harlem.
Afundei nas geladas estepes russas.
morri ontem no Canal da Mancha
e hoje no de Suez.
Tombei nas margens do Reno
e nas areias do Saara
lutando pela vossa liberdade
pelo vosso direito de dizer
e de amar.
Estou convosco.
Voluntariamente aumento o efetivo
dos que não se conformam
em viver de joelhos
morrendo sufocando lágrimas
nas frentes de batalha
nas prisões
para dar à criança recém-parida
o riso negado aos vossos pais
o pão que falta em vossas mesas.
Meu filho
e o filho do meu filho
saberão que o meu poema não se omitiu
quando vossas vozes fenderem o silêncio
e ecoarem nos ouvidos de Deus.

Centenário de nascimento de Arthur Nery Marinho

“Meu coração é público, senhores!
É como o botequim dali da esquina.
À turba não ilude.
Sempre há de ter lugar aos sofredores,
pois, sendo núcleo da mais triste sina,
tem calma e tem virtude.”

Poeta, músico, jornalista e desportista, Arthur Nery Marinho nasceu em Chaves (PA), em 27 de setembro  de 1923,  mas aos 23 anos de idade veio para o Amapá e nunca mais saiu daqui. Cantou, tocou e escreveu as coisas desta terra como se fosse a sua terra natal.
Ontem completou cem anos de seu nascimento. Hoje republico este texto que escrevi há alguns anos e que está no meu livro “Poetas do Amapá` que você pode adquirir aqui

Arthur1

“Que saibam pois, meus filhos, sem sigilo,
que fui isto, fui isso e fui aquilo,
porque não tive o dom de ser lacaio”

Compadre de meus pais, Arthur Nery Marinho frequentava muito nossa casa. Lembro-me que quando eu era criança eu ficava boaquiaberta ouvido-o declamar suas poesias para minha vó Elvira Araújo.
Nossa casa tinha uma grande varanda, onde minha vó, paralítica, passava a maior parte do dia em sua cadeira de rodas rezando, cerzindo, lendo, fazendo crochê… o poeta chegava, cumprimentava-a e começava a declamar (outro que costumava fazer isso era o Cordeiro Gomes, mas em outro post eu conto). Eu corria para ouvi-lo e a poesia que eu mais gostava era Auto-Retrato, que está publicada no livro Sermão de Mágoas. Ele dava tanta vida ao poema que eu, na inocência da infância, jurava que ele tinha o corpo todo marcado de cicatrizes.
Uma das imagens que ficou gravada é o poeta levantando a barra da calça ao dizer o verso “E por toda parte a perna cortada.” Eu arregalava os olhos na tentaviva de ver os golpes em sua perna e morria de pena dele. “Isso deve doer muito”,  pensava.
Só na adolescência fui entender o Auto-Retrato do poeta.

Cresci, fiquei adulta,  meus pais se separaram, morreram e meu contato com o poeta foi rareando. Mas nas poucas vezes que nos encontramos após a morte de meu pai sentia o enorme carinho que ele tinha por mim e isso me fazia muito feliz.

“Se alguém me pergunta onde é que moro,
prego mentira e de vergonha coro,
pois não moro nem dentro de mim mesmo”

Poucas vezes estive na casa dele. Era uma casinha tão aconchegante, na rua mais tranquila do bairro Jacaré-acanga (hoje Jesus de Nazaré), bem na frente de uma pracinha. Pensava com meus botões: todo poeta deveria morar num lugar assim, onde há paz, verde, crianças jogando bola, gente enamorada e canto de passarinhos.
Uma das vezes que estive lá foi para convidá-lo a sair na escola de samba Unidos do Buritizal, em 1992, cujo enredo era “Alcy Araújo – o poeta do cais”. Fazia pouco tempo que Arthur tinha passado por uma delicada cirurgia na cabeça. Mas mesmo assim ele topou. Enfrentou o desafio de ir para a avenida, sambar em homenagem ao compadre, na comissão de frente da escola que estreava no carnaval. E estreou em alto estilo: foi a vice-campeã.

Outras vezes encontrei-o à sombra da “mangueira da Sead”. Ele costumava dar uma paradinha ali quando ia falar com os secretários de Estado em busca de apoio para a publicação do livro “Sermão de Mágoa”. E foi ali, embaixo daquela mangueira, numa manhã de sol bochechudo e céu azulzinho de 1993, que ele me deu a boa notícia: finalmente Sermão de Mágoa ia ser publicado. Já estava no prelo. Vibrei. E foi também embaixo da mangueira que ele me deu um exemplar do livro tão logo saiu da gráfica, antes do lançamento.

“Quero sonhar que vou pelos caminhos
jogando rosas, destruindo espinhos,
deixando luz em cada escuridão”

O poeta Arthur Nery Marinho faz parte da primeira geração dos modernos poetas do Amapá.
Nascido em Chaves (PA), em 27 de setembro de 1923, veio para o Amapá em 1946. Ao lado de Alcy Araújo Cavalcante, Álvaro da Cunha, Aluízio Cunha e Ivo Torres, Arthur desenvolveu importantes projetos culturais.
Está na Antologia Modernos Poetas do Amapá, na enciclopédia Brasil e Brasileiros de Hoje, na Grande Enciclopédia da Amazônia e na Coletânea Amapaense de Poesia e Crônica.
Foi vice-presidente da Sociedade Artística de Macapá, diretor do Jornal Amapá, presidente da Federação Amapaense de Desportos (hoje FAF) e sócio-fundador da Sociedade Esportiva e Recreativa São José e do Grêmio Literário e Cívico Ruy Barbosa.

Arthur Marinho tocou no coreto da antiga Praça da Matriz. Num de seus poemas relembra assim:
“Da igreja o velho coreto
eu avisto, neste ensejo.
Do mestre Oscar vejo a banda
e lá na banda eu me vejo.”

arthur3Em 1993 publicou o livro de poesias “Sermão de Mágoa”. Morreu em 24 de março de 2003 e alguns meses após sua morte a Associação Amapaense de Escritores fez o lançamento do livro de poemas e trovas “Cantigas do Meu Retiro”.

Pat Andrade no Circuito de Autores em São Paulo e Espírito Santo

A escritora Pat Andrade foi selecionada para participar do Circuito de Autores do projeto Arte da Palavra – Rede de Leituras do Sesc e cumprirá agenda em Bauru/SP e em Vitória/ES, nos dias 26, 28 e 29 de setembro de 2023.

O Circuito é voltado para promover, por meio de uma itinerância de âmbito nacional, autores de diversas categorias da literatura brasileira, valorizando essas vozes, fazendo circular obras e ideias, possibilitando que diferentes vertentes literárias sejam conhecidas em diversas regiões.

No bate-papo, intitulado “Arte da Palavra: Uma Prosa nas Entrelinhas”, a escritora Patrícia Andrade, ao lado de Thaise Monteiro, de Goiás, falará sobre sua escrita e processo criativo, sobre autores e autoras que a inspiram e ainda como o envolvimento com outras expressões artísticas contribuíram para sua formação.

Durante as mesas de debate, que ocorrerão em várias unidades do Sesc, as escritoras terão ainda a oportunidade de apresentar seus livros aos alunos de escolas públicas de cada local e discutir aspectos inerentes à fruição literária, fomentando o gosto pela leitura e escrita. As obras também são divulgadas com antecedência em clubes de leitura desenvolvidos em cada localidade, o que promete enriquecer o debate.

Pat Andrade afirma que está satisfeita por ter sido selecionada entre escritores de todo o Brasil e afirma que “poder mostrar um pouco do que escrevo para outros públicos é uma forma de colocar meu trabalho à prova e também de expandir horizontes para a nossa literatura”. Na bagagem, ela leva três dos seus títulos mais recentes: O peso das borboletas, Entre a flor e a navalha e Poesia para alguma coisa ou para coisa nenhuma, sendo os dois últimos, livros artesanais, que caracterizam boa parte da sua obra.

Sesc Bauru

Data: 26 de setembro de 2023
Local: Espaço de Leitura
Horário: 15h
Entrada Franca

Sesc Vitória

Data: 28 de setembro de 2023
Local: Sala da Palavra
Horário: 9h
Entrada Franca

Sesc Glória

Data: 28 de setembro de 2023
Local: Biblioteca
Horário: 19h
Entrada Franca

Sesc Linhares

Data: 29 de setembro de 2023
Local: Sala da Palavra
Horário: 9h
Entrada Franca

Sesc São Mateus

Data: 29 de setembro de 2023
Local: Sala da Palavra
Horário: 16h
Entrada Franca

(Fonte: Blog de Rocha)

O Fim do Mundo

Quando disseram
que o mundo ia acabar
Tia Lila pegou seu terço
e pôs-se a rezar.

O dono da venda
dividiu toda a mercadoria
com seus funcionários
e distribuiu o dinheiro do caixa
para os mendigos.

A recatada dona Clotilde
jogou-se aos pés do marido
e implorando perdão
confessou que o tinha traído com o compadre.

Seu Joaquim, um santo homem,
ajoelhou-se no meio da rua
ergueu as mãos para o céu
e pediu perdão a Deus
pelos assassinatos que cometeu
como matador de aluguel.

No dia seguinte
o dono da venda pedia esmolas,
a recatada Clotilde, expulsa de casa,
foi morar num velho puteiro,
Seu Joaquim foi preso.

Só Tia Lila continuou do mesmo jeito.
De terço na mão continuou rezando
e entre uma oração e outra murmurava:
– É mesmo o fim do mundo
– Dona Clotilde, hein, quem diria?
– Seu Joaquim com aquela cara de santo, hein!
É o fim do mundo! É o fim do mundo!
(Alcinéa Cavalcante)

Viagem – Jadson Porto

Viagem
Jadson Porto

Eu me preparei!
Organizei tudo
Hora, dia, de onde sair
Para onde ir.

Quase tudo pronto
Documentos arrumados
Assento marcado
Destino traçado.

É hora de embarcar
A viagem começará
O piloto pronto está
Acomodado, a viagem iniciará.

Com o livro aberto
Duas viagens ocorreram
Uma em trânsito, é certo
Outra em páginas, decerto.

Dois pilotos conduzindo
Um, o manche comanda
Outro, a imaginação demanda

Quanto ao passageiro…
Enquanto paisagens e nuvens passam
Páginas e imagens dançam.